Ex-ministro
de Lula e possível candidato nas eleições de 2018 pelo PDT, Ciro Gomes se diz
cada dia mais crítico ao governo Dilma. Apesar de contrário ao impeachment,
afirma que a atual gestão se constituiu em cima de uma "farsa de
marketing", com propostas de campanha nunca postas em prática.
Para Ciro, a política econômica é
desastrosa, herança da "frouxidão moral" dos anos Lula. Ele diz não
entender por que a presidente não propõe, por decreto, uma mudança nos rumos da
economia - sugestão dada por ele em reunião com Dilma. "Quando sai da
catatonia, não ela, mas o governo, sai para fazer bobagem."
Prova de seu desgosto é seu apoio
"entusiasmado" à sugestão de Carlos Lupi, presidente do PDT, de
deixar a base aliada após a derrota do impeachment. No entanto, o partido não
deve ir para a oposição. "Nós não queremos participar
de mais nada, está muito claro para nós. O ideal para nós é: ganhar a batalha
pela democracia, preservar o mandato e comunicar à presidente que queremos
sair. É uma ideia do Lupi com meu entusiástico apoio. E agora vamos validá-lo
com os companheiros."
O ex-ministro também falou dos
casos de hostilidade que sofreu recentemente e chamou os manifestantes
antigoverno de "fascistinhas". No começo de abril, o Movimento
Endireita Brasil, crítico ao governo Dilma Rousseff e ao PT, publicou em sua
página do Facebook uma oferta de R$ 1 mil a quem hostilizasse Ciro no
restaurante em que jantava em São Paulo. "Eles se autodenominam
manifestantes e acham que podem ir na porta de um ministro do STF 1h30 da manhã
gritar impropérios. Não pode não, isto é crime. Eu, como presidente da
República, teria pedido para a Polícia Federal abrir um inquérito e estava todo
mundo presinho da silva."
BBC Brasil - Você costuma fazer críticas duras à política econômica de Dilma, mas se
coloca contra o impeachment. Como se posiciona hoje?
Ciro Gomes - Minha percepção crítica do governo se agrava
diariamente. Agora, no presidencialismo, você não pode desconstituir um governo
apenas porque ele é um mau governo. O impeachment é a única forma de
desconstituir um governo e só pode se dar, como está escrito na Constituição,
pelo cometimento de responsabilidade consciente da presidente. O pedido formal
que está dando azo ao impeachment não se baseia numa denúncia de crime de responsabilidade.
É um golpe parlamentar. Só três presidentes da República neste país concluíram
seu mandato normalmente. Todos os outros tiveram seu mandato interrompido por
suicídio, renúncia, golpe. É nessa linha da história que me coloco. Hoje você
faz uma ruptura que coesiona pela negação do governo três grandes grupos
sociais.
BBC Brasil - Quais são eles?
Ciro Gomes - O primeiro é o do eleitor do Aécio, que nunca aceitou o
resultado da eleição. Desde o primeiro dia, esse grupo tem sido excitado a
negar (o governo), com o agravante, correto, de que o governo Dilma se
constitui em cima de uma grande farsa de marketing. A prática do governo é
completamente mentirosa em relação ao marketing da coisa.
Um segundo movimento vai dentro
dos eleitores dela. É o eleitor decepcionado com a crise. Nós temos uma
depressão no Brasil, a pior (que já vi). Isso é uma coisa violenta na cabeça do
nosso povo. Eu, concretamente, estou muito nessa razão aqui. Por fim, tem o (grupo) da
denúncia moral, que agravada pela crise econômica, acaba passionalizando o
ambiente. Esse conjunto de valores se reúne apenas para negar (o governo).
BBC Brasil - O que acontece com esses grupos se houver impeachment?
Ciro Gomes - No dia que esse impeachment for - espero que não
aconteça - consumado, esse conjunto se dissolve. Porque quem assume é uma
coalização de bandidos. Por desgraçada coincidência, a única pessoa que não
está citada em nenhum desses gravíssimos escândalos é a Dilma. O
vice-presidente está citado. O escândalo será inerente a essa turma que está
entrando. E o eleitor da oposição vai se frustrar rapidamente. Então, você vai
ter a mesma grave situação no Brasil só que com importantes bandas do país não
reconhecendo a institucionalidade do governo e provavelmente descambando para a
violência.
