Ele diz que a IA ameaça atividades profissionais, mas o alerta está também em outra esfera de atenção. “Mais do que pelo mercado de trabalho, eu temo um retrocesso civilizatório e intelectual”.
Abaixo, confira entrevista com o escritor.
Agência
Brasil - Como surgiu a ideia de tratar
sobre humanização da escrita?
Sérgio Rodrigues -
A ideia era fazer um manual, um guia que ajudasse as pessoas que estão
começando, principalmente na escrita da ficção. Sou jornalista, mas sou
romancista e contista. Essa era a parte que me interessava explorar. Eu
tinha um blog chamado Todoprosa,
que ficou no ar entre 2006 e 2016. Algumas das ideias desse livro nasceram lá.
Eu aprofundei e retrabalhei. Quando apareceu essa inteligência artificial
generativa, causou uma urgência maior. O livro ganhou também um foco diferente.
A criatividade é o contrário do que a inteligência artificial faz.
Eu entendo que
[escrever com criatividade] é tudo o que o robô não sabe fazer. O que o
robô sabe fazer é uma imitação incrível, impressionante, da linguagem
humana, mas sem nenhuma das dimensões que estão por trás da escrita criativa
verdadeira. Não tem nenhuma perspectiva das
tecnologias terem acesso a isso tão cedo, pelo menos enquanto não tiver uma
consciência de si.
O livro trata sobre o que é escrever com ambição
artística de fazer da linguagem o próprio espetáculo. Escrever é exclusivamente
humano, assim como a arte é exclusivamente humana.
A imitação da IA fica cada vez melhor. Daqui a pouco
vai ser muito difícil distinguir. O fato é que não consigo conceber arte sem
uma subjetividade por trás. Escrita tem que ter uma subjetividade de quem
escreveu. Todo o resto é uma aparência, uma falsidade, mas que não é a essência
do negócio.
Agência Brasil -
Isso gera consequências imediatas no mercado de trabalho.
Sérgio Rodrigues -
Algumas áreas estão muito ameaçadas em termos trabalhistas. A IA consegue
executar tarefas que eram exclusivas dos seres humanos com uma velocidade
incomparável, com custo muito mais baixo. O ser humano é caro.
Agência Brasil -
Quais as maiores ameaças?
Sérgio Rodrigues -
A gente está passando por uma revolução mesmo. A maior ameaça que estou vendo é
o ser humano, como espécie, desaprender a escrever. É um risco. Você pode
terceirizar tudo, todos os textos. Da lista de compras ao e-mail.
No momento em que você terceiriza e não usa mais essa medida, se esquece. A
gente é assim.
Um exemplo é que, antes, sabíamos os números de
telefone. Hoje não sabemos mais. A gente terceirizou para o celular. Quando as
pessoas terceirizarem para a IA a escrita mínima do dia a dia, vai esquecer
como se escreve. Escrever é uma tecnologia de pensamento. Mais do que pelo
mercado de trabalho, eu temo um retrocesso civilizatório e
intelectual.
Agência Brasil - Esse
escrever que você trata tem relação com todas as fases da vida, certo? A
redação da escola, por exemplo.
Sérgio Rodrigues - Eu acho que a escola
tem um problema sério. Se ela não tomar cuidado, todos os alunos vão passar a
entregar trabalhos feitos por inteligência artificial. Se
a escola não criar um ambiente em que isso seja severamente controlado, a
própria habilidade da escrita não vai ser desenvolvida por aquelas crianças
mais. A gente está diante de uma mudança muito grande de parâmetros gerais
em relação à escrita. E é preciso cultivar isso pelo prazer de escrever.
Agência Brasil -
De alguma forma, o ser humano não estava em um caminho de se robotizar com
fórmulas prévias de escrita?
Sérgio Rodrigues - Você
tem razão. Eu acho que a inteligência artificial dá um passo gigante à frente
nesse sentido. Mas a gente já vinha nesse caminho. Mas a IA é uma ferramenta
que a gente inventou. Ela dá continuidade a um caminho que a gente já vinha
trilhando, de uma certa superficialidade total das formas de ler o mundo.
Não só o texto. Um monte de ideias prontas, de
clichês, de fórmulas. O clichê não é inventado pela máquina. A IA é um
simulacro da gente. Uma forma de clichê, de ideias prontas e feitas. O nosso
espírito crítico já vinha definhando. A escola não vinha dando conta. Acho que,
em parte, é uma espécie preguiçosa.
Uma população com
espírito crítico é mais difícil de manipular. Pessoas críticas ficam menos
suscetíveis a virarem consumistas na internet, por exemplo.
Agência Brasil -
Como a gente pode convencer os mais jovens a escrever?
Sérgio Rodrigues -
Esse livro é uma tentativa de abrir o olho das pessoas para isso que está
acontecendo. Acho que a escola vai ter que se repensar a fim de criar espaços
seguros para o pensamento e a escrita. Espaços em que a máquina não possa
entrar. A Finlândia, por exemplo, levou computadores para dentro da sala de
aula. Agora, o país baniu todos os computadores.
Agência Brasil -
Essa decisão de tirar o celular das crianças foi importante, não é?
Sérgio Rodrigues -
Muito boa. Acho que a escola é o lugar para isso. Mas vai exigir uma
reviravolta em termos de pensamento. Eu não vejo outra saída.
Agência Brasil -
A falta de leitura significa dificuldade com a escrita diretamente?
Sérgio Rodrigues -
Tem impacto no interesse de leitura. Um resumo do "Dom Casmurro"
(obra de Machado de Assis, em 1.899) não é o mesmo que ler o livro. É como ver
uma adaptação para a TV. Você tem uma ideia da história, mas a experiência de
leitura de literatura é vertical. É preciso mergulhar naquelas palavras. Talvez
a gente perca mesmo a capacidade de ler coisas é até muito mais simples.
Agência
Brasil - De escrever uma carta de amor, por exemplo?
Sérgio Rodrigues -
A pessoa vai se questionar sobre o que fazer. Diante do que a pessoa amada
falar, vai se perguntar sobre o que fazer. A falta de escrita e leitura faz com
que a pessoa perca as ferramentas que tinha para lidar com o outro.
Agência Brasil -
Além do papel da escola, como as famílias podem convencer os mais jovens de que
escrever é humano?
Sérgio Rodrigues -
As famílias têm um papel nisso. É preciso que a família leia e também valorize
isso. Espero que não seja tarde demais. As pessoas que estão empolgadas. A IA
pode ser uma ferramenta, mas não pode ser a mestre ou dona da pessoa.
Agência Brasil -
O que podem fazer os gestores que possam se sentir responsáveis por tentar
gerar políticas públicas?
Sérgio Rodrigues
- O desafio de política pública hoje nesse mundo da IA é a regulamentação, que
é onde tem os lobbies mais pesados do capital. E as big techs estão muito
determinadas a não deixar que nenhum tipo de regulamentação seja feita.
(Ag. Brasil)

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