
Se Temer assumir o comando do
país, a Constituição prevê que o chefe da Câmara passará a ocupar interinamente
seu cargo nos momentos em que o presidente estiver fora do país, em
compromissos internacionais.
Outro artigo da Constituição, no
entanto, pode servir para barrar essa possibilidade, acreditam alguns juristas.
Se Dilma for afastada, a questão provavelmente será levada ao Supremo Tribunal
Federal (STF), que terá que decidir se Cunha pode ou não assumir a Presidência
em caso de ausência de Temer.
O artigo 86 da Carta Magna
estabelece que, "admitida a acusação contra o Presidente da República, por
dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado
Federal, nos crimes de responsabilidade".
Já o parágrafo primeiro desse
mesmo artigo acrescenta que o "Presidente ficará suspenso de suas funções
nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo
Supremo Tribunal Federal".
Em outras palavras, o presidente
eleito fica afastado do cargo ao virar réu em ação criminal. O raciocínio seria
o seguinte: se o presidente é afastado caso o STF o torne réu, como Cunha, que
já está nessa posição, poderia assumir a Presidência do país?
"É o tipo do caso que a
judicialização é benéfica. O Supremo teria que ser consultado para esclarecer
quem ficaria no lugar do presidente em caso de viagem. Teria que decidir se a
posição processual que ele (Cunha) tiver no momento da viagem o impede de assumir
a Presidência", afirma José Gregori, ex-ministro da Justiça do governo
Fernando Henrique Cardoso.
O próprio ministro do STF Gilmar
Mendes aventou a possibilidade dessa discussão, ao ser questionado por
jornalistas. "O que eu disse foi questão
da possibilidade de assumir ou não em substituição (a Temer). O que eu disse é
que tinha que reparar como seria interpretado o artigo 86 (da Constituição) que
diz que, no caso de presidente da República, recebida a denúncia é afastada,
depois da licença da Câmara. Teria que saber se isso seria aplicado e como
seria", disse, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
O constitucionalista Ives Gandra,
por sua vez, acredita que os casos são totalmente diferentes e que o artigo 86
não se aplicaria ao presidente da Câmara. Isso porque, no caso de Cunha, a
denúncia que foi aceita pelo STF não foi autorizada por dois terços da Câmara
antes – e nem isso seria possível, pois o artigo refere-se ao presidente da
República.
"Essa hipótese do parágrafo
primeiro é vinculada ao caput (o texto inicial) do artigo. Então a origem dessa
possibilidade é a admissão da acusação pela Câmara por dois terços. Essa tese
(de que Cunha não poderia assumir a Presidência por ser réu) não passaria no
Supremo", disse.
"O Cunha está sendo
denunciado no STF. Mas enquanto ele não perdeu o mandato, ele exerce todas as
suas funções em plenitude, inclusive aquela de poder substituir interinamente o
presidente nas viagens que ele fizer", acrescentou. Para Gregori, Temer, caso assuma
"numa situação como essa", deve evitar deixar o país, a não ser que
haja uma "necessidade imperativa".
Pedido de afastamento - Cunha foi tornado réu em uma ação que o
acusa de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em uma operação irregular de
venda de sondas para a Petrobras. Ele também foi denunciado pelo fato de ter
ocultado milhões de dólares em contas na Suíça, mas o Supremo ainda não decidiu
se também abrirá esse processo.
Independentemente de uma nova
consulta ser realizada ao STF sobre a possibilidade de Cunha ser presidente
interino do país, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já apresentou ao
Supremo em dezembro um pedido de afastamento de Cunha do cargo de presidente da
Câmara e de seu mandato de deputado. O argumento é que ele usa o cargo para
atrapalhar investigações contra si na Justiça e no Conselho de Ética da Câmara.
Até agora, no entanto, o Supremo
não tomou uma decisão. O relator do caso, ministro Teori Zavascki, disse na
terça-feira a jornalistas que ainda não há previsão de quando levará a questão
para análise dos colegas. "Estou examinando", afirmou.
Já o ministro Gilmar Mendes
indicou, ao falar com a imprensa, que a demora poderia ter relação com falta de
elementos suficientes para afastar Cunha no pedido apresentado pela PGR.
"Teori até hoje não trouxe porque não vislumbrou os pressupostos para
isso", disse.