BBC Brasil - Você já chamou Michel
Temer de capitão do golpe. Como vê ele hoje no processo de impeachment?
Ciro Gomes - Ele é o capitão do golpe. É amigo íntimo do Eduardo
Cunha. (Um governo Temer) será a consumação do desastre. A elite que está
embalando a Fiesp acredita em (algo) que ele não tem a menor chance de
entregar. Todo esse papo furado, redução de impostos, de custos trabalhistas, é
tudo mentira. Zero chance de sequer propor. Ela vai ser contestado por MST,
CUT, UNE. Tudo o que é sociedade civil organizada que teve participação na vida
brasileira vai à luta. Eu mesmo vou lutar contra o governo ilegítimo. Quando saiu
o PMDB (do governo), as pessoas perceberam que o poder vai para Temer e Cunha.
Começa a circular a informação. E não há consenso. Ajudei a fazer o impeachment
de Collor e havia consenso.
BBC Brasil - Na sua opinião, o
impeachment será aprovado na Câmara?
Ciro Gomes - Na Câmara não passa.
BBC Brasil - Quando você fala em
“farsa de marketing”, se refere às promessas das eleições?
Ciro Gomes - Foi tudo o oposto (do prometido). É um desastre
completo. Mas volto a dizer: o presidencialismo permite que a presidenta mude
de caminho. Ela pode mudar a gestão da economia.
BBC Brasil - Hoje, sem apoio no
Congresso, ela consegue fazer isso?
Ciro Gomes - Só pode. O presidencialismo tem esse lado positivo.
Está na mão dela a plenitude dos poderes da Presidência. O que lhe impede de
administrar uma política econômica diferente?
BBC Brasil - Por meio de decretos?
Ciro Gomes - Boa parte. Deixei por escrito com ela um conjunto de
sugestões que não dependem da interação com o Congresso. São da esfera do poder
executivo.
BBC Brasil - Como vê a paralisia
da Dilma neste momento?
Ciro Gomes - Não consigo entender. Quando sai da catatonia, não ela,
mas o governo, sai para fazer bobagem. Cooptar deputado na base do suborno.
Isso vai nos igualando no plano moral com essa escória. Já é um erro ancestral
do governo. Não aceitei ser ministro do segundo governo do Lula, não aceitei
ser ministro dela. E não é porque sou moralista. É porque não ia dar certo.
Lembro que, brincando com ela no
primeiro mandato, já amargo, dizia: "Oh, presidente, isso não pode dar
certo. Mas, se der, quero trocar o meu anjo da guarda com o seu". Era
óbvio que não ia dar certo porque a responsabilidade ancestral é do seu Lula
brincando de Deus e colocando essa quadrilha na linha de sucessão do país.
BBC Brasil -Como vê o parecer do Jovair Arantes?
Ciro Gomes - Ele foi redigido por um advogado do Eduardo Cunha. Os
argumentos são razoáveis. Se você quiser sustentar uma crítica ao governo, você
consegue. Agora a questão é: me diga onde está demonstrado o crime de
responsabilidade? Essa é a questão. O governo fez pedalada fiscal? Não tenho a
menor dúvida que fez. Isso é uma manipulação contábil, não é caracterizada como
crime, nem sequer responsabilidade fiscal. É uma maquiagem contábil. Fernando
Henrique fez oito anos (disso), Lula fez oito anos. O Michel Temer fez.
BBC Brasil - E a possibilidade de
novas eleições?
Ciro Gomes - Isso é um contragolpe de república de banana, imposto
pela militância do marinismo, que não está dando corda de que ela vai ser
eleita presidente da República se a eleição for antecipada. É uma coisa que não
existe. Isso só poderia acontecer por emenda à Constituição. E qualquer um do
povo, qualquer prefeito, pela Constituição, pode arguir a inconstitucionalidade
disso junto ao STF. Provavelmente não haverá outra alternativa senão declarar
inconstitucional esta emenda.
BBC Brasil - Mas isso já está
sendo discutido como uma possibilidade viável pelo TSE.
