quinta-feira, 29 de maio de 2025

Como mulheres com sintomas de psicose e depressão pós-parto foram acusadas de bruxaria séculos atrás

Prissila Collit conta que não dormia havia três noites quando foi tentada pelo diabo a matar seus filhos. Em troca, segundo ela, o diabo acabaria com sua pobreza. Collit disse ter recusado, mas acabou colocando o bebê perto do fogo. Collit não teve forças para socorrê-lo. E o bebê seria salvo, por pouco, pelo irmão.

Aquela não seria a última vez, segundo Collit, que ela encontraria o diabo lhe oferecendo melhores condições de vida na Inglaterra do século 17. Ela acabaria acusada de bruxaria.

O relato aparece em registros analisados por pesquisadores como C. L'Estrange Ewen, no livro Witch Hunting and Witch Trials (Caça às Bruxas e Julgamentos de Bruxas, em tradução livre), que reúne documentos de acusações de bruxaria julgadas na Inglaterra entre 1559 e 1736.

Casos como esse são hoje estudados por especialistas que investigam como, séculos atrás, o sofrimento materno foi interpretado como bruxaria.

A BBC News Brasil entrevistou historiadores, psiquiatras e outros pesquisadores no Brasil e no exterior para entender como questões de saúde mental ligadas à maternidade foram um dos fatores por trás da caça às bruxas na Europa e nas Américas – e quais são os reflexos disso nos dias de hoje.

"Há evidências bastante sólidas de que algumas acusadas de bruxaria sofriam de algum tipo de sofrimento mental", disse a historiadora Marion Gibson, da Universidade de Exeter (Inglaterra). "Algumas delas, sem dúvida, falaram sobre matar seus próprios filhos. Disseram que o diabo as tentou ao suicídio. Disseram que o diabo as tentou matar seus filhos."

Muitas das acusadas de bruxarias, sem saber como se defender, colaboraram com suas próprias condenações ao tentarem achar explicações para o sofrimento psicológico, afirma a historiadora Louise Jackson, da Universidade de Edimburgo (Escócia).

Jackson decidiu estudar acusações de bruxaria em casos como o de Collit porque eles "contêm referências ao infanticídio, um crime associado à psicose pós-parto, mas que, na Inglaterra do século 17, era visto como um trabalho do diabo".

O suicídio, também citado em casos semelhantes, "era um grande pecado segundo a igreja e a lei canônica, e também considerado um trabalho do diabo", acrescenta.

Nos Estados Unidos, os historiadores Natalie Hull, da Universidade Rutgers, e Peter Hoffer, da Universidade da Geórgia, também fazem um paralelo entre acusações de bruxaria e infanticídio.

Segundo eles, mulheres vítimas de opressão social por casos de gravidez fora do casamento eram condenadas por "bruxaria" com base não em provas, mas em questões morais, sociais e econômicas.

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,O nascimento de um filho pode, para muitas mulheres, representar o início de um período de sofrimento psíquico profundo, frequentemente vivido em silêncio e interpretado como falha pessoal, apontam especialistas

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Nesse contexto, o problema de saúde mental ligado à maternidade aparece como um dos diversos fatores por trás da caça às bruxas na Europa e nas Américas, que resultou na morte de 60 mil a 100 mil pessoas — estimativa que varia conforme os pesquisadores, com as mulheres como maioria das vítimas (75% a 85%).

Naquela época, havia uma influência crescente do puritanismo, crença ligada ao trabalho duro e ao autocontrole que considera o prazer algo errado ou desnecessário. E havia também um pânico generalizado na população, segundo pesquisadores.

A historiadora Lyndal Roper, da Universidade de Oxford (Inglaterra), acrescenta que parte das acusações de bruxaria foram inclusive feitas por outras mães com base em suas próprias angústias e desconhecimento sobre a maternidade.

Roper diz que dificuldades emocionais na gravidez e no pós-parto eram distorcidas em suspeitas, e que culpa, medo e delírios alimentaram fantasias envolvendo perigo. A figura da bruxa surgia, muitas vezes, onde havia apenas uma mulher exausta, vulnerável e incompreendida – o que, para Roper, era um reflexo de uma sociedade que não entendia o sofrimento psíquico feminino e materno.

Do século 15 ao 17, sem conhecimento médico ou psicológico, vários desses comportamentos eram interpretados como influência demoníaca ou mesmo "melancolia". E muitas dessas associações entre acusações de bruxaria e problemas de saúde mental só seriam feitas séculos depois do ocorrido.

"Por isso, é impossível provar [essa associação], porque não há registros médicos dessas pessoas. Não se pode diagnosticar alguém do passado com uma condição específica — e, além disso, a definição dessas condições muda ao longo do tempo", ressalva Gibson.

Mas registros da época mostram que já havia profissionais de saúde naquela época que identificavam sinais nessa direção.

A exemplo de Richard Napier, médico e astrólogo inglês do século 17, que registrou padrões de sofrimento mental entre mulheres no pós-parto e puerpério, com sintomas descritos como "loucura", "distração", "inércia", "insanidade", "frenesi" e "delírio".

Napier relatou que uma mulher identificada como "Senhora Kent" ficou doente por meses após o parto, além de ser tomada por um desespero religioso. Ela dizia que o diabo a possuía e confessa inúmeros crimes, segundo os registros.

Hoje, esses comportamentos provavelmente seriam investigados por profissionais de saúde como sinais de depressão pós-parto, psicose puerperal ou outros transtornos agravados pela gravidez ou pelo parto, segundo especialistas. (Leia mais abaixo mais detalhes sobre esses transtornos).

O que foi a caça às bruxas?

A magia era vista antigamente como um dom natural de curandeiros e líderes espirituais, diz Gibson.

Era uma força ambígua: a mesma pessoa podia abençoar ou amaldiçoar. Isso mudou na Europa medieval, e a demonologia (estudo dos demônios como crenças e mitos) transformou a visão sobre a bruxaria: deixou de ser apenas magia e passou a ser entendida como um pacto deliberado com o mal, em oposição direta à Igreja.

LEIA REPORTAGEM COMPLETA CLICANDO ABAIXO:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c93lx5vl329o

 

 

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