O relato aparece em registros analisados por
pesquisadores como C. L'Estrange Ewen, no livro Witch Hunting and Witch
Trials (Caça às Bruxas e Julgamentos de Bruxas, em tradução livre),
que reúne documentos de acusações de bruxaria julgadas na Inglaterra entre 1559 e 1736.
Casos como esse são hoje estudados por
especialistas que investigam como, séculos atrás, o sofrimento materno foi
interpretado como bruxaria.
A BBC News Brasil entrevistou historiadores,
psiquiatras e outros pesquisadores no Brasil e no exterior para entender
como questões de saúde mental ligadas à maternidade foram um dos fatores por trás
da caça às bruxas na Europa e nas Américas – e quais são os reflexos disso nos
dias de hoje.
"Há evidências bastante sólidas de que algumas acusadas de bruxaria sofriam de algum tipo de sofrimento mental", disse a historiadora Marion Gibson, da Universidade de Exeter (Inglaterra). "Algumas delas, sem dúvida, falaram sobre matar seus próprios filhos. Disseram que o diabo as tentou ao suicídio. Disseram que o diabo as tentou matar seus filhos."
Muitas das acusadas de bruxarias, sem saber como se
defender, colaboraram com suas próprias condenações ao tentarem achar
explicações para o sofrimento psicológico, afirma a historiadora Louise
Jackson, da Universidade de Edimburgo (Escócia).
Jackson decidiu estudar acusações de bruxaria em
casos como o de Collit porque eles "contêm referências ao infanticídio, um
crime associado à psicose pós-parto, mas que, na Inglaterra do século 17, era
visto como um trabalho do diabo".
O suicídio, também citado em casos semelhantes,
"era um grande pecado segundo a igreja e a lei canônica, e também
considerado um trabalho do diabo", acrescenta.
Nos Estados Unidos, os historiadores Natalie Hull,
da Universidade Rutgers, e Peter Hoffer, da Universidade da Geórgia, também
fazem um paralelo entre acusações de bruxaria e infanticídio.
Segundo eles, mulheres vítimas de opressão social
por casos de gravidez fora do casamento eram condenadas por
"bruxaria" com base não em provas, mas em questões morais, sociais e
econômicas.
Crédito,Getty Images
Legenda da foto,O nascimento de um filho pode, para
muitas mulheres, representar o início de um período de sofrimento psíquico
profundo, frequentemente vivido em silêncio e interpretado como falha pessoal,
apontam especialistas
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Nesse contexto, o problema de saúde mental ligado à
maternidade aparece como um dos diversos fatores por trás da caça às bruxas na
Europa e nas Américas, que resultou na morte de 60 mil a 100 mil pessoas —
estimativa que varia conforme os pesquisadores, com as mulheres como maioria
das vítimas (75% a 85%).
Naquela época, havia uma influência crescente do puritanismo, crença ligada ao
trabalho duro e ao autocontrole que considera o prazer algo errado ou
desnecessário. E havia também um pânico generalizado na população, segundo
pesquisadores.
A historiadora Lyndal Roper, da Universidade de
Oxford (Inglaterra), acrescenta que parte das acusações de bruxaria foram
inclusive feitas por outras mães com base em suas próprias angústias e
desconhecimento sobre a maternidade.
Roper diz que dificuldades emocionais na gravidez e
no pós-parto eram distorcidas em suspeitas, e que culpa, medo e delírios
alimentaram fantasias envolvendo perigo. A figura da bruxa surgia, muitas
vezes, onde havia apenas uma mulher exausta, vulnerável e incompreendida – o
que, para Roper, era um reflexo de uma sociedade que não entendia o sofrimento
psíquico feminino e materno.
Do século 15 ao 17, sem conhecimento médico ou
psicológico, vários desses comportamentos eram interpretados como influência
demoníaca ou mesmo "melancolia". E muitas dessas associações entre
acusações de bruxaria e problemas de saúde mental só seriam feitas séculos
depois do ocorrido.
"Por isso, é impossível provar [essa
associação], porque não há registros médicos dessas pessoas. Não se pode
diagnosticar alguém do passado com uma condição específica — e, além disso, a
definição dessas condições muda ao longo do tempo", ressalva Gibson.
Mas registros da época mostram que já havia
profissionais de saúde naquela época que identificavam sinais nessa direção.
A exemplo de Richard Napier, médico e astrólogo
inglês do século 17, que registrou padrões de sofrimento mental entre mulheres
no pós-parto e puerpério, com sintomas descritos como "loucura",
"distração", "inércia", "insanidade",
"frenesi" e "delírio".
Napier
relatou que uma mulher identificada como "Senhora
Kent" ficou doente por meses após o parto, além de ser tomada por um
desespero religioso. Ela dizia que o diabo a possuía e confessa inúmeros
crimes, segundo os registros.
Hoje, esses comportamentos provavelmente seriam
investigados por profissionais de saúde como sinais de depressão pós-parto,
psicose puerperal ou outros transtornos agravados pela gravidez ou pelo parto,
segundo especialistas. (Leia mais abaixo mais detalhes sobre esses
transtornos).
O que foi a caça às bruxas?
A magia era vista antigamente como um dom natural
de curandeiros e líderes espirituais, diz Gibson.
Era uma força ambígua: a mesma pessoa podia
abençoar ou amaldiçoar. Isso mudou na Europa medieval, e a demonologia (estudo
dos demônios como crenças e mitos) transformou a visão sobre a bruxaria: deixou
de ser apenas magia e passou a ser entendida como um pacto deliberado com o
mal, em oposição direta à Igreja.
LEIA
REPORTAGEM COMPLETA CLICANDO ABAIXO:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c93lx5vl329o
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