Eurico Ferreira é vendedor de livros em São Paulo. Elizangela Santos,
faxineira em Pernambuco. Sabrina Amaral, professora no Rio Grande do Sul. Eles
têm posições políticas e histórias diferentes, mas em outubro podem agir da
mesma forma perante a urna eletrônica: votar nulo para presidente. É a primeira
vez que eles pretendem fazer isso.
Eles não estão sozinhos. Segundo a última sondagem do Datafolha, feita
entre 29 e 30 de janeiro, 1 de cada 3 brasileiros (32%) pretende anular o voto
para presidente nas próximas eleições - o que ocorre em um cenário sem os nomes
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva (Rede) na disputa. É o maior
percentual já registrado pelo instituto de pesquisa no começo do ano eleitoral.
Antes disso, o percentual mais alto de brancos e nulos em pesquisas
havia aparecido nas eleições 2014, com Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB)
e Eduardo Campos (PSC) - 19%.
Por trás desse
recorde, estão diversas razões para o voto nulo. Eurico se decepcionou com a
política e acredita que os políticos são corruptos. Elizangela vai anular o
voto se Lula não puder concorrer devido à condenação em segunda instância por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que pode enquadrá-lo na Lei da Ficha
Limpa. E Sabrina não vota em ninguém a não ser Marina Silva.
Esses são os três
principais perfis de voto nulo registrado na pesquisa do Datafolha.
Mulheres nordestinas
são um dos bastiões de Lula - Segundo o Datafolha, um em cada dez eleitores brasileiros anularia o
voto caso Lula não seja candidato. A diarista Elizangela Ferreira, de 45 anos,
é um deles. "Não tenho por que votar em outro candidato além de
Lula", diz.
Moradora de Beberibe, periferia de Recife, ela está desempregada e vive
de diárias esporádicas de faxina. Recebe R$ 132 mensais do Bolsa Família. Nunca
foi de nenhum partido.
O Datafolha perguntou qual a intenção de voto dos eleitores em
diferentes cenários, variando quem são os candidatos na disputa. Com Lula, o
percentual de pessoas que disseram votar branco ou nulo é de 14%. Já sem o
petista, e com os mesmos demais candidatos, a intenção de voto branco ou nulo
sobe para 24% - um aumento de 10 pontos percentuais.
Os órfãos da
candidatura de Lula são justamente como Elizangela: a maior parte é mulher, com
45 anos ou mais, baixa escolaridade e baixa renda, de acordo com a sondagem
eleitoral. E, sobretudo, do Nordeste. Na região de origem do ex-presidente
Lula, o percentual de eleitores que votaria branco ou nulo sobe de 12% para 31%
quando o nome do petista não é incluído - crescimento de 19 pontos percentuais.
"Acho o Lula
maravilhoso. O que ele fez, se foi condenado ou não, nada disso vai mudar o que
acho dele, eu sempre vou apoiá-lo", fala Elizangela.
A diarista diz que
sua vida melhorou durante os governos petistas. Antes, morava em uma casa que
tinha apenas sua cama, um berço e uma caixa de papelão onde guardava as roupas.
"Eu não tinha nada." Depois, sob Lula, conseguiu certa estabilidade
econômica que lhe permitiu financiar a compra de bens de consumo. "Existem
o pobre e o miserável. Eu sou pobre, mas tenho minhas coisinhas, uma TV,
máquina de lavar, fogão", conta.
A pensionista Zulmira
Lopes Diniz, de 57 anos, paraibana de Barra de Santa Rosa, pensa de forma
parecida. "Se não for o Lula, eu vou votar nulo", diz. Viúva, ela
vive de uma pensão de menos de dois salários mínimos e estudou até a quarta
série do Ensino Fundamental.
"Eu só confio
nas coisas do Lula. Não acompanho muito política, não sou ligada. Mas vi na
época do Lula que seu governo foi bem melhor para o nosso Nordeste. Os outros
que estão aí esqueceram de vez do povo, como vamos gostar?", fala Zulmira.
Votos nulos se Marina
não concorrer - O aumento de brancos e nulos é um fenômeno que ultrapassa Lula.
A ausência de Marina Silva entre os candidatos também faz o eleitor perder o
interesse na eleição. Em um cenário sem o petista e sem a ex-senadora, o
percentual chega a 32%.
Marina é
pré-candidata pela Rede. Mesmo assim, o Datafolha considerou o cenário sem a
ex-senadora porque é aventada a possibilidade de Joaquim Barbosa, ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal, encabeçar uma chapa com ela. Mesmo sendo pouco provável, a ausência de Marina e a consequente alta de
votos nulos aponta para uma forte identificação entre ela e seus eleitores.
A professora Sabrina Amaral, de 36 anos, está entre as pessoas que dizem
votar nulo se a ex-ministra do Meio Ambiente não concorrer. "Não me agrada
o voto nulo, porém a realidade brasileira posta até agora me faz tomar esta
difícil decisão. No entanto, com Marina, sua ética e com seu programa que
debate o Brasil, com propostas, o pleito eleitoral fica mais tragável."
"Considero o voto nulo um ato muito extremo. Porém, infelizmente
nosso país precisa de certos posicionamentos para acordar", completa
Sabrina.
Nem Lula nem
Bolsonaro - Além de órfãos de Lula e apoiadores de Marina, os votos brancos e nulos
estão recheados de eleitores desiludidos da política, que não se encaixam em
nenhum dos dois polos opostos apresentados: Lula ou Bolsonaro.
Segundo análise do Ibope a pedido da revista Piauí, entre 16% e 18% dos
eleitores dizem anular o voto, e, ao mesmo tempo, não estão dispostos a votar
nem em Lula nem em Bolsonaro.
É o caso do livreiro Eurico Ferreira, de 58 anos. Morador da Bela Vista,
bairro do centro de São Paulo, ele diz que nos últimos anos se desencantou com
os políticos brasileiros. "Não acredito em nenhum, todos são ladrões. É
uma decepção atrás da outra."
Ferreira se considera
de esquerda no espectro político, já votou em candidatos do PT, mas não
acredita mais no partido liderado por Lula. "O erro dos petistas foi se
alinhar com o PMDB (atual MDB)".
As posições radicais
de Jair Bolsonaro também não lhe seduzem. "Ele não tem a menor condição de
governar um país", diz.
Recorde de votos
nulos e brancos - O cenário pesquisado pelo Datafolha que registrou o recorde de 32% de
votos nulos tem os seguintes candidatos: Jair Bolsonaro na liderança, com 20%,
seguido de Ciro Gomes (PDT), com 13%, Geraldo Alckmin (PSDB), com 11%, e Álvaro
Dias (Podemos), com 6%. Além disso, Manuela D'Ávila (PCdoB) e Fernando Collor
de Mello (PTC), com 3% cada; Jaques Wagner (PT) e Henrique Meirelles (PSD), com
2% cada; Paulo Rabello de Castro (PSC), Guilherme Boulos (sem partido) e João
Amoêdo (Partido Novo), com 1% cada.
O Datafolha fez 2.826 entrevistas em 174 municípios. A margem de erro é
de dois pontos para mais ou menos. A pesquisa foi registrada no Tribunal
Superior Eleitoral com o número BR 05351/2018.
Para Mauro Paulino, diretor do instituto, é possível que essas eleições
tenham o maior percentual de votos em branco ou nulo. "Vários indicadores
mostram que eleitores não estão satisfeitos com candidatos e partidos. É
difícil de prever, mas não será surpresa se a gente tiver a maior taxa de
brancos e nulos desde a volta das eleições diretas", afirma.
Nas eleições presidenciais de 2014, os brancos e nulos somaram 9,6% dos
votos. O maior percentual já registrado foi de 19%, nas eleições de 1994.
O altíssimo percentual de votos brancos e nulos registrado em um dos
cenários do Datafolha, porém, não deve se manter. Primeiro, por causa da
provável candidatura de Marina Silva. Segundo, caso Lula realmente fique fora
da corrida eleitoral, a tendência é que parte dos seus apoiadores que declaram
que votariam nulo migrem para outros candidatos. Principalmente, para quem for
indicado pelo petista.
O mesmo perfil de eleitores que vota nulo em uma disputa sem Lula -
mulheres, de meia idade, nordestina, de baixa renda e baixa escolaridade -
também é o que mais diz que votaria em um candidato apoiado pelo petista, de acordo
com os dados do Datafolha.
"As coisas para o Lula não estão fáceis. Mas eu acho que ele vai
apontar alguém para ser seu candidato. A pessoa que ele apontar, eu
apoio", fala a pensionista Zulmira.
Além disso, os postulantes à Presidência vão tentar conquistar corações
e mentes de eleitores como Evaristo, que dizem não votar sob hipótese nenhuma
em Lula ou em Bolsonaro. A estratégia vai variar: desde candidatos que se
apresentem como novos, até quem prometa recuperar a economia.
O vendedor de livros, porém, está irredutível: "Votar no Brasil é
inútil. Não vou dar meu aval para um político roubar a população", diz.
(BBC)
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