Segundo a PGR, uma organização criminosa foi criada e era liderada por Bolsonaro e pelo seu então candidato a vice-presidente, o general Walter Braga Neto.
"A
organização tinha por líderes o próprio presidente da República [Jair
Bolsonaro] e o seu candidato a vice-presidente, o General Braga Neto. Ambos
aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de
atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do
Estado de Direito democrático", escreve o procurador-geral, Paulo Gonet.
Para
a PGR, o plano golpista começou a ser articulado em 2021, com a anulação das
condenações contra Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o recolocaram
no jogo eleitoral de 2022.
A
denúncia aponta, entre outras coisas, que Bolsonaro teria conhecimento de um
plano para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e
o ministro do STF Alexandre de Moraes, tido como um dos principais adversários
políticos do núcleo bolsonarista.
A
defesa de Bolsonaro e de outros supostos integrantes da organização vêm negando
envolvimento nos crimes atribuídos pela PGR. Veja como ele e outros
denunciados estão se manifestando sobre o assunto.
A
denúncia principal sobre o caso tem 272 páginas e elenca diversos eventos e
evidências que, na avaliação da procuradoria, demonstram a participação de
Bolsonaro e dos demais na suposta trama golpista.
Confira
abaixo quatro pontos da denúncia feita pela PGR.
PGR:
Bolsonaro sabia de plano para matar Lula
De
acordo com a denúncia, Bolsonaro tinha conhecimento sobre o chamado plano "Punhal Verde
Amarelo", um conjunto de ações que seriam executadas por integrantes
da organização supostamente liderada por Bolsonaro e que previam o assassinato
de Alexandre de Mores, Lula e de Geraldo Alckmin.
"As
investigações revelaram aterradora operação de execução do golpe, em que se
admitia até mesmo a morte do Presidente da República e do Vice-Presidente da
República eleitos, bem como a de Ministro do Supremo Tribunal Federal [...] O
plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que
a ele anuiu", diz um trecho da denúncia feita pela PGR.
Segundo
a PGR, o plano "Punhal Verde e Amarelo" foi identificado pela Polícia
Federal durante as investigações.
O
plano previa a "neutralização" de figuras centrais da República como
Moraes, Lula e Alckmin. Em relação ao ex-ministro, a PF sustenta que pessoas
ligadas ao plano chegaram a executar ações de monitoramento sobre a
movimentação de Alexandre de Moraes, em Brasília.
A
denúncia aponta que a PF descobriu que o general Mário
Fernandes, à época secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência,
teria impresso cópias do plano em uma impressora localizada no Palácio do
Planalto e, em seguida, levado o material para o Palácio da Alvorada, onde
Bolsonaro ficou recolhido após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.
Fernandes
está preso e também é um dos denunciados.
A
BBC News Brasil não conseguiu localizar a defesa de Mário Fernandes.
Desde
que a denúncia foi divulgada, Bolsonaro nega que tenha planejado um golpe de
Estado.
Em
manifestação enviada à imprensa, o ex-presidente disse que "jamais
compactuou" com qualquer movimento que visasse um golpe de Estado e que a
acusação não apresenta nenhuma mensagem enviada por ele que o incrimine.
A
defesa do ex-presidente afirmou ainda que a denúncia seria "inepta" e
contraditória e baseada apenas na delação de Mauro Cid.
"[Trata-se
de] um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele
mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa
fantasiosa", diz um trecho da nota.
A
defesa do ex-presidente diz ainda que Bolsonaro "confia na Justiça e,
portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá."
O
papel da ABIN paralela
A
denúncia feita pela PGR diz que o grupo que planejava o golpe de Estado
trabalhava com uma estrutura paralela de inteligência sob o comando do deputado
federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Abin), Alexandre
Ramagem (PL-RJ).
Para
a PGR, o grupo realizava ações clandestinas de contrainteligência e tinha como
uma de suas principais funções a difusão de informações contrárias a pessoas ou
instituições vistas como adversárias políticas de Bolsonaro ou obstáculos ao
plano de golpe.
"O
núcleo atuava como central de contrainteligência da organização criminosa que,
por meio dos recursos e ferramentas de pesquisa da Abin, produzia desinformação
contra seus opositores", diz um trecho da denúncia.
Um
dos exemplos citados na denúncia teria sido detectado pela PF ao analisar dados
de um dos integrantes da chamada Abin paralela.
Os
investigadores constataram que os supostos integrantes desta estrutura
monitoraram os movimentos do ministro Alexandre de Moraes.
"Em
7.12.2022, um dia depois da conversa com Jair Messias Bolsonaro, o denunciado
realizou a compra de um dos aparelhos celulares utilizados na operação
clandestina", diz um trecho da denúncia.
Verificou-se,
ainda, a intensificação do monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes após o
encontro no Palácio do Planalto", continuou o documento.
Em
um caso diferente, a estrutura da "Abin Paralela" teria envolvido o
também ministro do STF Luís Roberto Barroso.
À
época, Barroso era visto como um adversário político de Bolsonaro.
De
acordo com a denúncia, para prejudicar a imagem de Barroso, um dos integrantes
do grupo orientou a divulgação de uma informação negativa sobre o ministro.
"Pode
jogar no grupo dos malucos se quiser", disse a mensagem.
As
investigações apontam que a informação teria sido então repassada a um
militante de direita investigado por conduzir ataques a autoridades
brasileiras.
A
PGR considerou relevante a ação da Abin paralela no contexto da tentativa de
golpe.
