O Facebook sofreu um
forte abalo no último sábado com a revelação de que as informações de mais de
50 milhões de pessoas foram utilizadas sem o consentimento delas pela empresa
americana Cambridge Analytica para fazer propaganda política.
A empresa teria tido acesso ao volume de dados ao lançar um aplicativo
de teste psicológico na rede social. Aqueles usuários do Facebook que
participaram do teste acabaram por entregar à Cambridge Analytica não apenas
suas informações, mas os dados referentes aos amigos do perfil.
A denúncia, feita pelos jornais The New York Times e The Guardian,
levantou dúvidas sobre a transparência e o compromisso da empresa com a
proteção de dados dos usuários.
O escândalo gerou nova onda negativa contra a empresa – já sob
questionamento pela proliferação de notícias falsas nas eleições americanas.
Na segunda-feira, dois dias após a publicação, o valor do Facebook encolheu US$ 35 bilhões (ou
aproximadamente R$ 115,5 bilhões) na bolsa de valores de tecnologia dos EUA.
A empresa também entrou na mira de autoridades nos Estados Unidos e no
Reino Unido. O deputado britânico Damian Collins convocou o CEO do Facebook,
Mark Zuckerberg, para depor diante de um comitê legislativo – ele tem até 26 de
março para responder. As autoridades também estão trabalhando para conseguir um
mandado de busca e apreensão para entrar na sede da Cambridge Analytica e
recolher material que ajude a elucidar o caso.
Nos EUA, a senadora Amy Klobuchar também tem feito pressão para que
Zuckerberg deponha ao senado para dar explicações
Mas afinal, que vazamento foi esse? Como ele ajudou a fazer manipulação
política e qual a responsabilidade do Facebook? A BBC Brasil reuniu as
informações mais cruciais para você entender o escândalo e seus desdobramentos.
Cambridge Analytica:
que empresa é essa? - A Cambridge Analytica é uma empresa de análise de dados que trabalhou
com o time responsável para campanha do republicano Donald Trump nas eleições
de 2016, nos Estados Unidos.
Segundo o jornal The Guardian, na Europa a empresa foi contratada pelo
grupo que promovia o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia). A
Cambridge Analytica nega e afirma que nunca trabalhou para a campanha do
Brexit.
A empresa é propriedade do bilionário do mercado financeiro Robert
Mercer e era presidida, à época, por Steve Bannon, então principal assessor de
Trump.
A Cambridge Analytica
teria comprado acesso a informações pessoais de usuários do Facebook e usado
esses dados para criar um sistema que permitiu predizer e influenciar as
escolhas dos eleitores nas urnas, segundo a investigação dos jornais The
Guardian e The New York Times.
Na noite de segunda,
a rede de TV britânica Channel 4 veiculou uma reportagem em que o
diretor-executivo da Cambridge Analytica, Alexander Nix, foi filmado
conversando sobre uso de suborno, ex-espiões e prostitutas para encurralar
políticos.
Um repórter se apresentou como potencial cliente e obteve as
informações. A Cambridge Analytica disse que o Channel 4 "interpretou
errado" a conversa registrada pelas câmeras.
Na noite desta terça-feira, porém, a Cambridge Analytica afirmou que Nix
foi suspenso da diretoria e que seus comentários, registrados pela reportagem
do Channel 4, "não representam os valores ou a operação da empresa".
Como os dados foram
obtidos? - Um ex-funcionário da empresa, Christopher Wylie, revelou ao Guardian que
o esquema começou em 2014, dois anos antes da eleição americana de 2016 e três
anos antes do Brexit.
As informações dos usuários do Facebook foram coletadas por um
aplicativo chamado thisisyourdigitallife (essa é sua vida digital, em
português), que pagou a centenas de milhares de usuários pequenas quantias para
que eles fizessem um teste de personalidade e concordassem em ter seus dados
coletados para uso acadêmico.
O aplicativo foi desenvolvido por Aleksandr Kogan, pesquisador da
Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Ele já tinha uma pesquisa sobre como
deduzir a personalidade e as inclinações políticas das pessoas a partir de seus
perfis no Facebook. A Cambridge Analytica – que não tem relação nenhuma com a
Universidade de Cambridge – teria comprado os dados coletados por ele.
Além da óbvia questão
de que muitos usuários não leem os longos termos e condições e mal sabem que
estão dando suas informações para os desenvolvedores desses testes, o grande
problema foi que o aplicativo também coletou as informações dos amigos de Facebook
das pessoas que fizeram o teste. Ou seja, se uma pessoa respondesse o quiz,
estaria entregando informações privadas não apenas do seu perfil, mas também
dos seus amigos.
Quais
dados foram coletados? - Os dados incluíam detalhes sobre a identidade das pessoas – como nome,
profissão, local de moradia – seus gostos e hábitos e sua rede de contatos. Os
usuários do aplicativo não faziam ideia de que isso tudo seria usado para
ajudar a eleger Donald Trump.
