Serão
tantas assinaturas que o cerimonial cogitou até mesmo preparar uma mesa para
Trump no próprio Capitólio, onde acontecerá a posse — embora o mais provável
seja que o republicano acabe indo despachar diretamente do Salão Oval
(escritório do presidente dos EUA) mesmo.
Entre
essas medidas, algumas já foram anunciadas ainda durante a campanha, como o
perdão a ao menos parte dos condenados pela invasão ao
Capitólio em 6 de janeiro de
2021.
É
provável também que Trump reedite atos de sua primeira posse, como a retirada
dos EUA do acordo
climático de Paris.
Parte
das medidas chegou até a ser anunciada já pelo presidente eleito, embora
ninguém possa garantir que serão realmente implementadas, como as tarifas de
25% sobre produtos importados do México e do Canadá.
E há
medidas que, negativa ou positivamente, terão impacto sobre o Brasil. Se e
quando tais medidas podem ser assinadas é imprevisível até mesmo para
auxiliares do próprio Trump, mas, a seguir, a BBC News Brasil lista algumas das
ideias que foram ventiladas pelo entorno do presidente .
Estas
medidas incluem: tarifas e seus efeitos sobre o dólar e sobre a economia do
Brasil, deportações de imigrantes, pressões políticas sobre o Supremo Tribunal
Federal, mudanças na política ambiental global com impacto para o
protagonismo brasileiro e a Amazônia e
possíveis impactos para a política doméstica.
A
BBC News Brasil perguntou à equipe de Trump a respeito de medidas específicas
em relação ao Brasil, mas não obteve resposta.
Tarifas
e e seu impacto no dólar no Brasil
Novas
taxas sobre produtos estrangeiros são um dos instrumentos mais importantes na
política econômica proposta por Donald Trump. Como o próprio republicano
afirmou, tarifa é "a palavra mais bonita do dicionário" para ele.
Ainda
não está claro em qual extensão ele de fato aplicará novas tarifas. Tampouco se
sabe quanto elas vão mirar o Brasil diretamente (leia mais abaixo).
Mas
o que já é certo é que o simples anúncio do plano de novas taxas com a volta de
Trump para a Casa Branca já vem trazendo consequências para a economia mundial,
com forte efeito sobre países emergentes como o Brasil.
A
principal delas é a enorme volatilidade do câmbio no mundo todo.
O
dólar já vinha se valorizando globalmente em 2024, mas o movimento ganhou novo
impulso após a vitória do republicano.
O
panorama levou o real a ser a moeda que
mais perdeu frente ao dólar globalmente no ano passado.
Esse
efeito de fortalecimento da moeda americana deve continuar agora e afetar o
real?
A
maior parte dos analistas aposta que sim. Segundo a agência Reuters, a leitura
é a de que enquanto a incerteza sobre as tarifas persistir, os investidores
terão dificuldade em abandonar suas apostas otimistas no dólar.
Isso
acontece por conta de efeitos que se sobrepoem: se Trump fala em impulsionar a
economia interna e taxar importações, os analistas leem as medidas como
potencialmente inflacionárias nos EUA porque os produtos internos tenderiam a
ficar mais caros.
Uma
maior inflação lá pressionaria os juros americanos, atraindo mais capital do
mundo e reduzindo o fluxo de dólar no Brasil, fortalecendo-o frente ao real.
Além
disso, mercados nervosos com instabilidade trazida por Trump tendem a recorrer
ao dólar como moeda de reserva, mais uma vez desvalorizando moedas emergentes,
como o real, o que provoca também pressão inflacionária doméstica e pode
empurrar o aumento da taxa de juros brasileiras.
Todo
esse movimento, na análise majoritária dos analistas, tende a resultar em uma
menor taxa de crescimento da economia global.
É
por tudo isso que o Eurasia Group, uma das maiores consultorias de risco
político do mundo, afirmou em dezembro a seus clientes que o governo Trump por
si só é um dos dois fatores mais importantes para definir como será a segunda
metade do governo Lula — o outro é a
política de gastos públicos federais.
