“É
muito difícil. Tem dia que dá para levar legal, mas tem dia que é muito
difícil. Se minhas netas tivessem direito ao Bolsa Família, já ajudaria muito.
Eu fui no Cras [Centro de Referência da Assistência Social do município] para
ver [se elas teriam direito ao benefício] e deu que sou aposentada e elas não
tinham direito porque moravam comigo. Uma aposentadoria dá para
quatro pessoas”, lamenta Leonor.
Sem
dinheiro suficiente para garantir alimentação adequada para si e as três netas,
ela precisa recorrer à ajuda de uma organização não governamental que distribui
alimentos. “O município deveria ajudar quem precisa, fazendo um levantamento de
quem precisa e quem não precisa”, completa a aposentada.
No
Brasil, existem 21,6 milhões de lares, espalhados pelos 5.571 municípios
brasileiros, que enfrentavam algum grau de insegurança alimentar em 2023,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No caso de
7,4 milhões desses domicílios, as pessoas conviviam com um quadro moderado ou
grave de insegurança, que consiste na redução da quantidade de alimentos
consumidos ou na ruptura em seus padrões de alimentação.
Esse
é um dos problemas que muitos prefeitos e vereadores eleitos neste ano terão
que enfrentar em seus mandatos, que começarão em 1º de janeiro de 2025.
Eduardo
Lúcio dos Santos é fundador do Projeto União Solidária, uma das diversas
organizações não governamentais (ONGs) que atendem a pessoas em situação de
insegurança alimentar no país. “Acredito que o município poderia ter políticas
públicas voltadas para o combate à fome, poderíamos ter reuniões, encontros
para os projetos e ONGs colocarem suas ideias. Nós, que somos um simples
projeto, conseguimos levar ajuda para tantas pessoas. Certamente com o
município, com a máquina pública e, principalmente, querendo fazer, teríamos
uma cidade mais humana, menos violenta e sem pessoas passando fome”, afirma.
Sua
esperança é que os futuros prefeitos e vereadores tenham um olhar
mais humano em relação aos menos favorecidos. “Que tenham empatia e queiram, de
verdade, resolver os problemas dos menos favorecidos, não apenas na questão da
fome, mas também nas questões básicas, como saúde, educação, esporte e lazer.
Espero que os políticos não apareçam somente agora por ser um período
eleitoral, mas que permaneçam e cumpram as promessas de campanha”, afirma
Santos.
Fundada
pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a Ação da Cidadania é uma das
organizações não governamentais que atuam no combate à fome mais conhecidas do
país. Para o diretor executivo da ONG, Kiko Afonso, diz que o município é um
dos entes mais envolvidos no combate à fome.
Os municípios são responsáveis, por exemplo, pelo cadastramento dos beneficiários do Bolsa Família. “Os Cras, que são geridos pelas prefeituras, são a porta de entrada de qualquer cidadão para os programas públicos, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada [BPC]. O grande problema é que a gente tem visto boa parte das prefeituras desvalorizar os Cras. Você vai num Cras e ele está sem equipe, sem equipamento, sem infraestrutura para atender à demanda que chega a ele”, explica Afonso.
Ele
afirma ainda que as prefeituras deveriam não apenas atender às pessoas que
procuram os Cras, mas fazer buscas ativas entre seus munícipes para incluir no
Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal aquelas pessoas que ainda não são
contempladas por programas sociais, como muitos que vivem em situação de rua.
Outra
política importante no combate à insegurança alimentar, principalmente de
crianças e jovens, é a merenda escolar. O Programa Nacional de Alimentação
Escolar (Pnae) é financiado por verbas federais, mas são as prefeituras que
usam esses recursos e colocam as merendas nas escolas de educação infantil e de
ensino fundamental.
“A
prefeitura precisa estar adequada a todo o programa, para que possa oferecer
alimentação saudável à população. Infelizmente não é o que a gente vê. Em
muitos casos, tem escola pública oferecendo macarrão com salsicha, biscoito de
água e sal”, destaca Afonso.
Segundo
a professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),
Juliana Lignani, o papel dos municípios no combate à fome é estratégico, porque
ele é a unidade da federação que está mais próxima dos cidadãos.
“O
município consegue compreender quem é a sua população, os principais
determinantes da insegurança alimentar e atuar de maneira mais direta e
específica ao problema local, que pode variar de um município para outro”.
Juliana
explica que a renda é um determinante importante na questão da insegurança
alimentar, mas não o único. “Tem outras situações como o acesso ao emprego, à
educação, à produção de alimentos, ao abastecimento de alimentos. E cada
município tem sua especificidade. Talvez uma política importante seja repensar
sua produção de alimentos. Que tipo de alimento está sendo produzido? Que apoio
está sendo dado aos produtores de alimentos?”.
Os
conselhos municipais de Segurança Alimentar são instrumentos importantes para
que os municípios conheçam suas especificidades e adotem políticas para
combater a fome em seus territórios, de acordo com a pesquisadora.
“O
conselho é um órgão super importante, porque consegue ter essa noção e
esse mapeamento da condição de insegurança alimentar dentro de cada
localidade”, afirma Juliana, ressaltando que também é importante que prefeitos
e vereadores articulem a insegurança alimentar a outros sistemas, como o de
Assistência Social e o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Vereadores e prefeitos vão ter papel super
importante, já que são os legisladores e os executores dessas ações, desses
programas e dessas políticas. É possível que eles consigam determinar,
direcionar, estruturar políticas que dialogam com as necessidades locais e que
façam sentido, para que tenham um resultado bem efetivo”, afirma Juliana.
Segundo
Kiko Afonso, vereadores são responsáveis por aprovar a criação dos conselhos de
Segurança Alimentar e garantir a destinação de recursos a eles, além de
aprovarem legislações específicas para o combate à fome.
“E o
papel da prefeitura na cadeia toda do combate à fome é absolutamente essencial.
Sem a prefeitura, boa parte dos programas não chega na ponta, por mais que
tenham recursos e vontade política dos governos federal ou estadual”, conclui
Afonso.
(Ag.
Brasil)
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