sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

LITERATURA CEARENSE: Qual era o segredo? Educação Biocêntrica (Prof. Leunam Gomes*)


De 1989 a 1994, tive a oportunidade de exercer o cargo de Secretário de Educação em três municípios: Croatá, Poranga e Guaraciaba do Norte. Uma realidade totalmente adversa da atual. Não tínhamos Fundef ou Fundeb. Não tínhamos livros didáticos. Merenda escolar, uma raridade. Quando chegava, a merenda era composta por produtos alheios aos nossos costumes. A serra da Ibiapaba recebia mel e rapadura produzidos em Santa Catarina. E os professores? Noventa por cento só possuíam a quarta série. Raríssimos eram os que haviam concluído o segundo grau, atual nível médio. A remuneração era ínfima. Encontrar professores com curso superior era, praticamente impossível.

Ao aceitar o convite, fiz uma exigência: que a menor remuneração dos professores fosse o salário mínimo para aqueles que possuíam a quarta série. Até então, a remuneração dos professores equivalia a dez por cento do salário mínimo. Quem tivesse grau de instrução mais elevado, receberia remuneração compatível. Isso fez uma grande diferença. Era uma forma de valorizar os profissionais da educação. Mas não foi o principal. Os professores, aprovados em concurso, de acordo com os níveis de estudos disponíveis, receberam formação especial centrada na valorização dos alunos, da família, da comunidade, da vida. Nenhum professor tinha curso superior. Em Croatá, por exemplo, apenas oito com nível médio. E todos juntos fizeram uma revolução. Os alunos aprendiam, e não havia evasão.


Qual foi o segredo? Para nós não era segredo. Era o óbvio que devia ser feito e estava sendo feito. Tudo desenvolvido, tendo como base a participação. A formação inicial dos professores era desenvolvida, adotando-se as técnicas de comunicação e dinâmica de grupo. O relacionamento, nos grupos, era a tônica principal. Saiu-se da rotina de aulas monótonas e cansativas para aulas que expressavam vida, participação. Os professores, durante o período de treinamento, eram, de fato, os agentes do processo de aprendizagem. Queríamos que eles mesmos aprendessem – a partir da participação -, para, depois, aplicarem os conhecimentos adquiridos, em suas salas de aula, com os futuros alunos.

As avaliações feitas sobre a metodologia adotada, na formação dos professores, registravam alto índice de satisfação. Mas, quando perguntávamos se era possível aplicar aquela sistemática na sala de aula, os professores hesitavam. Sabiam que agradaria, mas não tinham ainda segurança para aplicá-la. Para apoiá-los na implantação da nova metodologia, escrevemos e distribuímos um “roteiro para os primeiros dias de aula”. Ali estava escrito, desde a preparação da sala de aula até as formas de trabalho em grupo. Foi um sucesso. A satisfação dos alunos contagiou os professores e suas famílias.

Daí para frente tudo se tornou mais fácil. As inovações foram adotadas pela convicção de sua importância, e não por ser uma determinação da Secretaria de Educação. E a escola passou a despertar a atenção de todos. Pais e mães passaram a comparecer, em massa, às reuniões a que eram convidados. O exercício constante da participação gerou a mudança.

Atualmente, as escolas contam com professores titulados, livros em abundância, laboratórios, computadores, vários incentivos e, no entanto, as queixas são de que os alunos não aprendem a ler e a escrever. Algum tempo depois, descobri que tudo aquilo que fazíamos, hoje tem o nome de Educação Biocêntrica. Era o caminho da reflexão, do diálogo, da participação, das vivências, sob a influência das ideias de Paulo Freire, Edgar Morin e Rolando Toro, psicólogo chileno, criador da Biodança, e concebido e estruturado pela Psicopedagoga cearense Ruth Cavalcante que propôs o nome de Educação Biocêntrica àquela nova concepção. Com a contribuição do psicólogo Cézar Wagner. Educação Biocêntrica foi, portanto, o nome do caminho que percorremos, pela convicção de que, quando há respeito à comunidade escolar, tudo se torna mais fácil e a escola passa a ter mais vida.


(*) Leunam Gomes – Professor, ex pró-Reitor de Extensão da UVA.Autor do livro PROFESSOR COM PRAZER

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