"Um
cenário global melhor do que o esperado certamente ajudaria [o Brasil]. Se
Trump não cumprir suas promessas sobre comércio e imigração, e o Federal
Reserve [banco central americano] tiver mais espaço para reduzir as taxas de
juros, as tensões sobre a política monetária no Brasil diminuiriam",
escreveu a Eurasia.
Em
relação a tarifas propriamente ditas, diplomatas brasileiros acreditavam, logo
que o republicano se elegeu, que o Brasil não seria alvo preferencial das novas
taxas trumpistas.
O
motivo é que o Brasil não tem acordo de livre comércio firmado com os EUA. Além
disso, a balança comercial com os americanos é deficitária para o Brasil, ou
seja, os americanos vendem mais do que compram dos brasileiros — e por isso, em
tese, teriam mais a perder em caso de cobrança de tarifas.
Mas,
o país é integrante dos Brics,
originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia e China — um bloco a quem os
americanos veem cada vez mais como antagonistas no jogo geopolítico global.
Em
dezembro, Trump chegou a anunciar textualmente que pretende colocar barreiras
tarifárias de 100% nos produtos dos países dos Brics.
"Exigimos
que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda dos Brics nem apoiar
qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário,
eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a
maravilhosa economia norte-americana", escreveu Trump em sua plataforma de
mídia social, a Truth Social.
"Eles
podem procurar outro 'otário'. Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o
dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve
dizer adeus aos Estados Unidos", concluiu o republicano.
Não
existe atualmente a possibilidade de que o bloco adote uma moeda única, mas, de
fato, as nações têm criado instrumentos para trocas comerciais entre si em
divisa chinesa, e o Banco dos Brics tem dado empréstimos com moedas
alternativas ao dólar.
Mais
tarde, em uma coletiva de imprensa, Trump voltou à carga em relação a Índia e
Brasil.
"Nós
vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra 'recíproco' é
importante, porque se alguém nos cobra... Se a Índia nos cobrar 100% e nós não
cobrarmos nada pela mesma coisa... Eles mandam uma bicicleta para nós, nós
mandamos uma bicicleta para eles, eles nos cobram 100, 200. A Índia cobra
muito. O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos
cobrar a mesma coisa", disse o republicano.
À
BBC News Brasil, o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB), José Augusto de Castro, disse que esta "declaração gera
preocupação", mas também se mostrou cético de que uma taxa tão alta
realmente se confirme.
No
primeiro mandato, Trump chegou a impor taxas sobre alguns produtos brasileiros,
como chapas de aço e alumínio — o que prejudicou também parte da indústria
americana que tinha no produto matéria-prima. Nenhuma delas, no entanto, passou
de 25%.
Mas
nenhum outro país foi alvo tão preferencial de sua taxação do que a China, a quem
Trump promete reinstaurar uma tarifa global de 10%.
Em
sua primeira gestão, a estratégia trouxe consequências amargas para setores da
economia americana — e lucros para o Brasil.
A
China retaliou os americanos impondo taxação sobre produtos importados dos EUA
como soja e carne de porco. Com isso, o agronegócio
brasileiro passou a disputar e conquistar parte
deste enorme mercado consumidor.
Em
2016, Brasil e EUA dividiam de forma quase equânime o mercado consumidor da
soja chinês, com 46% e 40% das vendas, respectivamente. Durante a guerra
comercial Trump-Xi Jinping, a fatia brasileira foi a 80%, enquanto que a
americana caiu para menos de 20%. Esses patamares se mantêm até hoje.
Em
proteína suína, o Brasil triplicou sua venda de 2017 para 2018, no início da
guerra comercial. E em milho, o Brasil tomou a liderança dos americanos como o
maior fornecedor dos chineses.
Deportações:
230 mil brasileiros na mira
Trump se elegeu prometendo levar a cabo as maiores deportações da história recente dos EUA. O assunto foi um dos principais motes de sua campanha.