Ciro Gomes - Isso é bobagem. A única chance de acontecer uma eleição
é para a Presidência da República é se o Tribunal Superior Eleitoral cassar a
chapa, declarar nulos os votos e ainda tudo acontecer neste ano. Sendo que, à
decisão do TSE, cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. Qualquer ministro que
queira tomar vista desse procedimento pode fazê-lo sem prazo para devolver ao
colegiado. O que quer dizer que, se isso for consumado até o fim deste ano, as
eleições acontecem de forma indireta pelo Congresso. Ou seja, teremos, sem
intermediários, Eduardo Cunha presidente da República. Por isso, é importante a
gente pressionar o governo para mudar de rumo. Persistir na regra, porque
amanhã um desses da oposição vai para o governo. O Brasil repete filmes velhos
porque a democracia não está madura. Olhe nos arquivos, o Fernando Henrique
Cardoso se elegeu mentindo para a população (em 1998). Ele toma posse do
segundo mandato e desvaloriza o câmbio, a inflação vai a 12%. E aí, merda
geral, Lula faz o pedido de impeachment. Quem recebeu o pedido foi o Michel
Temer! E eu aqui fora dizia: "isso é besteira".
BBC Brasil -O pedido de impeachment naquela época poderia ser considerado um golpe?
Ciro Gomes - Claro que era golpe! E eu ainda disse para o Lula
pessoalmente: "Não faça isso, rapaz. Deixe de ser irresponsável. Amanhã um
de nós vamos para Presidência da República, e esse pessoal vai inventar
qualquer coisa. Vão derrubar a gente com mais facilidade".
BBC Brasil - Como ele respondeu ao seu apelo?
Ciro Gomes - O Lula é um oportunista, sem nível. Naquela data, ainda
tinha a desculpa de que não tinha vivência nenhuma. Mas eu já estava lá
denunciando que interromper o governo que a gente não gosta...e eu tinha sido
candidato duro contra o Fernando Henrique.
BBC Brasil -Como a relação do PDT com o governo hoje, após saída do PMDB e mercadão
de apoio e as negociações em busca de apoios?
Ciro Gomes - Nós não queremos participar de mais nada, está muito
claro para nós. Estamos no governo. Já lá trás, antes dessa crise, o (Carlos)
Lupi foi comunicar a presidente de que nós provavelmente já teríamos candidato
próprio em 2018. E que, portanto, sentíamos a necessidade de sair do governo.
Ela fez um apelo grande para gente ficar. Ainda ontem (quarta-feira), conversei
com o Lupi e considero que temos que lutar pela questão da democracia.
Eu estou pelo valor superior da
democracia, porque conheço a Dilma. Ela é uma senhora honrada, mas tem uma
contradição original de ter herdado um governo mestiço feito pela frouxidão
moral do Lula. Agora, nós do PDT, não participaremos dessa discussão, vamos
votar disciplinadamente contra o impeachment, como posição do partido para
preservar a democracia.
Carregamos a memória do trabalhismo
brasileiro, da tragédia do Getúlio Vargas, do João Goulart. Isto posto, estou
defendendo que a gente saia do governo. O ideal para nós é: ganhar a batalha
pela democracia, preservar o mandato e comunicar à presidente que queremos
sair. É uma ideia do Lupi com meu entusiástico apoio. E agora vamos validá-lo
com os companheiros.
BBC Brasil - Além do impeachment,
há outros processos que ameaçam a estabilidade do governo...
Ciro Gomes - Não vamos para a oposição. Apenas não gostamos desse
governo e chega. Já pagamos o nosso preço. Tudo que puder ajudar vou continuar
ajudando, mas não quero ter responsabilidade de defender o indefensável. Qual é
a explicação para a taxa de juros a 14% no Brasil hoje?
BBC Brasil - O que achou do
convite de Dilma a Lula no ministério da Casa Civil?
Ciro Gomes - É o maior erro político da minha já longa vida pública.
O Lula tem direito a presunção de inocência e eu o considero inocente até que
alguém prove o contrário. Mas ele tem explicações a dar. Que história é essa do
tríplex? Eu, como professor de Direito, não vejo crime, vejo imoralidade.
Mas tem que explicar. E aí quem
está tomando a frente dessa investigação é um juiz visto como
"severo". Ainda que não seja, todo mundo vai dizer que (a nomeação) é
para fugir de um juiz "severo" e se omezinhar na república, com a
presunção de que isso garantiria a ele a impunidade. De passagem, acabou-se a
autoridade da presidente da República. Chamar o ex para fazer o quê? O que ele
vai fazer lá que ela não seria capaz de fazer? É uma confissão. E a sociedade
não aceita a desconstituição da liderança que lhe deu.
