O governo do Pernambuco também noticiou que está investigando três possíveis casos semelhantes.
Casos parecidos já foram registrados em outros países — muitas vezes com grandes números de pacientes, altos índices de fatalidade e consequências graves para a vida de muitos contaminados.
Na Líbia, em 2013, mais de mil pessoas foram internadas com intoxicação por metanol — e 101 morreram
em decorrência do problema. No ano seguinte, no Quênia, dois surtos resultaram
em 467 casos, com 126 mortes — um índice de fatalidade de mais de 26%.
Em 2000, também no Quênia, uma crise semelhante já havia provocado pelo
menos 140 mortes e 400 internações. Vinte pessoas ficaram permanentemente cegas. Na Rússia, mais de 70 pessoas
morreram em dezembro de 2016.
O médico noruguês Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem
Fronteiras, dedica mais de 20 anos ao estudo da intoxicação com metanol e
esteve em diversos surtos atuando como médico e ajudando autoridades
internacionais.
Ele disse à BBC News Brasil que a ação mais importante a ser tomada
pelas autoridades públicas, quando começam a surgir casos de contaminação por
metanol, é conscientizar as pessoas sobre o que está acontecendo.
"É importante divulgar a informação [sobre os casos de
contaminação] para as pessoas. E mensagens como: tenha cuidado com o que você
bebe ou procure um posto de saúde se você sentir sintomas", diz Hovda.
Sintomas e diagnóstico
Os estragos da intoxicação por metanol podem ser contidos se o problema
for tratado nos primeiros dias — reduzindo as chances de morte e evitando danos
de longo prazo (como cegueira e problemas no cérebro). Mas é preciso que o
diagnóstico seja rápido, e que o tratamento comece imediatamente.
O metanol é um "assassino silencioso". Muitas das pessoas
contaminadas sequer entendem que estão correndo risco de morte, por que os
sintomas demoram a aparecer.
"Os sintomas só começam no dia seguinte ou alguns dias depois,
então eles não têm ideia do que está acontecendo, pois elas não estavam bebendo
imediatamente antes de apresentar os sintomas. Eles estavam bebendo no dia
anterior ou dois dias antes", explica o médico.
Outro desafio é que os sintomas são vagos e comuns a vários outros
problemas de saúde. Não é possível identificar apenas através dos sintomas se o
problema é especificamente a contaminação por metanol, que pode ser fatal.
Alguns sintomas típicos de intoxicação por metanol incluem: desconforto
gástrico e intestinal, dor de estômago, dor no peito, hiperventilação e
dificuldade para respirar.
Outros pacientes relatam sintomas parecidos com o de uma ressaca muito
severa — só que iniciada mais de 12 horas após a ingestão de bebidas.
Depois de algum tempo, surgem sintomas ainda mais graves, como
distúrbios visuais, desde visão turva, falta de campo visual ou até cegueira
completa.
A única forma que as pessoas têm de saber que correm risco de estarem
contaminadas com metanol é se souberem que houve outros casos semelhantes já
diagnosticados recentemente em sua região.
O diagnóstico definitivo só pode ser feito em um hospital ou centro de
saúde com exames — por isso as pessoas devem procurar atendimento médico
imediatamente ao sentirem os sintomas.
Tratamento
A severidade de alguns surtos no mundo é um problema tão grande que a
Médicos Sem Fronteira criou protocolos internacionais para ajudar países a
lidarem com intoxicação por metanol.
A MSF criou vídeos educativos que circulam em locais onde há surtos,
orientando as pessoas sobre os sintomas e fazendo um apelo para que elas
procurem ajuda médica. A entidade também treina médicos no mundo todo sobre
como tratar o problema.
"A grande maioria das pessoas vai conseguir superar o problema se
receberem tratamento nas primeiras 24 horas [desde o surgimento dos sintomas].
Muitas ainda podem ser salvas nas primeiras 48 ou até 72 horas", diz o
médico da MSF.
Para tentar curar o problema, um dos possíveis tratamentos é administrar
um antídoto no paciente que pode parecer contraintuitivo: mais álcool.
O grande problema da intoxicação por metanol acontece quando essa
substância é metabolizada no corpo e vira ácido fórmico, que é o composto
verdadeiramente nocivo ao corpo.
O objetivo do tratamento é impedir essa metabolização, diluindo a
concentração de metanol.
Para isso, o paciente recebe mais álcool em doses controladas e
monitoradas. É preciso manter o sangue do paciente com níveis constantes de
álcool por um tempo prolongado, enquanto o metanol vai deixando o corpo por
outras vias, sem ser metabolizado. Isso é combinado com hemodiálises, para
filtrar o sangue.
Hovda conta que em muitos hospitais com poucos recursos — onde a MSF
costuma atuar — esse tratamento pode envolver qualquer tipo de álcool que
esteja disponível: desde cerveja e vinho a até mesmo álcool para limpeza.
Esse tratamento pode durar até sete dias, se não houver diálise.
Existe outro antídoto que é considerado mais eficaz para tratar
intoxicação com metanol: o fomepizol. Esse antídoto é mais adequado, pois não
provoca sintomas no paciente em tratamento, como a embriaguez.
No entanto, sua solução é considerada cara até mesmo para países
desenvolvidos como a Noruega, conta o médico norueguês da MSF. Uma dose de
fomepizol pode custar até 1 mil euros (cerca de R$ 6,3 mil).
A patente do remédio já expirou mundialmente, mas as farmacêuticas não
conseguem produzir o antídoto em uma escala grande o suficiente para fazer com
que o preço caia.
Na terça-feira (30/9), o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que
o governo brasileiro estuda criar uma reserva estratégica para garantir o
acesso ao fomepizol, que não está sequer registrado no Brasil.
A MSF solicitou que o antídoto fosse colocado na Lista de Medicamentos
Essenciais da Organização Mundial de Saúde — para facilitar que o remédio seja
importado até mesmo por países que não tem registro oficial.
No Brasil, o tratamento para intoxicação por metanol é feito com etanol
farmacêutica em cerca de 30 centros de referência.
Metanol mais barato
As autoridades brasileiras ainda não determinaram as origens do metanol
em bebidas contaminadas nos casos confirmados.
Há duas linhas de investigação: de contaminação no envase de algumas
garrafas ou de adulteração deliberada da bebida, como forma de baratear seus
custos.
Hovda diz que a maior parte dos surtos que ele estudou no mundo são
ligados a bebidas adulteradas.
A oferta de metanol se expandiu bastante no mundo nas últimas décadas,
já que a substância passou a ser usada como combustível para diversos usos por
ser considerada menos nociva ao meio ambiente.
Por isso, o metanol passou a ser usado também para adulterar bebidas,
explica o médico, por causa de suas características químicas específicas.
"As pessoas misturam metanol em bebidas principalmente para ganhar
mais dinheiro, porque o metanol se mistura muito bem com álcool, o etanol
comum. Se você misturar água ou algo parecido com álcool comum e deixar na
mesa, as substâncias vão se separar, e será possível perceber isso", diz o
médico.
"Com o metanol você não consegue ver a separação. Ele não tem
cheiro diferente do cheiro do álcool comum. Não tem gosto. Não tem cor. Ou
seja, é muito difícil de detectar para quem está bebendo."
No Brasil, há legislações rígidas sobre o uso do metanol, com registro
obrigatório para movimentação e armazenamento do produto.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, isso se dá por causa da
"toxicidade do produto, seu potencial como adulterador do etanol combustível
e da gasolina, os riscos à saúde humana e à segurança pública".
(Fonte: BBC)

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