Embora
seus aliados tenham recentemente discordado publicamente sobre restringir ou
expandir a migração legal de trabalhadores altamente qualificados, não resta
dúvidas de que, ao contrário do que fez com o muro na fronteira
com o México, deportações massivas são uma promessa que ele pretende e pode
ter condições de cumprir.
Para
dar conta da tarefa, Trump escalou como vice chefe de gabinete Stephen Miller,
que tem o tema como prioridade. E no posto de "czar da
fronteira", ele colocou Tom Homan, um dos criadores da política de
separação de pais e filhos imigrantes indocumentados que causou
comoção global pelo grau de sofrimento humano.
A
meta seria expulsar ao menos um milhão de imigrantes indocumentados por ano.
Homan agora fala em deportar famílias inteiras juntas. E, após eleito, Trump
afirmou que assinaria logo que assumisse um decreto de estado de emergência que
permita o uso da Guarda Nacional na captura dos indocumentados.
De
acordo com o Instituto Pew Research, em 2022, a população de imigrantes
indocumentados nos EUA girava em torno de 11 milhões de pessoas — mas o número
atual pode ser maior.
Destes, 230 mil eram brasileiros,
todos eles potencialmente alvos de uma medida de deportação em massa
por Trump.
Em
conversas com a BBC News Brasil, fontes ligadas ao novo governo afirmaram que
os brasileiros estão longe de ser alvos preferenciais de expulsão. E repetiram
algo que tem sido dito publicamente também por Trump: que as expulsões chegarão
primeiro para imigrantes indocumentados com histórico criminal ou com ordem de
deportação final.
Por
meio da lei de acesso à informação dos Estados Unidos, a rede de comunicação
Fox News obteve informações de que o serviço de Imigração e Fiscalização
alfandegária do país (ICE, na sigla em inglês) hoje contabiliza quase 1,5
milhão de pessoas com ordens de deportação ativas.
Dessas,
38.677 são brasileiros. Se, em seu primeiro ano de mandato, Trump enviar apenas
esses quase 40 mil brasileiros de volta, ele terá expulsado o equivalente a
quatro vezes o número de cidadãos do Brasil deportados por Biden em quatro anos
de mandato.
Mas,
claro, há alguns países na América Latina com
mais pessoas com ordem de deportação, como México, Guatemala e Honduras, acima
dos 250 mil cada. Já os salvadorenhos são mais de 200 mil.
Nesta
sexta-feira (17/1), um grupo de 10 países da América Latina e o Caribe que
inclui o Brasil divulgou comunicado no qual expressaram "grave
preocupação" pela possível deportação em massa de imigrantes e a defesa de
seus direitos, ainda que nem tenham citado Trump diretamente. O texto foi
costurado em uma reunião convocada pelo México para debater o tema migratório.
Seriam
movimentações profundas na população das Américas, com potencial de causar
impactos imprevisíveis para toda a região.
Para
se ter uma ideia, por exemplo, cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) de
El Salvador e Honduras vem das remessas de dinheiro que imigrantes nos EUA
enviam de volta.
Sem
essa fonte de recursos, os dois países entrariam em crise. No caso do Brasil,
globalmente, as remessas não chegam a ser tão relevantes.
"Mas
pode haver um impacto econômico importante na região de Governador Valadares
[município em Minas Gerais] e entorno, que historicamente envia muitos
migrantes aos EUA", afirma Guilherme Casarões, professor de relações
internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
E há
ainda o fato de que parte dos imigrantes não tem exatamente para onde voltar.
É o
caso de ao menos parte dos haitianos e dos venezuelanos, por exemplo.
Nos
últimos anos, o governo americano chegou a pedir ao governo brasileiro que
aceitasse receber aviões de haitianos expulsos dos EUA — o que não chegou a
acontecer.
Analistas
acreditam que esse tipo de pressão retornará, inclusive com a possibilidade de
uso de tarifas para forçar a negociação.
"Claramente
haverá muita pressão para encontrar países que recebam grandes levas de pessoas
à medida que esta agenda avance. Mas não quero ir muito longe no mundo das
previsões", disse à BBC News Brasil Lauri Tähtinen, especialista em
América Latina do Center for Strategic and International Studies.
Tähtinen
argumenta que a grande maioria dos migrantes indocumentados têm empregos em
setores nevrálgicos da economia americana, como construção civil e serviços, e
que a perda dessa mão de obra teria efeitos negativos para os Estados Unidos.
Big
techs, pressão sobre o STF e a esperança bolsonarista de cassação de visto de
Moraes
Outra
área de possível impacto do novo governo Trump no mundo todo e no Brasil é a
questão da regulação das redes sociais.
A
volta do republicano ao poder, dessa vez em aliança explícita com os
bilionários Elon
Musk, dono da rede social X, e Mark Zuckerberg,
CEO da Meta (que controla Facebook, Instagram e Whatsapp), deve impulsionar uma
desregulamentação do setor, na contramão do que defendem tanto o governo Lula
como a maioria do juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro.
Nesse
contexto, é possível esperar um aumento de pressão sobre o Supremo em relação
às decisões tomadas inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes —
e depois confirmadas em colegiado — para coibir notícias falsas em redes
sociais.
Em
2023, tais decisões levaram a uma queda de braço entre o bilionário Musk, o maior
financiador individual da candidatura Trump e um de seus mais importantes
conselheiros políticos, e o STF.
A
tensão culminou na suspensão do
X (antigo Twitter) no país por algumas semanas.
Mais
tarde, Musk voltou atrás e cumpriu as decisões
judiciais, mas não sem criticar dura e publicamente o que vê como violação
da liberdade de expressão no Brasil.
Tal
discurso, aliás, passou a ser reproduzido
por Zuckerberg. Sem citar o Supremo, Musk criticou recentemente
"decisões secretas de tribunais da América Latina". O empresário faz
uma pública aproximação em relação ao trumpismo.
"Em
setembro de 2024, havia uma disputa muito específica, quase pessoal,
entre Elon
Musk e Alexandre de Moraes. Hoje, com a debandada das big techs em
direção ao governo Trump, essa pressão não vai ser mais individual, de uma
figura que se sentiu prejudicada por políticas tomadas por uma autoridade do
Brasil. Vai ser um movimento quase que de setor contra o Brasil, a Suprema
Corte", diz Guilherme Casarões, da FGV.
Os
argumentos de Musk e de expoentes do bolsonarismo ganharam tração junto à base
parlamentar republicana.
Em
setembro passado, o então senador Marco Rubio, indicado para ser o secretário
de Estado de Trump, assinou, junto a colegas, uma carta ao Departamento de
Estado na qual dizia: "Estamos profundamente preocupados com o fato de
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal brasileiro, estar abusando do
seu poder e envolvendo-se numa campanha cada vez mais arbitrária para coagir
uma empresa americana de redes sociais a sufocar a oposição política interna e
a minar os direitos de liberdade de expressão do povo brasileiro".
A
carta surgia em um contexto no qual políticos brasileiros, como o deputado
federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), tentavam emplacar uma campanha para que os
vistos americanos do ministro Moraes e de outros integrantes da corte fossem
cassados.
Essa
medida não foi levada à frente pela gestão Biden, mas estaria em análise no
círculo trumpista, segundo apurou a BBC News Brasil.
Em
uma manifestação à Suprema Corte do país acerca da rede social chinesa TikTok,
ameaçada de ser banida dos EUA em
um movimento iniciado pelo grupo político de Trump e do qual ele agora tenta se
distanciar, os advogados do republicano utilizaram o caso do bloqueio do X no
Brasil como exemplo negativo dos riscos à liberdade de expressão, mesmo em
ambientes democráticos.
"Existem
preocupações válidas de que a lei [que prevê banimento do Tiktok nos EUA] possa
estabelecer um precedente global perigoso ao exercer o poder extraordinário de
encerrar toda uma plataforma de redes sociais com base, em grande parte, em
preocupações sobre discurso crítico nessa plataforma", escreveram os
advogados na manifestação.