"As
ações ganham ainda mais relevo quando observada a consonância entre os
discursos públicos de Jair Messias Bolsonaro e os alvos escolhidos pela célula
infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência, confirmando a ação coesa da
organização criminosa", diz um trecho da denúncia.
Bolsonaro
e a minuta do golpe
A
denúncia da PGR diz que Bolsonaro teve conhecimento e editou a versão final de
um decreto golpista organizado por integrantes do seu grupo.
O
decreto, diz a denúncia, seria uma espécie de consolidação do plano golpista
supostamente desenhado pela organização.
De
acordo com a denúncia, o cenário de instabilidade criado pelo grupo tinha como
objetivo pavimentar o caminho para um decreto presidencial a ser assinado por
Bolsonaro e que previa restrições de direitos e sua permanência no poder.
"O
cenário de instabilidade social provocado pela organização criminosa tinha por
objetivo criar condições de aceitação política da assinatura por Jair Bolsonaro
de decreto que rompesse com as estruturas democráticas", diz um trecho do
documento.
Com
o decreto editado por Bolsonaro, o grupo teria passado a uma nova fase: usá-lo
para pressionar os chefes militares a apoiar o suposto plano golpista.
"Após
a primeira apresentação, Jair Bolsonaro dedicou-se a fazer ajustes no texto do
Decreto, a fim de obter maior apoio por parte das Forças Armadas. Na manhã do
dia 9.12.2022, reuniu-se com Marcelo Câmara, Filipe Garcia Martins Pereira e
Braga Netto no Palácio da Alvorada, oportunidade em que decidiu dar seguimento
ao plano golpista", diz um trecho da denúncia.
A
versão final do documento teria sido apresentada no dia 14 de dezembro de 2022
pelo então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira aos comandantes das três
Forças Armadas.
O
documento previa:
- Decretação do
Estado de defesa, dando a Bolsonaro poderes extraordinários mesmo após ter
sido derrotado nas eleições
- Criação de
uma "Comissão de Regularidade Eleitoral", um órgão que faria uma
revisão do resultado das eleições
As
investigações apontam, no entanto, que o plano teria sido rechaçado por Freire
Gomes e Baptista Júnior.
Em
junho de 2023, ao falar sobre o assunto, Bolsonaro negou ter conhecimento sobre
a minuta ou que ela tivesse conteúdo golpista.
"Não
tive conhecimento… Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta
e arma na cara, meu deus do céu. Golpe tem que depor alguém", disse o
ex-presidente da jornalistas.
Um
mês depois, Bolsonaro voltou a tentar se desvincular do tema.
"Estado
de defesa é previsto na Constituição. Não tomei conhecimento desse documento,
dessa minuta. Nas perícias, só encontraram digitais do delegado da operação e
de um agente, de mais ninguém. Papéis, eu recebia um monte. Então, é óbvio que
não tem cabimento você dar golpe com respaldo da Constituição", disse
Bolsonaro.
Pressão
sobre comando militar
A
denúncia narra como militares que faziam parte do suposto núcleo golpista
passaram a agir para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao
plano.
À
época, diz a denúncia, havia rumores sobre a hesitação de alguns dos
comandantes militares, entre eles o do Exército e da Aeronáutica.
Na
ocasião, já após a derrota de Bolsonaro nas eleições, esses militares, a
maioria integrantes ou ex-integrantes das Forças Especiais, passaram a
organizar reuniões com objetivo de elaborar um plano de pressão.
"Os
diálogos confirmam a ideia de reunir exclusivamente militares com formação em
Forças Especiais que poderiam, de algum modo, influenciar seus comandantes,
valendo-se também dos seus conhecimentos táticos especializados", diz um
trecho da denúncia.
Segundo
a PGR, os militares se encontraram no salão de festas do prédio onde morava o
coronel do Exército Márcio Nunes de Resende Júnior, que também foi denunciado.
Após
a reunião, os militares teriam elaborado a minuta de uma carta ao comando
militar com o objetivo de pressioná-lo a aderir ao plano golpista.
Em
seu depoimento à Polícia Federal, o então comandante do Exército, general
Freire Gomes, confirmou essa tese.
"Indagado
se a publicação no dia 28.11.2022 (data em que a carta foi divulgada) do
documento intitulado 'Carta ao comandante do Exército de Oficiais Superiores da
Ativa do Exército Brasileiro' foi feita para pressionar o depoente (Freire
Gomes)", diz um trecho do documento.
A
minuta da carta foi divulgada pelo jornalista Paulo Figueiredo, que também foi
denunciado como integrante da organização criminosa.
Procurado
sobre o assunto, Figueiredo enviou uma nota.
"Estou
honrado em estar ao lado de patriotas neste documento histórico que reflete a
ditadura na qual vivemos. Vamos vencer e todos os agentes públicos que se
utilizam das suas posições para perseguir opositores políticos serão
responsabilizados sem misericórdia no momento oportuno", disse Figueiredo.
Ao
final, as investigações concluíram que Freire Gomes e o então comandante da
Aeronáutica, o Brigadeiro Baptista Júnior, teriam se posicionado contra a
tentativa de golpe. Entre os três comandantes militares da época, segundo a
investigação, apenas o almirante Almir Garnier, que liderava a Marinha, teria
se colocado a favor do plano.
De
acordo com o portal UOL, o advogado de Garnier, Demóstenes Torres, disse que
ainda lerá a denúncia.
"Creio
que agora teremos acesso à delação do Cid. Em seguida exerceremos o
contraditório", disse o advogado.
(Fonte:
BBC)
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