O aplicativo se aproveitou de uma "brecha" nas normas do
Facebook – à época, a política da plataforma permitia à aplicativos externos a
coleta de dados de amigos das pessoas, mas dizia que eles deveriam ser usados
apenas para melhorar a experiência do próprio usuário no aplicativo.
Era proibido que os dados fossem vendidos ou usados para propaganda –
mas não havia controle do Facebook sobre esse uso. Posteriormente à revelação do escândalo, alguns executivos da empresa
reclamaram no Twitter do uso da palavra "vazamento" no caso
envolvendo a Cambridge Analytica, já que na prática a plataforma não foi
hackeada. A empresa não precisou "invadir" a rede social para ter
acesso às informações – conseguiu os dados de maneira legítima e, depois,
desrespeitou as regras do Facebook sobre como poderia usá-los.
De qualquer forma, milhões de informações de pessoas que não deram seu
consentimento acabaram sendo usadas para fins políticos.
Para
que os dados foram usados? - Christopher Wylie afirma que, como 270 mil pessoas fizeram o teste de
personalidade, por meio do acesso à rede de amigos dessas pessoas, os dados de
cerca de 50 milhões de usuários foram coletados, sem autorização. A maioria dos
usuários seriam eleitores norte-americanos.
De acordo com Wylie, os dados vendidos à Cambridge Analytica teriam sido
usados para catalogar o perfil das pessoas e, então, direcionar, de forma mais
personalizada, materiais pró-Trump e mensagens contrárias à adversária dele, a
democrata Hillary Clinton.
A base de dados
coletada é uma ferramenta poderosa porque permite que as campanhas identifiquem
pessoas que estão em dúvida e direcionem a elas mensagens com maior
probabilidade de convencê-las.
"Fornecer a
informação certa à pessoa certa, no momento certo é mais importante do que
nunca", afirma uma propaganda da Cambridge Analytica sobre marketing
eleitoral.
A empresa nega que tenha usado dados do Facebook como parte dos serviços
que forneceu à campanha de Donald Trump para a presidência.
Quem é o informante? - Christopher Wylie é um canadense, de 28 anos, especializado em análise
de dados. Ele trabalhou para a Cambridge Analytica para projetar e emplementar
o plano de uso de dados do Facebook.
Ele mostrou um dossiê cheio de evidências sobre o mau uso dos dados para
o Guardian, com e-mails, mensagens de voz, contratos e transferências bancárias
que revelam a coleta de dados dos usuários. As informações também foram passadas
para autoridades britânicas e americanas.
A jornalista Carole Cadwalladr – que assina tanto a reportagem no jornal
britânico quanto a do New York Times – conversou com ele durante meses antes da
publicação das notícias.
Ela descreveu que o
próprio Wylie se enxerga como um "gay canadense e vegano que, sabe-se lá
como, acabou criando a ferramenta de guerra mental e psicológica de Steve
Bannon". Segundo a jornalista, no último ano ele tem tentado desfazer os
eventos – a vitória de Trump e o Brexit – que ajudou a concretizar com seu
trabalho.
Wylie saiu da empresa
em 2015 junto com uma parte da equipe original, que estava insatisfeita com as
inclinações políticas dos donos da Cambridge Analytica. Ele foi fonte – anônima
– de mais de uma reportagem sobre manipulação na internet e resolveu vir à
público em fevereiro de 2018. Agora, corre o risco de ser processador por estar
quebrando cláusulas de confidencialidade de seu contrato com a empresa.
Qual a reação do
Facebook? - O vazamento foi levado ao conhecimento do Facebook pela primeira vez há
cerca de dois anos, mas a empresa só suspendeu a Cambridge Analytica da
plataforma na última sexta-feira – depois que as reportagens procuraram a
empresa para pedir uma resposta sobre o caso. A rede social diz que o aplicativo
usado para a coleta dos dados foi retirado do ar em 2015.
Inicialmente, a empresa não admitiu a falha e os advogados da rede
social procuraram o Guardian dizendo que o jornal fazia alegações "falsas
e difamatórias".
No mês passado, em uma outra investigação – desta vez, sobre notícias
falsas – tanto a rede social quanto o atual presidente da Cambridge Analytica,
Alexander Nix, tinham afirmado que a empresa não tinha nem usava informações
privadas de usuários da rede.
O Facebook, cujo
modelo de negócio está baseado na coleta de dados, vem negando o mau uso de
informações do público em todas as investigações feitas sobre isso até hoje.
Uma nota assinada
pelo vice-presidente do Facebook, Paul Grewal, afirmou que a empresa está
"comprometida com o cumprimento de suas políticas e a proteção de
informações dos usuários".
Procurado também pela BBC Brasil, o Facebook nos Estados Unidos não
comentou as perdas na bolsa americana, nem o escândalo revelado no fim de
semana.
Até agora o presidente e criador do Facebook, Mark Zuckerberg, não se
pronunciou publicamente sobre o escândalo. (BBC)
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