BBC Brasil - Você chegou a conversar com ela sobre isso?
Ciro
Gomes - Claro! Quando ela me
chama, falo com toda franqueza. Disse "por favor, me interrompa se lhe
incomodar, mas foi a pior ideia que já vi na minha vida". Ela fala qualquer
coisa. Solidariedade não é possível no espaço público. Por exemplo, vamos
montar uma força-tarefa para sequestrar o Lula se achar que ele vai ser preso
arbitrariamente. Vamos sequestrá-lo e entregar para uma embaixada estrangeira.
Qualquer coisa é possível, não pode é fazer o que foi feito.
BBC
Brasil - Seu nome estaria sendo cotado por Lula,
caso assumisse a Casa Civil, para o governo. Aceitaria o convite?
Ciro
Gomes - Em nenhuma hipótese. Não
só agora, já tinha dito com muito respeito à presidente: em nenhuma hipótese
participo desse governo.
BBC
Brasil - Qual
a sua relação com Lula? Em março, você apareceu em um vídeo dizendo que ele era
um merda.
Ciro
Gomes - Na verdade, falei porque
a menina disse que ele era um merda. Aí eu disse: é um merda, mas tem direito a
se defender. Tiraram um pedacinho.. Tenho hoje muita decepção com o Lula.
BBC
Brasil - Vocês têm contato?
Ciro
Gomes - Não. Me afastei há algum
tempo. Já falei muitas vezes, o Lula virou Deus e se autorizou a fazer o que
quisesse. Como se fosse realmente o Deus, ao qual todos os súditos só teriam
que agradecer pelo privilégio de ele pisar na cabeça das pessoas. E começou a
fazer bobagem.. Se um presidente da República quisesse ser corrupto, não é um
tríplex cafona numa praia cafona, que seria objeto da corrupção. Uma informação
privilegiada que Fernando Henrique deu os bancos em 1999 custou US$ 16 bilhões
ao país.
BBC
Brasil - Esses
equívocos do Lula vêm desde o primeiro mandato?
Ciro
Gomes - No primeiro mandato ele
resistiu. Zé Dirceu enchia o saco para fazer o acordo com o PDMB orgânico e eu
nunca aceitei. Lula bancava, porque não queria. No segundo mandato já resolveu
(aceitar) e eu não aceitei mais. Não tenho mais afinidade...acho que ele é
grande responsável sobre essa tragédia que está se abatendo sobre o país.
BBC
Brasil - Você foi alvo de um post do Facebook do
Movimento Endireita Brasil, que ofereceu R$ 1 mil para que te hostilizassem em
um restaurante de São Paulo. Como vê a polarização política no país?
Ciro
Gomes - A polarização política é
uma coisa boa para o país. Não é isso que está acontecendo. O que está
acontecendo é que o fascismo saiu do armário. Ele estava na moita por conta da
memória da ditadura. É irrelevante, mas saiu do armário. A parte que faz esse
tipo de coisa é minúscula. Evidente que o conservadorismo é mais amplo, mas
violência física é uma minoria. Eles se autodenominam manifestantes e acham que
podem ir na porta de um ministro do STF 1h30 da manhã gritar impropérios. Não
pode, isto é crime. Eu, presidente da República, tinha pedido para a Polícia
Federal abrir um inquérito e estava todo mundo presinho da silva. Esses
grupeiros expõem meu número pessoal. Mas é tudo frouxo. São todos fascistinhas,
com problemas sérios de carinho em casa.
BBC
Brasil - Você ainda está pensando em ser
candidato em 2018?
Ciro
Gomes - Quando começou essa
crise, estava num momento pessoal em que pensava se não era a hora de me dar
uma vida privada. Pela primeira vez, aceito um emprego na iniciativa privada.
Pela primeira vez, alguém paga um salário que acho que mereço e nunca recebi. E
aí, enfim, estou bem, tranquilo, feliz. Tenho 58 anos. Fiquei pensando nisso e
tomei a decisão, de vir para São Paulo, aceitar um emprego aqui. Às vezes vou
para o trabalho a pé, não tenho carro. Ninguém tem nada a ver com a minha vida.
E aí vem a confusão e o Lupi me procura. Acho que não posso me omitir. A
questão básica é a seguinte: é uma honra muito grande servir ao país e se eu
for (candidato), vou para fazer história.(BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário