Esta
é a avaliação de um artigo inédito publicado na prestigiada revista
científica norte-americana Science, na última semana, por
pesquisadores indígenas amazônicos dos povos Tuyuka, Tukano, Bará, Baniwa e
Sateré-Mawé, em parceria com não indígenas vinculados a projeto do Brazil LAB,
da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos (EUA).
Os
cientistas participantes também têm vínculo com instituições brasileiras como
as universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e do Amazonas (Ufam).
Em
entrevista exclusiva à jornalista Adrielen Alves, da EBC, uma das autoras do
artigo, a pesquisadora Carolina Levis, da UFSC, e o cientista indígena Justino
Sarmento Rezende, da Ufam, o primeiro investigador indígena a publicar na Science,
tratam da importância de se fomentar uma ciência mais holística, que entenda a
conexão indissociável entre cultura e natureza e que, portanto, reconheça a
contribuição dos povos originários para a reabilitação dos ecossistemas.
A
produção faz parte da série de entrevistas para o podcast S.O.S! Terra
Chamando, uma co-produção da Rádio MEC e da Casa de Oswaldo Cruz, com
estreia prevista para o início de 2025.
"Acreditamos
que esse diálogo é fundamental, não existe uma só saída. A gente precisa de
múltiplas ciências, porque o problema é muito complexo e muito sério, que a
gente está vivendo, de emergência climática, da crise da biodiversidade",
aponta Carolina Levis, que destaca ser muito recente ainda o movimento da
ciência ocidental de abrir para formas de conhecimento da ciência indígena.
"Eu
acho que, finalmente, a sociedade está começando a se abrir para a importância
que tem poder divulgar e produzir a ciência indígena, em um patamar, digamos
assim, de uma revista de alto impacto. Nunca é tarde para isso, mas a intenção,
com esse artigo, é abrir as portas para que venham muitos outros."
Ciência
ancestral indígena
O
trabalho publicado na Science sintetiza conhecimentos dos
indígenas do Alto Rio Negro, uma das regiões de maior diversidade étnica do
planeta, localizada no Noroeste do Amazonas. Para esses povos, o mundo pode ser
organizado em três domínios: terrestre, aéreo e aquático.
Esses
domínios são ocupados não só pelos humanos, mas por outros seres, como animais,
plantas, montanhas e rios, e pelos chamados outros humanos – ou encantados –
que já habitavam o mundo antes dos humanos e que são consultados através dos
especialistas indígenas, comumente chamados de pajés e xamãs.
Para
que os humanos possam acessar elementos da natureza, é fundamental solicitar
permissão e negociar com os outros seres presentes nesses domínios, respeitando
as práticas e rituais que mantêm o funcionamento dessa rede cosmopolítica.
"É
preciso a superação dessa compreensão ciência-natureza, cultura-natureza.
Enquanto os seres humanos entenderem que os outros seres são matéria, que não
pensam como nós, humanos, isso [o desequilíbrio ambiental] vai continuar
existindo. Os indígenas têm outra visão", aponta Justino Sarmento.
"Por
exemplo, a ciência biológica começou a falar de ecologia mais recentemente, mas
os povos indígenas já tinham essa compreensão de como funciona a ecologia há
milênios", acrescenta. A presença indígena na Amazônia data de pelo menos
12 mil anos.
"Emergindo
de milênios de envolvimento concreto com o mundo e de uma longa história de
experimentação, os conhecimentos indígenas não são dogmáticos e devem ser
levados a sério na tentativa de avançar em direção a um futuro sustentável. Os
povos indígenas têm observado e analisado a dinâmica dos ecossistemas. Esses
conhecimentos ecológicos emergem de suas relações e observações de outros
participantes do ecossistema", diz um trecho do artigo na Science.
Uma
dessas contribuições, mencionadas no texto, se refere à não separação entre os
contextos sociais e naturais. "O enquadramento da teoria indígena também
captura variáveis ??e relações ecológicas sutis, muitas vezes negligenciadas
pela ciência ocidental tradicional, mas apoiadas por teorias socioecológicas
contemporâneas em diálogo com as ciências indígenas, que também mostram que
tratar os humanos como agentes excepcionais separados dos ecossistemas é menos
eficaz na compreensão do funcionamento e da dinâmica ecológica, do que
considerar os humanos como participantes dos ecossistemas", analisa o
artigo.
Conhecimento
empírico
Os
pesquisadores ainda apontam ações e práticas indígenas que podem ser somadas às
pesquisas científicas, como, por exemplo, a influência do movimento das
constelações e dos ciclos da Terra na produção de alimentos.
"Os
indígenas são especialistas em astronomia, porque tinham a compreensão desse
movimento, dessa dinâmica das constelações que influenciavam também os ciclos
de vida neste patamar terrestre, onde estamos vivendo. A floração das árvores,
o crescimento e amadurecimento das frutas, das coletas, que proporcionam festas
rituais", cita Justino Sarmento.
Para
Carolina Levis, uma das principais conclusões para a eficiência da conservação
do bioma é a inclusão respeitosa de líderes e especialistas indígenas em
processos de investigação e tomada de decisão.
"Essa
abertura passa pelo respeito à forma como esse conhecimento é produzido. A
gente fala que os especialistas indígenas, de alguma forma, são fundamentais,
porque são eles que, há muito tempo, têm manejado essa grande dimensão do
cuidado com a Terra". (JB/Ag. Brasil)
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