Os
50 maiores doadores deram ao todo R$ 66,1 milhões para diferentes candidatos de todo
o país. Os valores dados a partidos e candidatos variaram de um mínimo de
R$ 510 mil ao máximo de R$ 18,5 milhões.
Todos
eles fizeram as contribuições a título pessoal, já que a legislação em vigor
desde 2015 proibiu doação empresarial. Pela lei atual, pessoas físicas podem
doar até 10% do seu rendimento bruto do ano anterior.
A
análise da BBC News Brasil revela, no entanto, um setor recorrente. Sócios de
empresas que fazem gestão e administração imobiliária, compra e venda de
imóveis, aluguel de imóveis e incorporação de empreendimentos imobiliários
responderam por R$ 45,3 milhões — ou 68,6% do total de doações.
O
levantamento, feito a partir de dados do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), considerou os casos em que esses doadores figuram como
sócios diretos das empresas. Na análise, a BBC News Brasil cruzou os CPFs
(identificação pessoal) dos doadores com os CNPJs (identificação empresarial)
ligado a eles.
Depois,
a reportagem classificou a empresas dos doadores conforme as áreas de atuação
descritas na Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE). Em
diversos casos, um mesmo doador possui empreendimentos em mais de um setor.
Pela
dificuldade de rastreabilidade, o levantamento só considerou sócios, e não
analisou doadores que figuram como administradores ou diretores de empresas.
Para
especialistas consultados pela BBC News Brasil, ao doar para campanhas
políticas os empresários buscam abrir diálogo com o poder público, o que não é
uma prática ilegal.
Os
analistas apontam, no entanto, que deveria haver mais transparência na forma
que os empresários exercem influência sobre políticos, já que a atividade de
lobby, ou o ato de tentar convencer autoridades atender seus pleitos, ainda não
é regulamentada no país.
Procurada,
a assessoria da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) disse que
não comentaria o tema, já que a entidade representa as empresas do setor, e as
doações foram feitas por pessoas físicas.
A
CBIC disse ainda que "defende relações transparentes com o poder público,
assim como o cumprimento de todas as legislações vigentes".
Vários
doadores procurados pela reportagem não quiseram comentar, mas alguns nomes
ouvidos pela BBC News Brasil afirmaram que, com as doações, desejam ampliar a
influência nos debates que correm nas câmaras municipais e repercutem em seus
negócios.
“É
muito importante que a gente tenha representantes lá que pensem como crescer o
Rio de Janeiro e o mercado imobiliário", afirmou à reportagem Rogerio
Chor, dono da TGB Imóveis, empresa do setor que doou meio milhão de reais a
candidaturas cariocas.
Doações
são repassadas tanto à direita como à esquerda
O
maior valor da lista de doações foi desembolsado pelo agrobilionário Rubens
Ometto, dono e presidente do conselho da Cosan, um conglomerado com negócios
nas áreas de açúcar, álcool, energia, lubrificantes, e logística.
Ometto
também tem empresas no setor, como a Aguassanta Desenvolvimento Imobiliários,
que tem capital social de R$ 491 milhões. Por meio da assessoria da Cosan, ele
disse que não comentaria sobre as doações.
Entre
os maiores doadores do setor imobiliário, estão os empresários Wilson de
Almeida Júnior e Eduardo Robson Raineri de Almeida, ambos sócios da construtora
Pacaembu.
A
empresa, que se descreve como “a maior construtora de casas residenciais no
Brasil”, atua exclusivamente em projetos do Minha Casa Minha Vida em cidades do
interior do país.
Juntos,
os dois doaram R$ 2,4 milhões nestas eleições. Wilson, fundador da empresa,
desembolsou R$ 1,5 milhão. Já Eduardo, que é presidente do Conselho de
Administração da empresa, R$ 935 mil.
O
dinheiro foi distribuído entre diretórios estaduais e municipais em cidades do
Paraná, Mato Grosso e São Paulo, locais onde a empresa atua ou planeja expandir
seus negócios. Wilson também doou ao diretório nacional do PSD e do PDT.
