sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

LITERATURA CEARENSE: O DATA SHOW - Usos e abusos na sala de aula (Leunam Gomes)

Parece que virou moda. Há contratados de institutos que oferecem cursos de graduação que só são capazes de dar aulas se estiverem apoiados em um datashow. Já aconteceram casos de um desses “professores” dizer que só daria aulas se contasse com o equipamento. E aí os coordenadores locais puxam os cabelos à procura daquilo que antes era apenas um auxiliar dos professores. Os papéis se inverteram. Os tais “professores” viraram auxiliares dos datashows. O contratado tem apenas de fazer as conexões com o computador, ligá-los à corrente elétrica, instalar o pen drive e ficar ali deslizando os dedos nas teclas, passando as imagens ou os textos.
Quando se trata de um texto, o contratado, pois não merece o título de professor, vai lendo para os alunos que começam a cochilar diante daquela monotonia. Sequer a turma é convidada a participar da leitura. Algum tempo depois, os alunos são liberados da “tortura” e saem das salas da mesma forma como entraram.  E o professor sai feliz porque se demonstrou atualizado com a tecnologia. Muitos até ainda imaginam que aquele recurso tecnológico é uma grande novidade no Interior.

Ora, Paulo Freire, ao implantar o seu revolucionário Método de Alfabetização de Adultos, adotava o que havia de mais moderno à época que era o projetor de slids, o precursor do data-show. Aquela projeção era apenas para ampliar o tamanho de uma imagem fixa que representava a palavra geradora que deflagrava um grande debate no “Círculo de Cultura” como passou a ser chamada a sala de aula. Era o reconhecimento de que todos ali sabiam, trocavam conhecimentos e aprendiam mais uns com os outros.

Como não havia um livro a ser seguido, visto que cada encontro tomava por base uma palavra geradora, oriunda do universo vocabular do grupo, aquele projetor era apenas um apoio. Se o tema gerador era FAMILIA, projetava uma imagem em que se identificava facilmente o pai, a mãe e alguns filhos. Em torno daquela imagem produzia-se um grande debate em que cada pessoa era estimulada a falar. Cada um fazia o seu relato, mostrava a sua visão sobre família. O alfabetizador, devidamente preparado, conduzia a discussão. Aquilo era o “circulo de cultura”. O importante era que se aprofundasse o máximo possível a conversa em torno do tema gerador, exibida pelo projetor de slid.

Na etapa seguinte, aparecia a palavra FAMILIA, projetada na parede. E aí se fazia a associação entre o tema debatido e a sua representação escrita. Todos eram convidados a ler aquela palavra com a qual todos já mantinham uma certa intimidade em decorrência da conversa anterior. Liam e reliam, em conjunto ou individualmente, aquela palavra. O professor não tomava o lugar dos alunos, lendo a palavra por eles, mas com eles, pacientemente.

Na fase seguinte, a palavra era decomposta de acordo com a quantidade de vezes que se abria a boca para pronunciá-la. E aí o alfabetizador mostrava a palavra: fa-mí-li-a. A seguir mostrava a família de cada pedaço da palavra. A família do FA: Fa, Fe, Fi, Fo Fu. E assim por diante. E com o pedacinho de uma palavra (silaba) e o pedacinho de outra surgiam novas palavras. Era a grande descoberta. O conhecimento era construído no Círculo de Cultura.

O projetor de slid tinha uma função apenas de apoio para provocar a discussão, a conversa, a troca de experiências. Bem diferente da forma como o datashow tem sido usado.

Como professor, só tenho feito uso de um datashow quando as minhas palavras e as do grupo de alunos não são suficientes para mostrar uma realidade ou, no máximo, para complementar uma informação. Acho, por exemplo, que um filme sobre o rio Amazonas dirá muito melhor sobre o volume de suas águas do que as palavras, especialmente em nossa região de pequenos riachos, por mais que sejam exageradas. Os alunos tenderão a imaginar conforme o que conhecem. O filme ou uma série de fotos dirão muito melhor.

Nada contra a tecnologia e seu uso na sala de aula, mas não pode funcionar para bloquear a participação dos alunos. São eles que estão no processo de aprendizagem. Sem participação não há aprendizagem. Eles percebem quando estão sendo iludidos, ou melhor, quando tentam iludi-los.

Os efeitos dos professores datashow já se fazem sentir. Acadêmicos que não sabem ler, nem escrever. Se não são estimulados a participar, vão acomodando-se alguns e rebelando-se outros.  E o mercado seleciona. Os concursos estão provando. Só o diploma não salva.

Ao ministrar uma disciplina num curso de Pós-Graduação, recentemente, para estimular a participação dos alunos, pedi que cada um dissesse para o grupo qual o último livro que leu e que recomendaria aos colegas. Uma decepção. Havia quem nunca tivesse lido um livro.

O datashow não, por si mesmo, não gera participação. Não estimula a leitura. Do jeito que as coisas estão andando, não será surpresa se, num dia em que o articulador local estiver aguardando a chegada de um novo professor, tenha que receber apenas um pen drive ou um “CD”. 

(*)  Leunam Gomes  publicou este artigo em jornais e, posteriormente, no seu livro PROFESSOR COM PRAZER.



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