terça-feira, 1 de novembro de 2011

Mais um uxoricídio em Sobral

A cidade foi abalada por mais um crime bárbaro em que o marido matou a esposa, o que se chama de uxoricídio. Ocorreu no início dessa segunda-feira, 31, depois das 7h, na residência do casal, na Rua Zamenhof,122, bairro Sinhá Sabóia. Ana Soraia Galdino, mãe de uma criança de 4,  professora da Escolinha da Câmara Jr., foi morta um dia antes de completar 34 anos por Francisco Aécio do Nascimento, 37, servidor da Grendene, com mais de 40 facadas. Com a mesma arma o assassino também tentou o suicídio, que não chegou a ser consumado. Foi preso em flagrante, levado à Santa Casa de Misericórdia e passa bem. Segundo populares, marido e mulher eram de Santana do Acaraú (CE) e estavam passando por crise conjugal depois de 11 anos de casados. (foto extraída de: http://beneditosfernandes.blogspot.com/)

Origem da palavra: A maioria das pessoas sabe que o elemento "cídio", do latim, significa justamente assassínio, assassinato, morte.  Já “Uxor” poucos conhecem. Também vem do latim, significa mulher casada. Daí, uxoricídio é o assassinato da própria mulher. E "uxoricida" é quem o Francisco Aécio do Nascimento. Agora, se mulher mata o próprio marido trata-se de crime de mariticídio e quem o comete denomina-se mariticida. Há, também, filicídio (matar o filho), infanticídio (uma criança), parricídio (o pai), matricídio (a mãe), homicídio (outra pessoa), genocídio (matar grupo de pessoas). Seguindo esse raciocínio também se compreende o significado de fungicida, inseticida, vermicida.

Ultimamente, casos dessa natureza têm ocorrido com muita freqüência. Isso aponta para um questionamento mais amplo, não apenas no que concerne à punição dos criminosos, ou à falta dela, mas também analisando as causas mais profundas que levam alguém a cometê-lo. Esse questionamento deve acontecer de forma preventiva, antes de ocorrer o pior, iniciando-se com um diálogo aberto e sincero entre os que convivem maritalmente. Além disso, a discussão sobre o que leva ao cometimento desse tipo de crime deve ser tema de debate entre religiosos, educadores, profissionais da medicina (psicólogos, psiquiatra...), imprensa, deixando de lado o sensacionalismo, enfim, o assunto deve envolver toda a sociedade.

Em janeiro do corrente ano li no jornal O Hoje, de Goiânia (GO), interessante artigo sobre crimes passionais, escrito por Marcelo Di Rezende, ad­vo­ga­do e pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio. Transcrevo-o, na íntegra, objetivando fornecer aos leitores do blog subsídios para começarem a analisar de forma mais consciente e equilibrada casos como o que aconteceu em Sobral.

 

Artigo: A realidade dos crimes passionais

 

De­ri­va­do do la­tim pas­sio­na­lis, de pas­sio (pai­xão), a ex­pres­são cri­me pas­sio­nal ou ho­mi­cí­dio pas­sio­nal, co­mo quei­ram, é uti­li­za­da na ter­mi­no­lo­gia ju­rí­di­ca pa­ra de­sig­nar o ato que se co­me­te por pai­xão, e ain­da, se­gun­do o di­ci­o­ná­rio ju­rí­di­co de au­to­ria do ilus­tre De Plá­ci­do e Sil­va, "cri­me pas­sio­nal é o que se faz, por uma exal­ta­ção ou ir­re­fle­xão, con­se­quen­te de um des­me­di­do amor à mu­lher ou de con­tra­ri­e­da­de a de­se­jos in­so­pi­ta­dos".

As­sim, cre­mos ser tal ato de­ri­va­do de qual­quer fa­to que pro­du­za na pes­soa emo­ção in­ten­sa e pro­lon­ga­da, ou sim­ples­men­te pai­xão, não aque­la de que des­cre­vem os po­e­tas, a pai­xão pu­ra, mas pai­xão em­be­bi­da de ci­ú­me, de pos­se, cheia da in­ca­pa­ci­da­de de acei­ta­ção do fim de um re­la­ci­o­na­men­to amo­ro­so, que tan­to po­de vir do amor co­mo do ódio, da ira e da pró­pria má­goa.

No pas­sa­do, o fa­to de um cri­me ser con­si­de­ra­do pas­sio­nal ren­dia ao réu uma pu­ni­ção mais bran­da, mas is­so fi­cou mesmo no pas­sa­do. É cla­ro que não po­der­mos ne­gar a exis­tên­cia da in­flu­ên­cia ma­chis­ta de nos­sa so­ci­e­da­de; mas não po­de­mos tam­bém con­cor­dar com o en­ten­di­men­to de que so­men­te era o ho­mem quem su­pos­ta­men­te po­de­ria "de­fen­der a sua hon­ra", pois é fa­to que es­ta mes­ma so­ci­e­da­de ma­chis­ta nun­ca ha­via se acos­tu­ma­do com a ideia da in­fi­de­li­da­de co­mo um to­do, se­ja fe­mi­ni­na ou mas­cu­li­na, pois en­ten­di­am, co­mo en­ten­dem até os di­as atu­ais, que a in­fi­de­li­da­de cau­sa ofen­sa à mo­ral e à hon­ra.

