Segundo eles, o anúncio pegou parte do governo de surpresa por conta da
dimensão com a qual as tarifas foram impostas e pelo componente político
atrelado a elas.
Na carta divulgada por Trump, o presidente americano atribui a imposição
das sanções, "em parte", ao processo judicial no qual o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é réu junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro é acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado que
culminou com os atos de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de
militantes invadiram as sedes dos três poderes, em Brasília.
O ex-presidente, no entanto, nega seu envolvimento no caso e diz ser
vítima de uma perseguição política.
"Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às
bruxas que deveria acabar imediatamente", diz um trecho da carta de Trump.
Um dos integrantes do governo Lula ouvidos pela BBC News Brasil em
caráter reservado afirmou que, como a justificativa para as tarifas é política,
e não econômica, o governo brasileiro não teria subsídios para negociar uma
flexibilização das taxas.
Segundo ele, o Brasil não vai nem teria como negociar a suspensão dos
processos contra Bolsonaro.
Este mesmo integrante afirmou que as tarifas foram interpretadas
internamente como uma tentativa do governo Trump de interferir nas eleições de
2026, pressionando o Brasil a reabilitar eleitoralmente Bolsonaro para que ele
dispute a Presidência da República no ano que vem.
O ex-presidente, porém, já está inelegível após ter sido condenado
em dois casos por crimes eleitorais julgados
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Sem "moeda de troca", o governo deverá, segundo essa fonte,
apostar em estratégias primordialmente políticas e comerciais às tarifas.
Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, na noite
desta quinta-feira (10), Lula anunciou a criação de um comitê com empresários
para avaliar a situação e buscar soluções, como a procura por novos parceiros
comerciais no mundo.
O presidente brasileiro afirmou também que planeja recorrer à
Organização Mundial do Comércio (OMC).
"A partir daí, se não houver solução, nós vamos entrar com a
reciprocidade já a partir do 1º de agosto, quando ele começa a taxar o Brasil",
disse Lula à TV Globo.
O presidente se refere à Lei da Reciprocidade, norma em vigor desde
abril que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras
comerciais a produtos brasileiros.
Veja abaixo os três caminhos possíveis estudados pelo governo.
1 - Diversificar parcerias
Uma fonte do governo ouvida em caráter reservado afirmou à BBC News Brasil
que uma das medidas a serem adotadas pelo governo brasileiro nos próximos meses
é intensificar as negociações de acordo comerciais que já estavam em andamento
ou que ainda não haviam começado.
A ideia é aumentar as opções de clientes para os produtos brasileiros e,
assim, diminuir o impacto das potenciais perdas de exportação para os Estados
Unidos.
Entre as apostas, estão parcerias com a União Europeia, Canadá,
Austrália, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Vietnã e Indonésia.
O desafio, no entanto, não é trivial. Por país, os Estados Unidos são
hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois da China.
Em 2024, os dois países movimentaram um comércio de US$ 80 bilhões (R$
443 bilhões). Historicamente, porém, os americanos têm tido um saldo positivo
nessa relação. Segundo o governo brasileiro, nos últimos 15 anos, os Estados
Unidos tiveram um superávit comercial de US$ 410 bilhões em relação ao Brasil.
O exemplo mais emblemático de uma possível nova parceria é o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia,
que se arrasta há quase duas décadas e cujas negociações já foram finalizadas.
O acordo prevê a criação de um mercado comum de 700 milhões de pessoas e
poderia representar um incremento de até R$ 37 bilhões nas transações
comerciais do Brasil até 2044, segundo dados do governo brasileiro.
Para entrar em vigor, no entanto, é preciso que o acordo seja aprovado
pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, os dois principais
órgãos de decisão da União Europeia.
A finalização do acordo sofre oposição histórica da França sob o
argumento de que a facilidade para a entrada de produtos agropecuários do
Mercosul poderia prejudicar os agricultores franceses. Apesar disso, países
como a Alemanha, Espanha e Portugal já demonstraram seus apoios à finalização
do acordo.
A expectativa é de que a diplomacia brasileira intensifique as
negociações restantes com seus parceiros europeus para que uma posição final
sobre o acordo seja anunciada até o final do ano, quando chega ao fim a
presidência pro tempore do Brasil sobre o Mercosul.
Outro acordo que também estaria prestes a ser finalizado e entrar em
vigor é o acordo comercial com a EFTA (sigla em inglês para Associação Europeia
de Livre Comércio), bloco comercial que reúne a Islândia, Noruega,
Liechtenstein e Suíça.
Na semana passada, os dois blocos anunciaram o fim das negociações do
acordo. O texto seguiu para a etapa de revisão legal e, após essa fase, irá à
etapa de aprovação e ratificação pelos dois blocos.
