Apesar de apresentarem habilidades cognitivas acima da média, essas crianças muitas vezes enfrentam dificuldades de adaptação em escolas que, segundo relatam pais e organizações focadas em pessoas com alto Quociente de Inteligência (QI), não estão preparadas para lidar com as necessidades específicas desses estudantes.
Às
vezes, essas dificuldades resultam até em expulsões de alunos superdotados, com
alegações de que são hiperativos, agressivos e indisciplinados.
É o
caso do filho de Luciana (nome fictício), um menino de 9 anos que tem altas
habilidades e já está em sua quarta escola — todas particulares e na capital paulista.
Provavelmente,
ele irá para uma quinta escola, pois a família não está satisfeita com a atual.
Várias
vezes, segundo a mãe, ele levou advertências e
suspensões por apresentar comportamento agitado e algumas vezes agressivo, por
exemplo falando palavrões em sala de aula.
Em
duas escolas, o menino foi convidado a se retirar e a mãe impedida de
fazer a rematrícula. Em uma dessas situações, ela questionou o posicionamento
da escola.
"Quando
eu matriculei meu filho, levei o laudo que aponta as altas habilidades dele,
porém ele nunca teve um acompanhamento especial em sala de aula. Por ficar
entediado com as atividades e até mesmo ser alvo de chacotas, tinha momentos em
que ele se desregulava emocionalmente e
ficava mais agressivo", relata.
"Eu
sentia que a escola não me ouvia e colocava meu filho como sendo um
problema."
O
menino tem QI de 130 — número bem acima dos 83, a média brasileira. O QI acima
de 130 é considerado superdotação, segundo a Associação Mensa Brasil, afiliada
brasileira da Mensa Internacional (sociedade britânica fundada em 1946 que
reúne pessoas de alto QI no mundo).
O
filho de Roberta de Castro, Filippo, tem um valor parecido: 134 de QI.
Mas
ele teve problemas de adaptação quando ingressou na primeira escola, aos 3
anos. Hoje, ele tem 7 e está em uma segunda escola, mais bem adaptado.
Segundo
a família,
aos 3, o menino já falava inglês fluentemente após aprender o idioma sozinho,
assistindo a desenhos animados; aos 5, sabia todas as operações matemáticas,
resolvendo problemas com números complexos e raiz quadrada.
Quando
Filippo entrou na primeira escola, particular, a mãe entregou à instituição um
relatório com tudo que o menino sabia fazer naquela idade.
"Mas
foi como se eu não tivesse feito nada e tivesse entregue um papel em
branco", relata Roberta, afirmando que a escola não proporcionou
atividades que estimulassem as habilidades do
filho.
A
mãe lembra de uma situação que viu pelas câmeras da escola e a deixou "bem
aflita".
"Eles
davam giz para desenhar e ele começou a ficar muito entediado. A atividade era
uma hora de giz: muitas crianças ficavam sentadas brincando, já o Filippo
escrevia o alfabeto e
saia correndo para brincar no parquinho. Daí eles iam lá buscar ele, e ele
começava a chorar. Ele queria sair da sala de aula", recorda a mãe.
Roberta
então passou a buscar outras opções de escolas e encontrou uma, particular, que
adota a metodologia do aprendizado ativo — a qual não se restringe a apostilas
e livros e estimula as crianças a buscarem conhecimento de forma prática, a
partir de acontecimentos do cotidiano.
Filippo
foi matriculado nessa escola antes dos 5 anos e está lá até hoje.
"Ao
mesmo tempo que ele faz as atividades da turma em que ele está, ele também
recebe atividades à frente com foco nas facilidades que ele tem devido à
superdotação. E isso tudo é feito na mesma sala, para que ele não se sinta
excluído", comemora Roberta.
Como
lidar com crianças superdotadas na escola
De
acordo com o Censo Escolar 2023, 38.019 estudantes
brasileiros foram identificados como superdotados — 0,08% dos alunos
da educação básica.
A
pedagoga Jéssica Maranhão, especializada em educação especial, afirma que os
obstáculos na capacitação de professores para lidar com a superdotação começam
na faculdade por qual eles passam.
"Quando
a gente fala que um aluno precisa de um atendimento educacional especializado,
logo se pensa em alunos do espectro autista ou
com alguma dificuldade
de aprendizagem. De modo geral, na faculdade não se estuda sobre as
crianças com altas habilidades", pontua Maranhão.
Ainda
segundo a pedagoga, quando o assunto é superdotação, predomina-se o mito de que
o aluno vai aprender sozinho, não sendo necessário nenhum tipo de
acompanhamento — muito menos individualizado e feito por um profissional
capacitado.
"Ao
meu ver, é necessário ter um investimento plural no setor. Seja da difusão de
informação sobre o tema, da especialização dos profissionais para fazer esse
acolhimento do estudante e também dos governos e redes de ensino em ofertar
cursos sobre o tema", diz a pedagoga.
Para
Fabiano de Abreu Agrela, neurocientista e presidente ISI Society (sociedade
para pessoas com QI acima de 148 e criatividade notável), o primeiro passo para
lidar com a superdotação é justamente entender que essas crianças têm
necessidades educacionais específicas.
"Um
acolhimento eficaz, independentemente do modelo educacional, exige adaptações
individualizadas: atenção dedicada, atividades personalizadas, estímulo à
autonomia, ao desenvolvimento de liderança e à exploração de suas
potencialidades", afirma Agrela.
O
neurocientista diz que crianças com superdotação são "frequentemente mais
sensíveis, perfeccionistas e
suscetíveis à frustração".
"Educadores
devem evitar comparações ou o sentimento de intimidação; pelo contrário, devem
atuar como facilitadores que oferecem segurança, experiência e um ambiente de
confiança. O foco principal deve ser a motivação intrínseca, o estímulo à
curiosidade e o desenvolvimento integral da criança", aponta.
Desde
2013, o conceito de superdotação faz parte da Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
que regulamenta a educação brasileira.
Isso
faz com que esses alunos tenham direito ao atendimento educacional
especializado (AEE) na rede regular de ensino, que possibilita a aceleração de
séries e currículo adaptado, além de salas de recursos multifuncionais.
O
Ministério da Educação (MEC) afirmou em nota que está desenvolvendo várias
ações "em prol da educação inclusiva", como a capacitação de
professores não especializados e a formação de professores e gestores dedicados
à educação especial.
"Também
está em processo de elaboração de publicações sobre essa temática, com um
volume dedicado às altas habilidades/superdotação. Estas propostas e materiais
objetivam contribuir para a promoção de práticas educacionais inclusivas para
alunos com altas habilidades/superdotação, promovendo o pleno desenvolvimento
dos potenciais de todos os estudantes, com respeito às suas demandas
específicas", disse o MEC, em nota.
Procurada,
a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) afirmou que "em
casos em que não há atendimento satisfatório em alguma instituição de ensino,
seja ela pública ou particular, pais e responsáveis podem buscar orientação na
Diretoria de Ensino da região".
A
secretaria acrescentou que a Política de Educação Especial do Estado de São
Paulo visa oferecer um atendimento especializado e adaptado aos estudantes com
altas habilidades/superdotação na rede estadual de ensino.
A
pasta também destacou a importância da Avaliação Pedagógica Inicial (API), que
auxilia na identificação das necessidades específicas de estudantes; e do Plano
de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), que é elaborado por
professores especializados e organiza estratégias pedagógicas voltadas para o
desenvolvimento das altas habilidades nas escolas.
(Fonte:
BBC)
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