"Talvez
não por coincidência, logo após a aprovação da lei, outra grande democracia
ocidental – o Brasil – fechou totalmente outra plataforma de mídia social, X,
por mais de um mês, aparentemente com base no desejo daquele governo de
suprimir o discurso político oposicionista", segue o texto.
Anteriormente,
trumpistas como Marco Rubio viam o TikTok, e seu possível controle por Pequim,
como uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Agora, Trump sinalizou
que deve assinar
uma medida para salvar a
rede utilizada por 170 milhões de americanos.
Na
posse nesta segunda, a expectativa é que Trump esteja ladeado por Musk,
Zuckerberg e Shou Zi Chew, CEO do TikTok.
"É
muito difícil dizer que tipos de políticas de vistos ou ordens executivas
relacionadas a essas questões verão a luz do dia neste caso do Supremo. Mas é
fato que a política brasileira em geral está contribuindo para a discussão, em
diferentes partes do chamado mundo livre, sobre qual é o futuro de grandes
plataformas tecnológicas na democracia", diz Tähtinen, do Center for
Strategic and International Studies.
Diplomatas
brasileiros, cientes da possibilidade de que a pressão sobre o Judiciário
brasileiro se expresse por meio do banimento de vistos, dizem que este cenário
poderia abrir uma crise institucional sem precedentes em 200 anos de história
de relações entre Brasil e EUA, mas que é cedo para saber o que esperar do
segundo governo Trump.
Amazônia,
meio ambiente e energias renováveis
É extremamente provável que Trump inaugure seu segundo mandato reeditando a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, que prevê que países ricos diminuam suas emissões de gases do efeito estufa e financiem os países mais pobres no esforço pra mitigar e se adaptar aos efeitos do aquecimento global.
Trump
é historicamente negacionista do aquecimento global e não demonstra disposição
de sentar à mesa para negociar opções para conter a temperatura do planeta.
Com
o mote de campanha "drill, baby,drill" (algo como "perfure,
baby, perfure", em relação a poços de petróleo), não existe motivo para
esperar que o presidente americano compareça ou se
engaje na COP30, que acontecerá em Belém, em novembro, com o Brasil como
anfitrião.
Além
disso, Trump deve ignorar o compromisso firmado por seu antecessor, Joe Biden,
de remeter meio bilhão de dólares ao Fundo Amazônia. O democrata, que se tornou
o primeiro presidente americano no cargo a visitar a floresta no fim do ano
passado, só
cumpriu ⅕ da própria promessa.
Segundo
Casarões, a Amazônia ainda não entrou no mapa mental de Trump — preocupado com
regiões sensíveis para o comércio internacional, como o Canal do
Panamá, ou pontos estratégicos do ponto de vista de posição e riquezas
minerais, como a Groenlândia.
Mas
o especialista vê espaço para que Trump adote posturas pragmáticas em relação
a energias
renováveis e na exploração de minerais importantes para indústrias
como as dos carros elétricos e de turbinas eólicas — entre o quais lítio e
terras-raras, os quais o Brasil possui.
Tähtinen
concorda: "Os EUA passaram por uma revolução de energia renovável nos
últimos anos, especialmente em alguns Estados vermelhos [republicanos], como o
Texas. Então há uma série de conversas frutíferas que o governo Lula pode ter
com a administração Trump, porque os dois países estão investindo tremendamente
em energia eólica e solar".
Já
existem acordos de cooperação na área mineral e de energias renováveis entre os
dois países.
Tähtinen
relembra ainda que os dois mandatários concordam que seguir explorando petróleo
é importante para suas economias.
Já
Casarões menciona que mesmo governos antagônicos sentam-se à mesa quando o
assunto é produção energética.
Foi
exatamente o que aconteceu com Lula e o
argentino Javier
Milei que, em novembro, fecharam um acordo para importação de gás
natural pelo Brasil dos campos de Vaca Muerta, em território argentino.
Apoio
à democracia e efeito na política interna
O
último governo Biden teve atuação importante para dissuadir escaladas
autoritárias na América Latina, em países como Guatemala e Venezuela.
Mas
em nenhum deles a atuação da Casa Branca pode ter sido tão importante quanto no
Brasil.