Para o professor da faculdade de
Direito da FGV-Rio Ivar Hartmann, já há motivos suficientes para o STF afastar
Cunha da Presidência da Câmara. Ele critica o fato de até hoje a Corte não ter
tomado uma decisão.
"Uma coisa é o Supremo achar
que não tem motivo para afastar o Cunha. Outra coisa é o Supremo segurar a
decisão para decidir quando quiser. Se o Supremo não acha que hoje tem motivo
para afastá-lo, tem que decidir hoje não afastar. Essa é um das coisas bastante
problemáticas do excesso de poder que o Supremo tem", afirmou.
"Cunha já demonstrou má fé
na condução dos trabalhos da Câmara, principalmente para se proteger do
processo no Conselho de Ética contra ele. Não é compatível um presidente da
Câmara ser réu por um processo criminal. Ele se tornar o segundo da linha
sucessória do país é apenas mais um motivo para afastá-lo", acrescenta o
professor.
Já na visão de Gandra, o pedido
do procurador-geral da República é improcedente. "Esse pedido de afastamento
é indevido, porque na prática quem tem que afastar (Cunha) é a própria Câmara
dos Deputados. Ele pode ser julgado pelo STF, mas (a Corte) não (pode)
interferir politicamente numa decisão que é da competência exclusiva da
Câmara", argumentou.
Anistia? - Após a votação de domingo passado, em que a Câmara
decidiu autorizar o andamento do processo de impeachment no Senado, deputados
aliados de Cunha têm defendido que ele seja "anistiado" no julgamento
do Conselho de Ética.
Osmar Serraglio (PMDB-PR), Carlos
Marum (PMDB-MS) e Paulinho da Força (Solidariedade-SP) já deram declarações
dizendo que consideram a cassação de Cunha uma punição exagerada.
O peemedebista foi denunciado ao
Conselho em outubro por PSOL e Rede sob acusação de ter mentido sobre ser dono
de milhões de dólares em contas secretas na Suíça. No limite, esse processo
pode levar à cassação do seu mandato.
O julgamento, porém, tem demorado
devido a inúmeras manobras do presidente da Câmara e de seus aliados. Um deles,
o vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), decidiu ontem restringir a
amplitude das investigações, por exemplo, impedindo que provas levantadas pela
Lava Jato possam ser usadas no processo.
O presidente da Câmara argumenta
que não é dono do dinheiro depositado na Suíça, mas apenas beneficiário dos
recursos. "Do ponto de vista político, queiramos ou não, nos agrade ou nos
desagrade, ele é um dos vencedores de domingo. É um cara que venceu uma parada
dificílima e com isso mostrou prestígio e argúcia", afirma Gregori.
"Agora, do ponto de vista
objetivo, é difícil, num critério medianamente justo, achar que ele seja
inocente do problema de ter dinheiro lá fora. Porque realmente a desculpa de
que o dinheiro não é dele, mas de uma pessoa jurídica que ele criou, é
realmente fraca", ressaltou o ex-ministro da Justiça.
E se Cunha não puder assumir? - "Caso o Supremo decida que Cunha não
pode assumir (a Presidência), o próprio Supremo vai dizer quem pode",
observou Gregori. Pela ordem sucessória estabelecida na Constituição, quem
assumiria em caso de impedimento de Cunha seria o presidente do Senado, Renan
Calheiros.
Calheiros não é réu em ação penal
do STF, mas responde a um processo por improbidade administrativa em primeira
instância da Justiça Federal. Em junho passado, a Justiça
Federal de Brasília aceitou denúncia contra Calheiros sob acusação de que ele
teria recebido propina da construtora Mendes Junior para pagar despesas de
Mônica Veloso, com quem teve uma filha, fruto de uma relação extraconjugal.
Improbidade administrativa não é
crime – por isso nesse caso não há foro privilegiado e Calheiros pode ser
julgado em primeira instância. Há também uma denúncia criminal contra ele pelo
mesmo caso no STF, mas seu recebimento ainda não foi julgado, apesar de o caso
remontar a 2007. Caso nenhum dos dois, Cunha e
Calheiros, possa assumir a Presidência, seria chamado a exercer o cargo o
presidente do STF, o ministro Ricardo Lewandowski. (BBC)
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