Nesta terça, a Vigilância Sanitária e a Polícia Civil de São Paulo
fecharam dois dos bares na capital paulista onde vítimas teriam consumido as
bebidas contaminadas — o bar Ministrão, nos Jardins, e o Torres, no bairro da
Mooca.
Em coletiva de imprensa no mesmo dia, Lewandowski afirmou que a situação
é grave e que é possível que a rede de distribuição dessas bebidas atue também em
outros Estados, não apenas em São Paulo.
O governo estadual de Pernambuco informou nesta terça estar investigando
três casos suspeitos de intoxicação por metanol — dois envolvendo morte e outro
a perda da visão.
A hipótese de que os episódios em São Paulo tenham envolvimento do crime
organizado também deve ser pauta da investigação da PF, segundo as autoridades.
Confira, a seguir, perguntas e respostas sobre os casos de intoxicação
por metanol.
O que as investigações apontam até agora?
Até agora, o Estado de São Paulo registrou 22 casos de suspeita de
contaminação.
Cinco pessoas morreram. Até o momento, em apenas um desses casos há
confirmação de que a morte se deu após a ingestão de bebida adulterada.
Segundo o governo do Estado, todos os casos são de pessoas que, segundo
as suspeitas, consumiram bebidas adulteradas na capital.
Na terça-feira (30/9), uma força-tarefa fez uma ação de fiscalização em
três bares da capital paulista localizados nos Jardins, Zona Oeste, e na Mooca,
Zona Leste. Foram apreendidas garrafas de bebidas sem rótulos.
Uma das vítimas com suspeita de intoxicação relatou ao programa
Fantástico, da TV Globo, ter perdido a visão após o consumo de três
caipirinhas. As bebidas foram compradas em um dos bares fiscalizados pela
polícia nesta terça.
Outras vítimas também relataram a diversos meios de comunicação terem
perdido a visão e terem sofrido convulsões, problemas nos rins, AVC (acidente
vascular cerebral), além de outros sintomas.
Segundo o UOL, os casos estão ligados ao consumo de diferentes tipos de
bebida, como gim, uísque e vodca. As bebidas foram compradas em diferentes
lugares, como bares e adegas.
Ainda não se sabe se o metanol foi adicionado a bebidas falsificadas, ou
se é um caso de contaminação durante a produção normal de um destilado — apesar
das declarações dadas pelas autoridades até o momento apontarem para a primeira
opção.
Em coletiva de imprensa nesta terça, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou
que as investigações conduzidas pela Polícia Civil do Estado começam com a
interdição cautelar de todos os estabelecimentos onde houve o consumo das
bebidas com suspeita de adulteração.
A partir daí, as autoridades averiguam qual a origem das bebidas
vendidas nos comércios.
Ainda segundo Tarcísio, nos últimos dias foram apreendidas 50 mil
garrafas com suspeita de adulteração.
Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, afirmou ainda
que uma operação foi deflagrada no município de Americana, no interior do
estado, e dois indivíduos foram presos por suspeita de falsificação e
adulteração de bebidas.
Em paralelo, o Ministério da Justiça informou que a PF abriu sua própria
investigação para apurar a origem do metanol supostamente usado para batizar as
bebidas alcoólicas.
Ainda não há casos suspeitos de intoxicação em outras partes do país
mas, segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski,
"tudo indica que há distribuição para além do Estado de São Paulo".
Há relação do caso com o PCC?
A suspeita de uma ligação entre a venda de bebidas adulteradas e o crime
organizado foi levantada após a Associação Brasileira de Combate à Falsificação
(ABCF) afirmar em nota que o metanol utilizado para adulterar bebidas
alcoólicas poderia ser o mesmo importado ilegalmente pela organização criminosa
Primeiro Comando da Capital (PCC) para "batizar" combustíveis (quando
se mistura alguma substância mais barata junto ao produto original para ampliar
o lucro).
Para a ABCF, "o fechamento nas últimas semanas de distribuidoras e
formuladoras de combustível diretamente ligadas ao crime organizado, que
importam metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis,
conforme já comprovado por investigações do GAECO e do MP de SP, podem ser a
causa dessa recente onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores que
ao tomar bebidas destiladas em bares e casas noturnas, apresentaram intoxicação
por metanol."
Segundo a organização, "ao ficar com tanques repletos de metanol
lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus
parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias
clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas".
O governo de São Paulo e a Polícia Federal, porém, divergem sobre o
suposto envolvimento do grupo.
O diretor-geral da PF, Andrei Augusto Passos Rodrigues, afirmou que o
órgão investiga a ligação do crime organizado com os casos.
Ele também justificou a atuação da PF no caso afirmando que é possível
haver conexões com investigações recentes do órgão em São Paulo e no Paraná
sobre a cadeia de combustíveis, já que parte da importação de metanol passa
pelo porto de Paranaguá.
Já o governador Tarcísio de Freitas afirmou que não há "evidência
nenhuma" da participação do PCC no esquema de bebidas adulteradas.
"Tem esse negócio em São Paulo, tudo que acontece é o PCC. Muito
tem se especulado sobre a participação do crime organizado nessa adulteração.
Só para deixar claro, não há evidência nenhuma de que haja crime organizado
nisso. Os inquéritos apontam que as pessoas que trabalham nessas destilarias
clandestinas não têm relação com o crime organizado nem entre si. São pessoas
que fraudam rotineiramente bebidas e, como temos falado, é um problema
estrutural", disse o governador.
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP),
também afirmou que "a hipótese de envolvimento da facção está totalmente
descartada".
Como se proteger de bebidas adulteradas e identificar falsificações?
Diante dos casos recentes, associações como a Associação Brasileira de
Bares e Restaurantes (Abrasel) e Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe)
compartilharam dicas para a população se proteger e até a identificar uma
bebida falsificada ou adulterada:
- Faça as compras de bebidas em locais de confiança;
- Desconfie de preços muito abaixo do mercado;
- Desconfie do líquido se ele apresentar micropartículas e sujeiras;
- Exija nota fiscal, para garantir que a bebida tenha sido distribuída por
fornecedores confiáveis;
- Verifique o lacre. Se estiver violado, a bebida pode ter sido adulterada;
- Rótulos mal colados ou informações borradas também podem ser sinais de
falsificação;
- Procure na embalagem o registro do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA);
- No caso dos destilados, procure o selo do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI). Se não estiver na embalagem, normalmente perto da tampa, significa que a
bebida não foi fiscalizada por autoridades brasileiras.
O que é metanol?
O metanol é um produto químico industrial encontrado
em fluidos anticongelantes e de limpadores de para-brisa.
Não se destina ao consumo humano — e é altamente tóxico.
Tomar até mesmo pequenas quantidades pode ser prejudicial. Algumas doses
de bebida alcoólica clandestina que contenham a substância podem ser letais.
O metanol tem a aparência e o sabor do álcool, e os primeiros efeitos
são semelhantes — ele pode fazer com que você se sinta embriagado e enjoado.
Inicialmente, as pessoas podem não perceber que há algo errado.
O dano acontece horas depois, quando o corpo tenta eliminá-lo do
organismo, metabolizando-o no fígado.
Este processo gera subprodutos tóxicos chamados formaldeído, formiato e
ácido fórmico. Eles se acumulam, atacando nervos e órgãos, o que pode levar à
cegueira, ao coma e à morte.
"O formiato, que é a principal toxina produzida, age de forma
semelhante ao cianeto e interrompe a produção de energia nas células, e o
cérebro parece ser muito vulnerável a isso", explica Christopher Morris,
professor da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
"Isso leva a danos em certas partes do cérebro. Os olhos também são
diretamente afetados, e isso pode causar cegueira, o que é visto em muitas
pessoas expostas a altos níveis de metanol."
A toxicidade do metanol está relacionada à dose que você toma — e à
forma como seu corpo lida com ela.
Assim como acontece com o álcool, quanto menor o seu peso, mais você
pode ser afetado por uma determinada quantidade.
O médico Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF),
que monitora envenenamentos por metanol, diz que a conscientização varia muito
entre os turistas e a equipe de saúde em diferentes partes do mundo — e isso
pode significar atrasos no diagnóstico.
"Os sintomas geralmente são muito vagos até que você fique
realmente doente", afirmou ele à BBC.
Como é tratada a intoxicação por metanol?
A intoxicação é uma emergência médica e deve ser tratada em um hospital.
Há tratamentos à base de medicamentos que podem ser administrados, assim
como diálise para limpar o sangue.
Alguns casos podem ser tratados com álcool (etanol) para
"competir" com a metabolização do metanol. Mas isso deve ser feito
rapidamente e sob supervisão médica.
"O etanol atua como um inibidor competitivo, impedindo em grande
parte a metabolização do metanol, mas retardando-a consideravelmente,
permitindo que o corpo libere o metanol dos pulmões e um pouco por meio dos
rins, um pouco pelo suor", explica Alastair Hay, professor especialista em
toxicologia ambiental da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
Hovda afirma que obter ajuda logo após o consumo de metanol é crucial
para as chances de sobrevivência.
"Você pode aliviar todos os efeitos se chegar ao hospital cedo o
suficiente, e se o hospital tiver o tratamento necessário", diz ele.
"Você pode morrer com uma proporção muito pequena de metanol, e
pode sobreviver com uma proporção bastante substancial, se conseguir
ajuda."
"O antídoto mais importante é o álcool comum."
Outros casos pelo mundo
Recentemente, tragédias envolvendo bebidas alcoólicas adulteradas por
metanol ocorreram em países como Rússia, Turquia, Laos e Kuwait, causando
dezenas de mortes e muitos casos de hospitalização.
Na Rússia, dezenas de pessoas foram contaminadas com metanol após
ingerirem vodca produzida ilegalmente — ao menos 25 mortes já foram relatadas
nos últimos dias.
Em Istambul e Ancara, na Turquia, bebidas clandestinas intoxicaram
centenas de pessoas desde o início de 2025, com pelo menos 160 mortes
confirmadas.
No Laos, seis turistas de diferentes nacionalidades morreram após
consumirem bebidas contaminadas em Vang Vieng. O ocorrido levou ao fechamento
de fábricas suspeitas e a proibição de certas marcas de vodca e uísque locais
consideradas riscos à saúde pública.
(BBC Brasil)



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