O
Estado é dono da maior produção de grãos e do maior rebanho bovino do país. O
ministro da agricultura, Carlos Fávaro, deixou claro o que esperava da reunião.
"Vamos
mostrar nosso potencial em produzir alimentos de forma sustentável”, disse na
segunda-feira (9/9).
Mas
a área onde a reunião acontece é uma das muitas do país que está encoberta por
fumaça devido às queimadas recordes que
atingem o país neste ano.
Segundo
dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso é o
campeão no ranking de focos de incêndio neste ano e imagens de satélite vêm
mostrando nos últimos dias que enormes partes do Estado, inclusive a região de
Chapada dos Guimarães, estão sofrendo com os efeitos das queimadas.
Segundo
oficiais do governo, parte considerável desses incêndios está relacionada com o
aumento da área de pastagens ou abertura de novas fronteiras agrícolas em
biomas como o Pantanal, Cerrado e Amazônia.
De
acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a ocorrência de tantas
queimadas na região escolhida para ser a vitrine do agronegócio brasileiro
compromete a imagem do Brasil no exterior e serve de alerta. Moradores da
cidade onde o evento está sendo realizado dizem esperar medidas para evitar a
repetição do cenário atual.
"Vimos à fumaça cobrir a cidade inteira"
De acordo com o governo brasileiro, os principais tópicos da reunião de ministros da agricultura do G20 em Mato Grosso serão: sustentabilidade nos sistemas agroalimentares; ampliação do comércio internacional para a segurança alimentar e nutricional; reconhecimento da agricultura familiar e o papel de camponeses e povos originários para sistemas alimentares; e promoção da integração da pesca e aquicultura nas cadeias globais.
Mato
Grosso foi cuidadosamente escolhido pelo governo brasileiro para sediar a
reunião de ministros da agricultura do G20, segundo Carlos Fávaro.
Fávaro,
que é deputado federal eleito pelo Estado, disse que Mato Grosso seria uma
espécie de "símbolo" do modelo de agricultura do país.
"Estamos
no Estado com a maior produção agropecuária do Brasil, o maior rebanho bovino
do Brasil [...] mas que é o símbolo da preservação ambiental", disse
Fávaro durante a abertura da reunião na terça-feira (10/9).
Segundo
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado tem o maior
rebanho bovino do país, com 34 milhões de cabeças de gado. Além disso, é o
maior produtor de soja, milho e algodão.
Especialistas
em agronegócio colocam o Estado como o "celeiro" do Brasil.
Por
outro lado, o Estado aparece como o segundo maior desmatador da Amazônia (atrás
apenas do Pará) no período entre 2022 e 2023.
De
acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), neste intervalo,
o Estado perdeu 2 mil quilômetros quadrados de florestas, uma área maior do que
a da cidade de São Paulo.
A
situação em 2024 aponta a permanência de um cenário ambiental e climático
dramático.
O
Estado é o campeão nacional em número de focos de incêndio com 36,4 mil
registros entre o início do ano e segunda-feira (9/9), de acordo com o Inpe.
É o
maior número para o mesmo período desde 2007. Em relação ao ano passado, o
crescimento foi de 215%, praticamente o dobro do crescimento médio registrado
no país, que foi de 107%.
O
município de Chapada dos Guimarães, onde a reunião do grupo de trabalho está
sendo realizada, vem sendo pesadamente atingido pelas queimadas.
Nos
últimos dias, brigadistas e bombeiros se mobilizam para controlar duas frentes
de incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, um dos maiores do
Brasil.
Na
semana passada, as duas frentes estavam prestes a se juntar, desafiando o
trabalho das equipes lideradas pelo Instituto Chico Mendes de Meio de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Em
nota enviada à BBC News Brasil pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o órgão
disse que o ICMBio vem combatendo os incêndios no parque com 54 pessoas, entre
brigadistas, funcionários do parque, voluntários e um avião.
O
parque fica a cerca de 40 km da sede do município de Chapada dos Guimarães.
Mesmo
defendendo a escolha do local para a reunião, Fávaro reconheceu que as
delegações internacionais teriam sido impactadas pelas queimadas em seus
trajetos entre Cuiabá e o resort onde o encontro está sendo realizado.
"Apesar
das dificuldades momentâneas que o Brasil vive, com as queimadas, com a mudança
do clima, vocês puderam perceber isso no transcorrer, na estrada. Mas é uma
região em que o turismo é muito importante", disse. Algumas das queimadas
que atingem o Estado vêm afetando o tráfego em rodovias como a que conecta
Cuiabá ao local da reunião.
"Beleza
virou carvão"
Moradores
de Chapada dos Guimarães ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que não foram
apenas os membros das delegações internacionais que foram afetados pelas
queimadas.
"Aqui
nós vimos a fumaça cobrir a cidade inteira. Isso afeta a vida dos moradores e
também a economia local, já que alguns atrativos turísticos foram fechados
devido aos incêndios", disse a bióloga Juliana Bonanomi, que vive na
cidade.
A
antropóloga Suzana Hiroka disse ter visto impactos em diferentes áreas da
cidade por conta das queimadas.
"Na
saúde, as queimadas acentuaram as doenças respiratórias. Quem tem asma ou
bronquite está muito mal. As pessoas têm muita dor de cabeça, rouquidão ou
nariz escorrendo. As mulheres e crianças são muito afetadas", disse.
Hiroka
destacou ainda os efeitos das queimadas na economia da cidade.
"Chapada
vive do turismo. As queimadas fizeram o parque fechar vários pontos. A cidade
vivia da sua beleza cênica, mas agora, essa beleza virou carvão", disse.
Contradição
e oportunidade
O
climatologista Carlos Nobre foi um dos autores do Quarto Relatório do IPCC
(Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), que recebeu o
Nobel da Paz em 2007, disse à BBC News Brasil que a realização da reunião dos
ministros da agricultura do G20 é um momento de definição.
"Precisamos
saber se o agronegócio vai continuar dizendo que não tem responsabilidade
nenhuma no que está acontecendo no Brasil e no mundo ou se vamos ver alguma
mudança nas políticas e uma indução de novas práticas que visem uma agricultura
de baixo carbono", disse à BBC News Brasil.
Segundo
ele, historicamente, o agronegócio no Brasil tenta se eximir das
responsabilidades pelas mudanças climáticas apesar de ser, na avaliação de
Nobre, um dos principais responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa
do Brasil.
Nobre
afirmou que, em sua opinião, a realização desta reunião no atual contexto de
queimadas fora de controle mancha a imagem do país.
"A
imagem do país já está manchada porque todos os dados do Inpe apontam que essas
queimadas foram causadas pela ação humana. Não estamos falando de descargas
elétricas. Estamos falando de atividades criminosas", disse o
climatologista.
A
diretora-executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), Alice Thuault, disse à
BBC News Brasil esperar que as condições nas quais a reunião acontece possa
sensibilizar os participantes. O ICV é uma organização não-governamental que
atua na defesa do meio ambiente em Mato Grosso há mais de 20 anos.
"É
uma tragédia o que está acontecendo aqui, mas acho que é importante que essa
reunião seja realizada nesse contexto, nessa espécie de 'pé do vulcão'. É
importante que os participantes vejam claramente os impactos das mudanças
climáticas em um local que é sempre apontado como um exemplo do
agronegócio", disse à BBC News Brasil.
Para
a moradora de Chapada dos Guimarães Suzana Hiroka, o suposto foco em
sustentabilidade da reunião de ministros da agricultura é uma contradição.
"É
uma contradição porque Chapada dos Guimarães é um município de monocultura.
Temos aqui grandes plantações de soja, algodão e o pequeno agricultor que faz a
agricultura mais sustentável praticamente não aparece", disse.
Alice
Thault resume suas expectativas em relação à reunião em meio à fumaça.
"Estou
torcendo para que as questões sobre o clima estejam, de fato, na pauta do
encontro e que essa experiencia, por assim dizer, imersiva, valha alguma
coisa", disse.
A
BBC News Brasil enviou questionamentos aos ministérios das Relações Exteriores
(MRE), da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente (MMA). Também foram enviadas
questões à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Sema-MT).
Apenas
o MMA respondeu informando sobre as condições do combate ao incêndio no Parque
Nacional da Chapada dos Guimarães. Nenhum dos outros órgãos enviou respostas.
O
que é o G20
O
G20 é um fórum internacional que reúne as principais economias do mundo,
incluindo 19 países, a União Europeia e a União Africana. Oficialmente, o
objetivo do grupo é promover a cooperação econômica global, comércio
internacional e estabilidade financeira.
O
grupo foi criado em 1999 e, mais recentemente, passou a abordar, também, temas
relacionados às mudanças climáticas e segurança alimentar, duas das principais
plataformas do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em
2023, o Brasil assumiu a presidência do G20 pela primeira vez e vem realizando
uma série de reuniões preparatórias para a grande cúpula de chefes-de-Estado do
grupo que será realizada entre os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.
O
Grupo de Trabalho do G20 sobre Agricultura é uma subdivisão do G20 e a reunião
realizada em Chapada dos Guimarães é uma das que antecedem a cúpula principal
de novembro.
(Fonte:
BBC)
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