Um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmou
que a expectativa dentro do governo brasileiro é de que essas fases sejam
finalizadas antes do final deste ano.
O bloco tem uma população estimada em 14 milhões de pessoas e estão
entre os que têm a maior renda per capita do mundo. Segundo o governo brasileiro,
a estimativa é de que, uma vez em vigor, o acordo possa gerar um aumento de US$
2,69 bilhões (R$ 14,9 bilhões) no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil até
2044.
Outro caso mencionado por este diplomata é um eventual acordo comercial
com o Canadá. A possibilidade, segundo ele, foi mencionada pelo
primeiro-ministro do país, Mark Carney, durante encontro bilateral com o
presidente Lula na reunião do G7, grupo composto por
Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.
Segundo ele, o interesse dos canadenses em um acordo com o Mercosul
teria aumentado depois que os Estados Unidos, sob o comando de Trump,
anunciaram tarifas sobre produtos do país vizinho. As conversas, segundo o
governo brasileiro, foram iniciadas em gestões passadas, mas teriam sido
interrompidas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
2 - Narrativa, desgaste e recuo
Outra aposta do governo é o efeito "rebote" que o anúncio
das tarifas de Trump podem ter sobre a opinião pública brasileira.
O governo não descarta, por exemplo, que um eventual desgaste da
oposição por seu apoio às tarifas possa fazer com que membros do bolsonarismo
defendam, junto a Trump, que as tarifas sejam revogadas.
Esse movimento, segundo um integrante do governo, seria uma tentativa de
evitar que as tarifas pudessem jogar a favor da candidatura à reeleição de
Lula, em 2026.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que, historicamente, ingerências estrangeiras em
assuntos domésticos podem a fortalecer sentimentos nacionalistas, o que poderia
beneficiar o discurso de Lula.
Nas redes sociais, houve um elevado número de manifestações contrárias
às tarifas. Até mesmo associações patronais tradicionalmente distantes do
governo Lula, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgaram notas
rechaçando a medida imposta por Trump.
Nas redes sociais, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) publicou uma carta defendendo a imposição das tarifas alegando que elas
seriam resultado dos supostos "abusos" praticados pelo governo
brasileiro.
Apesar de ter recebido diversos comentários de apoio, Jair Bolsonaro e seus filhos foram alvo de críticas.
A medida também vem na esteira da campanha liderada pelo PT e por
integrantes do governo em favor da tributação de grandes fortunas, na qual o
governo é colocado como defensor dos mais necessitados.
Segundo este integrante do governo, uma das batalhas a serem travadas,
agora, é pelo domínio da narrativa em torno das tarifas.
Para ele, essa disputa será feita nas redes sociais, principalmente.
3 - Se tudo falhar… Retaliar
A opção que o governo também não descarta é retaliar o governo americano
e anunciar tarifas à importação de produtos ou serviços fornecidos por empresas
dos Estados Unidos.
A ideia seria usar a Lei de Reciprocidade Econômica, aprovada pelo
Congresso Nacional em abril deste ano e que autoriza o governo federal a retaliar
países que, eventualmente, imponham tarifas comerciais ou não comerciais a
produtos brasileiros.
Essa possibilidade foi citada na nota divulgada pelo presidente Lula já
na quarta-feira, horas depois de Trump anunciar as tarifas ao Brasil.
"Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será
respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica", diz um
trecho da nota.
O governo ainda não definiu quando anunciará suas eventuais retaliações.
Inicialmente, o prazo com qual se está lidando é o dia 1º de agosto, quando as
sanções prometidas por Trump começariam a entrar em vigor.
O governo, no entanto, não descarta demorar mais para responder.
Também não há uma definição no governo sobre quais setores americanos
poderiam ser atingidos pelas tarifas brasileiras.
Segundo um integrante do governo ouvido pela BBC News Brasil, a ideia é
que as eventuais tarifas impostas pelo Brasil não prejudiquem setores
econômicos brasileiros.
Em 2024, por exemplo, turborreatores e turbinas usadas na construção de
aviões comerciais lideraram a pauta de exportações dos Estados Unidos para o
Brasil. No ano passado, a importação desses produtos chegou a US$ 6 bilhões (R$
33 bilhões).
Esses produtos, no entanto, são usados na indústria aeronáutica brasileira,
que, posteriormente, vende aeronaves prontas, inclusive para os Estados Unidos.
Alguns setores analisados como potencial alvo de sanções são o de
patentes de produtos farmacêuticos, agrícolas e o de royalties sobre
produções audiovisuais.
Outra possibilidade seria alterar a taxação sobre remessas de dividendos de multinacionais americanas que atuam no Brasil.
(Fonte: BBC)
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