Em
nota à BBC News Brasil, a assessoria de imprensa afirmou que as doações
realizadas pelos acionistas da companhia são de caráter pessoal.
"A
direção da companhia não tem conhecimento dos critérios adotados pelos
acionistas."
No
levantamento dos maiores doadores do mercado imobiliário, também se destaca o
paulistano Antonio Setin, dono da Setin Incorporadora.
Ele
doou ao todo R$ 1,2 milhão nestas eleições: R$ 1 milhão à direção nacional
do PSD, de Gilberto Kassab, e R$ 200 mil para patrocinar a reeleição de Ricardo
Nunes (MDB), apoiado por Kassab.
Setin
também fez duas doações menores para candidatos a vereadores, que somam R$ 15
mil — Adilson Amadeu (União) e Ramalho da Construção (PSB) ficaram na suplência
para a Câmara de São Paulo.
Já o
baiano Alcebiades de Queiroz Barata Filho, diretor da Patrimonial Coqueiro
Grande, empresa de gestão e administração de propriedade imobiliária, e sócio
da More Blue Empreendimentos Imobiliários, doou R$ 2,15 milhões.
Barata
Filho distribuiu R$ 2,15 milhões entre 15 beneficiários de diferentes correntes
ideológicas.
Entre
eles, Renato Ogawa (PP), reeleito prefeito de Barcarena (PA) e que recebeu R$
250 mil do empresário; Igor Normando (MDB), que foi ao segundo turno em Belém e
recebeu R$ 200 mil; Andrei Silva (MDB), que também recebeu R$ 200 mil e eleito
prefeito de Juazeiro (BA); e R$ 100 mil a Luna Zaratinni, eleita vereadora
mais votada do PT em São Paulo.
A
Setin disse BBC News Brasil que não se pronunciaria sobre as doações. A
assessoria da empresa, que também responde pelo empresário, afirmou que não vai
comentar o assunto. Barata também Filho foi procurado pela reportagem, mas não
respondeu até a publicação desta reportagem.
Influência
na política das cidades
O
carioca Rogério Chor, fundador da empresa TGB Imóveis, que atua no mercado
imobiliário com compra, venda, aluguel e administração de imóveis, distribuiu
R$ 590 mil nestas eleições em doações diversas, entre elas, para a direção
estadual do PSD no Rio de Janeiro e o candidato Marcelo Queiroz (PP), que não
foi eleito. Além disso, ele patrocinou outras 13 candidaturas à Câmara
Municipal do Rio.
À
BBC News Brasil, ele explicou que participa das eleições municipais porque a
ligação da construção civil é muito forte com os municípios.
Ele
cita como exemplo a aprovação do plano diretor, lei que regulamenta o
desenvolvimento urbano da cidade, e o projeto Reviver Centro, plano de
recuperação urbanística da região central do Rio, ambos aprovados na Câmara do
Rio no último ano.
Os
projetos estabelecem regras para o uso e ocupação do solo, regras de
zoneamento, e incentivos para construção de moradias na região central.
“É
muito importante que a gente tenha representantes lá que pensem como crescer o
Rio de Janeiro e o mercado imobiliário", afirma Chor.
"Se
você tem lá vereadores que entendem o assunto, que querem incentivar o Rio, que
querem desenvolver e incentivar a construção, o negócio anda."
O
empresário diz que o objetivo das doações "é eleger uma Câmara de
vereadores de boa qualidade".
"Ajudamos
quem tem conhecimento, boa intenção e boa qualidade para aprovar os projetos
que sejam bons para a cidade”, diz.
“Muitos
perguntam: o que vocês ganham com isso? A gente não tem vantagens, quando você
melhora alguma coisa [para o setor], quem ganha é o dono do terreno, não a
construção civil. A gente não ganha nada.”
Nadia
Somekh, professora emérita da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Mackenzie e ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo
do Brasil, diz que as doações são uma maneira de exercer influência e que o
peso do setor imobiliário na política municipal é histórico.
“Principalmente
a partir do Plano Diretor de 1991, tivemos um diálogo muito importante com o
setor imobiliário, que sempre interferiu na legislação”, diz a pesquisadora.
“A
doação abre um diálogo com os representantes municipais. Eles compõem comissões
de política urbana, e isso, de certa forma, é legítimo. Mas a legislação tem
cada vez mais se voltado para o interesse do setor imobiliário, e não para o
interesse público”, critica.
Em
suas pesquisas, Somekh cunhou o termo "urbanismo corporativo" para
descrever este fenômeno, principalmente em São Paulo.
“O
urbanismo tem se concentrado em construir coisas novas para gerar lucro ao
setor imobiliário. Isso é legítimo, mas o que poderia ser feito para
contrabalançar isso são as audiências públicas, que hoje são simbólicas.”
Top
3 é dominado pelo agro
Embora
o mercado imobiliário seja o setor mais presente, os três principais doadores
de campanhas deste ano são empresários que cresceram no agronegócio.
Rubens
Ometto, o maior doador deste ano, lidera o ranking pela quarta eleição
consecutiva.
Neste
ano, o empresário de 74 anos dividiu o valor entre 199 beneficiários —
candidatos a prefeitos, vereadores em diversos municípios da região Sul a
Nordeste do país, além de diretórios municipais, estaduais e nacionais de
diferentes partidos, especialmente do centrão, como PSD e MDB.
O
valor mais alto doado pelo empresário da Cosan foi enviado a Fuad Noman (PSD),
candidato à reeleição em Belo Horizonte, para quem Ometto doou R$ 2 milhões.
Crítico
do governo de Lula Inácio Lula da Silva (PT), Ometto afirmou que o Palácio do
Planalto adota uma estratégia que “desrespeita” o espírito das leis aprovadas
pelo Congresso.
“Do
jeito que está, com o governo querendo meter a mão, querendo taxar tudo, não
dá”, declarou no Fórum Anual do Grupo Esfera, em junho deste ano.
Depois
de Ometto, a lista é seguida por José Ricardo Rezek, de 72 anos, sócio do Grupo
RZK, formado na década de 1980 e com atividades da agropecuária à energia. O
grupo tem um braço no mercado imobiliário com a RZK Empreendimentos.
As
doações de Rezek somam R$ 4,9 milhões. Entre os 50 beneficiários de seus
repasses, estão o diretório nacional do MDB, a direção estadual do PSD em São
Paulo e o diretório municipal do PT em Araraquara.
A
assessoria do empresário afirmou que todas as doações políticas realizadas por
ele foram efetuadas "em conformidade com a legislação vigente, de forma
transparente e devidamente declarada".
Já
Odílio Balbinotti Filho, o terceiro da lista, doou R$ 3,8 milhões que ele
distribuiu em candidaturas no Mato Grosso, principalmente em Rondonópolis.
O
empresário é filho do ex-deputado federal Odílio Balbinotti. Filho preside o
Grupo Atto, que engloba diversas empresas da família que atuam no agronegócio,
inclusive a Atto Agrícola, responsável pela maior produção de sementes de soja
do Brasil.
Procurado
pela BBC News Brasil, Balbinotti disse que não se pronunciaria sobre as
doações.
Do
CNPJ para o CPF
No
Brasil, o financiamento empresarial de campanhas foi proibido em 2015, após o
Supremo Tribunal Federal considerar a prática inconstitucional.
Naquele
momento, o país ainda se recuperava do impacto do escândalo do mensalão,
relembra Denise Goulart, especialista em direito eleitoral e membro do Núcleo
de Inteligência da Justiça Eleitoral.
Ela
destaca que, na época, foram identificadas interferências empresariais
ilícitas, como esquemas de caixa dois em campanhas eleitorais, o que reforçou a
decisão de proibir essas doações.
“Mas
somos um país de memória muito curta. Passamos justamente a disciplinar a
possibilidade de financiamento empresarial para partidos políticos e campanhas
eleitorais depois do escândalo de PC Farias”, diz a especialista, em referência
ao escândalo de 1992 que levou ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
Com
o fim do financiamento empresarial na década passada, as doações privadas
voltaram a ser restritas.
As
empresas foram proibidas de doar para campanhas eleitorais e partidos
políticos, enquanto as doações de pessoas físicas passaram a ter um teto de 10%
dos rendimentos do ano anterior.
No
entanto, Goulart afirma que as empresas continuam a patrocinar candidatos por
meio de seus sócios.
“É
uma ilusão achar que as empresas deixariam de financiar imediatamente a
política nacional”, diz.
Ela
argumenta que o financiamento empresarial ainda acontece de maneira indireta,
embora na legalidade, já que a pessoa física do dono não se confunde
juridicamente com a empresa.
Casos
de financiamento ilegal, como o uso de um esquema ilegal de contabilidade
paralela, mais conhecido como caixa dois, ou doações indiretas feitas por
funcionários de uma empresa, ainda são uma preocupação.
Goulart
ressalta que é preciso verificar se os recursos realmente vêm das pessoas
físicas ou, na verdade, da própria empresa.
“Quando
muitos funcionários de uma empresa fazem doações para o mesmo candidato, isso
deveria, no mínimo, levantar suspeitas”, observa.
Ela
também alerta que o fim do financiamento empresarial dificultou a
rastreabilidade das doações, ou seja, criou obstáculos para identificar se uma
empresa específica está financiando uma campanha, na prática, ou não.
Para
Goulart, a falta de transparência nesse processo pode criar um cenário no qual
o financiamento empresarial ainda existe, mas de forma mais opaca.
Legalização
do lobby
Marina
Atoji, diretora de projetos da Transparência Brasil, afirma não ser possível
afirmar com total certeza que as doações empresariais foram integralmente
assumidas por empresários.
Segundo
ela, a proibição do financiamento privado surgiu com a intenção de reduzir o
caixa dois. “Mas isso foi uma noção no mínimo muito inocente”, afirma, já que a
prática continua existindo, diz a especialista.
Atoji
destaca que o fim do financiamento empresarial diminuiu os conflitos de
interesse e a cooptação de candidaturas por empresários e empresas.
Mas
isso não eliminou esses problemas completamente, diz Atoji, e trouxe novos
desafios, como o aumento da demanda “insaciável” por recursos públicos para
campanhas para compensar supostas perdas com as restrições impostas.
Ela
também aponta ser um problema a falta de transparência no uso do fundo
partidário, abastecido com dinheiro público, especialmente na distribuição
feita pelos partidos internamente.
Segundo
Atoji, o fim do financiamento empresarial gerou uma diluição da conexão entre
candidatos e setores específicos da economia, mas ainda resta a dúvida se o
problema foi resolvido ou apenas mitigado.
O
procurador de Justiça de São Paulo, Roberto Livianu, presidente do Instituto
Não Aceito Corrupção, concorda que as doações empresariais continuam, mas de
forma “disfarçada”.
Ele
argumenta que a proibição de doações via CNPJ, enquanto se permite o uso de
CPF, cria a impressão de bloqueio, mas, na prática, as doações podem ser
pulverizadas entre várias pessoas.
Para
Livianu, uma solução seria a regulamentação do lobby no Brasil, o que traria
mais transparência nas relações entre empresas e políticos.
“A
solução passa por um sistema de financiamento mais equilibrado, com regras
claras e fiscalização efetiva”, afirma o procurador.
Atoji
também apoia a regulamentação do lobby, mas ressalta ser fundamental uma
implementação clara destas regras como, por exemplo, classificar quem pode
representar interesses e quais os limites.
Ela
menciona que o decreto que regulamenta a Lei de Conflito de Interesses exige a
publicação da agenda de autoridades, mas a implementação ainda é falha, o que
prejudica a transparência.
Para
Atoji, a regulamentação do lobby traria mais clareza e igualdade nas relações
com o poder público.
“Se
um grande doador de campanha se encontrou várias vezes com um político antes da
aprovação de algo que o beneficia diretamente, isso precisa ser rastreável. A
doação em si nem seria o problema, mas é importante conseguir mapear o que
acontece depois.”
(Fonte: BBC)
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