Autoridades
americanas de agências como a CIA, do Conselho de Segurança Nacional, do
Departamento de Estado e das Forças Armadas se engajaram ativamente junto aos
militares brasileiros e a integrantes do governo Bolsonaro para advertir que
não concordariam com uma eventual aventura golpista e que não viam com bons
olhos as repetidas acusações — sem provas — de Bolsonaro de que
o sistema eleitoral brasileiro era fraudado.
O
autor de Como as democracias morrem, o cientista político da
Universidade Harvard Steven Levitsky,
disse à BBC News Brasil que esse tipo de atuação deve acabar sob Trump.
Nenhum
programa de impulsionamento de democracias na região ou de proteção contra
notícias falsas criado sob Biden deverá ser mantido.
"A
primeira coisa é que Trump não está nem aí para a democracia e, por vezes,
admira autocratas. Então, o tipo de promoção da democracia que os Estados
Unidos fizeram no passado, nem sempre de forma muito consistente, nem sempre de
forma muito eficaz, isso vai abrandar, se não parar", afirma Levitsky.
O
pensador diz isso a partir do que o mundo testemunhou na primeira gestão Trump,
entre 2017 e 2021.
"O
[primeiro] governo Trump não fez nada para retardar a consolidação de uma
ditadura na Nicarágua ou o estabelecimento de uma autocracia sob Bukele em El
Salvador, tudo isso, e também um movimento em uma direção autoritária na
Guatemala", diz o pesquisador de Harvard.
"A
América Central se tornou muito mais autoritária sob Trump porque o governo
Trump não levantou um dedo para apoiar a democracia. O tipo de comportamento
que o governo Biden teve durante a crise no Brasil, ajudando a persuadir os
militares brasileiros a ficarem de fora de qualquer tipo de tentativa golpista,
isso não acontecerá sob Trump", avalia.
Segundo
Levitsky, não apenas a inação de Trump e dos EUA devem ter efeitos na região,
mas o próprio exemplo do republicano pode encorajar líderes latino-americanos a
adotarem comportamentos mais autoritários.
O
cientista político diz que isso já aconteceu ao longo do primeiro mandato de
Trump. E cita o ex-presidente Jair Bolsonaro como
exemplo.
Os
dois líderes seguem próximos, embora Bolsonaro não esteja mais no poder, não possa concorrer
à eleição até 2030 e tenha sido indiciado por
tentativa de golpe pela Polícia Federal.
Bolsonaro
chegou a ser convidado para a posse de Trump, embora sua viagem tenha sido
barrada pela Justiça. Já o presidente Lula não foi convidado.
Tradicionalmente,
chefes de Estado estrangeiros não recebem convite pessoal para posse dos
presidentes americanos, com um convite geral feito às representações
diplomáticas dos países nos EUA.
Trump
quebrou esse protocolo tradicional ao convidar pessoalmente cinco chefes de
Estado ou governo à sua posse — Xi Jinping (China), Giorgia Meloni (Itália),
Javier Milei (Argentina), Nayib Bukele (El Salvador) e Viktor Orbán (Hungria).
"A
influência de Trump já está sendo construída na realidade política nacional.
Ele apoiou o Bolsonaro na eleição de 2022, chamou o Lula de um lunático de
extrema-esquerda, então a incidência do peso político de um governo
norte-americano sobre a política nacional é um dado da realidade. Ela já está
acontecendo e tende a se intensificar nos próximos anos", avalia Casarões,
para quem Trump não tenderá a criar muitos canais com o atual governo
brasileiro.
Por
outro lado, o pesquisador, estudioso da direita radical internacional, não
acredita que um governo Trump poderia financiar assaltos à democracia
brasileira.
"Eu
não acho que o Trump vai bancar uma nova tentativa de golpe no Brasil para
garantir em 2026 a chegada de Bolsonaro ao poder. Até porque, apenas pela via
do apoio e pelas urnas, esse campo tem grandes chances de vencer as próximas
eleições", diz Casarões.
(Fonte:
BBC)
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