Não há dú­vi­das de que a uti­li­za­ção da te­se da le­gí­ti­ma de­fe­sa da hon­ra ain­da não es­te­ja su­pe­ra­da por com­ple­to, vez que ain­da é ple­na­men­te pos­sí­vel a apli­ca­bi­li­da­de des­te ar­gu­men­to, prin­ci­pal­men­te nos rin­cões de ca­da Es­ta­do, on­de a di­ta "hon­ra" po­de ser le­va­da a es­tes ca­sos ex­tre­mos, ou se­ja, on­de fi­cou po­pu­lar­men­te co­nhe­ci­do o ter­mo "la­van­do a hon­ra com san­gue".

O que vi­ge no Có­di­go Pe­nal bra­si­lei­ro é que a emo­ção ou a pai­xão não ex­clui a cul­pa­bi­li­da­de de quem fe­re ou ma­ta uma pes­soa. Por­tan­to, pa­ra o di­rei­to pe­nal po­si­ti­va­do na nor­ma es­cri­ta, não há tra­ta­men­to es­pe­cí­fi­co e mais bran­do pa­ra o ho­mi­ci­da pas­sio­nal. Ao con­trá­rio, pois se en­ten­der­mos que o ódio, a in­ve­ja ou a am­bi­ção po­de ser fru­to de uma pai­xão in­con­tro­lá­vel (ou, ao me­nos, di­fí­cil de ser con­tro­la­da), te­mos de ad­mi­tir que a lei não só não ate­nua a cul­pa­bi­li­da­de do agen­te, mas con­si­de­ra a con­du­ta co­mo uma for­ma qua­li­fi­ca­da de ho­mi­cí­dio, mui­to mais gra­ve pe­la mai­or quan­ti­da­de de pe­na e, tam­bém, pe­las con­se­qüên­cias re­pres­si­vas re­sul­tan­tes do fa­to ser con­si­de­ra­do co­mo cri­me he­di­on­do.

Não há dú­vi­da de que o ho­mi­ci­da pas­sio­nal pra­ti­ca o cri­me mo­ti­va­do pe­lo ci­ú­me, ego­cen­tris­mo, pos­ses­si­vi­da­de, pre­po­tên­cia e até vai­da­de, o que le­va a um ir­re­sis­tí­vel de­se­jo de vin­gan­ça, ao pas­so que, con­su­ma­do o de­li­to, o sen­ti­men­to que o mor­ti­fi­ca é o da per­da, da de­son­ra, de in­dig­ni­da­de, de re­pú­dio e do in­con­for­mis­mo que o faz ma­tar pa­ra im­pe­dir que seu com­pa­nhei­ro si­ga sua vi­da de for­ma in­de­pen­den­te, di­zen­do em sua de­fe­sa, pa­ra ser ab­sol­vi­do pe­lo Tri­bu­nal do Jú­ri, que foi com­pe­li­do a tal ato porque se en­con­tra­va em es­ta­do de "vi­o­len­ta emo­ção, lo­go em se­gui­da à in­jus­ta pro­vo­ca­ção da ví­ti­ma".

Re­su­min­do, pa­ra o di­rei­to pe­nal mo­der­no, a re­gra que vi­ge atu­al­men­te é es­ta: tan­to a emo­ção quan­to a pai­xão (a pri­mei­ra, uma ma­ni­fes­ta­ção do psi­quis­mo ou da con­s­ci­ên­cia hu­ma­na mas fu­gaz e pas­sa­gei­ra, a se­gun­da mais du­ra­dou­ra e pro­lon­ga­da) não ex­clu­em a im­pu­ta­bi­li­da­de do agen­te, pois o bem ju­rí­di­co mai­or – se­gu­ran­ça co­le­ti­va – não po­de tran­si­gir com a ideia de even­tual e com­ple­ta ab­sol­vi­ção do ho­mi­ci­da pas­sio­nal, mes­mo nos ca­sos de ter o agen­te se con­du­zi­do sob a in­flu­ên­cia de for­te emo­ção ou pai­xão. O "Ma­tei por amor", fra­se di­ta por Ra­ul Fer­nan­des do Ama­ral, o Do­ca Stre­et, já há mui­to foi sub­sti­tu­í­da pe­lo slo­gan "Quem ama não ma­ta". (Por Marcelo Di Rezende é Ad­vo­ga­do e pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio).

SAIBA MAIS: Em 03 de junho de 2002, a revista ISTOÉ Gente publicou ampla reportagem sob o título “PAIXÃO CONDENADA”. Nela, são relatados os casos mais famosos de crimes passionais ocorridos no Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário