No ano passado, um vídeo do chef turco Nusret Gökçe
temperando sedutoramente um bife com uma pitada de sal gerou milhões de
visualizações na internet e rendeu a ele o apelido de "salt bae"
(namorado do sal, em tradução literal). Mas não foi apenas o gesto peculiar
dele que chamou a atenção.
Somos
obcecados por sal - apesar das advertências, consumimos em excesso e colocamos
a saúde em risco nesse processo. Mas um contra-argumento está ganhando força,
lançando dúvidas sobre décadas de pesquisas e levantando questionamentos ainda
sem resposta sobre nosso tempero favorito.
O sódio,
principal elemento encontrado no sal, é essencial para que o organismo mantenha
o equilíbrio hídrico, o transporte de oxigênio e de nutrientes, e a condução
dos impulsos nervosos.
Mas a maioria das populações tem consumido historicamente
mais sal do que é recomendado, e as autoridades de saúde do mundo todo têm
trabalhado para nos convencer a mudar esse hábito.
Em geral, a recomendação é de que os adultos não comam
mais de 6g de sal por dia. No Reino Unido, o consumo chega perto de 8g; nos
EUA, de 8,5g.
Mas apenas um quarto da ingestão diária de sódio vem do
sal que usamos para temperar a comida - o restante está escondido em outros
alimentos, incluindo pão, molhos, sopas e alguns cereais.
O sal 'oculto' nos alimentos - Para
aumentar a confusão, os fabricantes costumam se referir ao teor de sódio em vez
da quantidade de sal, o que pode nos fazer pensar que estamos consumindo menos
sal do que de fato estamos.
O sal é
composto por íons de cloreto e sódio. Em 2,5g de sal, há cerca de 1g de sódio. "As
pessoas em geral não têm consciência disso e acham que sódio e sal são a mesma
coisa. Ninguém te explica isso", afirma a nutricionista May Simpkin.
Pesquisas
mostraram que o excesso de sal provoca pressão alta, que pode levar a derrames
e doenças cardíacas, e especialistas concordam que as evidências contra o
condimento são convincentes.
O organismo retém mais líquido quando comemos sal,
aumentando a pressão sanguínea. O consumo excessivo de sal durante um longo
período de tempo pode causar tensão nas artérias e levar à pressão alta
prolongada (hipertensão), responsável por 62% dos casos de derrames e 49% das
doenças coronarianas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Uma meta-análise de 13 estudos publicados ao longo de 35
anos identificou o aumento do risco de doenças cardiovasculares (17%) e de
acidente vascular cerebral (23%) associado ao consumo de 5g extras de sal por
dia.
Como você
pode imaginar, cortar a ingestão de sal pode ter o efeito inverso.
Em uma
análise de oito anos sobre pressão arterial de pacientes, os pesquisadores
descobriram que uma redução de 1,4g por dia no consumo teria contribuído
provavelmente para diminuir a pressão arterial - que colaborou por sua vez para
um declínio de 42% nos derrames fatais e de 40% nas mortes relacionadas a
problemas do coração.
Mas, como
é comum em estudos observacionais como este, os pesquisadores também concluíram
que era difícil isolar completamente os efeitos do consumo reduzido de sal de
outros hábitos alimentares e estilo de vida. Aqueles que são mais conscientes a
respeito da ingestão de sal costumam ter uma alimentação mais saudável em
geral, praticar mais exercícios físicos, não fumar e beber menos.
Estudos
randomizados de longo prazo comparando pessoas que comem muito ou pouco sal
podem estabelecer uma relação de causa e efeito. Mas existem poucas pesquisas
deste tipo por causa de implicações éticas e de financiamento.
"Testes randomizados mostrando o efeito do sal sobre
o corpo são quase impossíveis de realizar", diz Francesco Cappuccio,
professor de medicina cardiovascular e epidemiologia da Universidade de
Warwick, na Inglaterra, e autor do estudo de oito anos.
"Mas também não há testes randomizados para
obesidade ou fumo, que sabemos que podem te matar." Enquanto
isso, os indícios com base em observação são abundantes.
Depois que
o governo japonês lançou uma campanha para convencer as pessoas a reduzirem a
ingestão de sal no fim dos anos 1960, o consumo diminuiu de 13,5g para 12g por
dia. No mesmo período, foram registradas quedas na pressão arterial e uma
redução de 80% nas mortes por acidente vascular cerebral.
Na
Finlândia, o consumo diário de sal caiu de 12g no fim da década de 1970 para 9g
em 2002, e houve uma redução de 75-80% nas mortes por derrame e doenças
cardíacas no mesmo período.
Diferentes fatores - Mas um
fator complicador adicional é que os efeitos do consumo de sal na pressão
arterial e na saúde do coração diferem de um indivíduo para outro.
Estudos mostram que a sensibilidade ao sal varia de
pessoa para pessoa, dependendo de diversos fatores - como etnia, idade, índice
de massa corporal, saúde e histórico familiar de hipertensão. Algumas pesquisas
indicam que indivíduos com mais sensibilidade ao sal correm mais risco de terem
pressão alta associada à ingestão do condimento.
Alguns cientistas argumentam agora, no entanto, que uma
dieta com baixo teor de sal também é um fator de risco para o desenvolvimento
de pressão alta - assim como o alto consumo. Em outras palavras, existe uma
curva em forma de J ou U com um limiar na parte inferior, onde os riscos
começam a subir novamente.
Os
pesquisadores argumentam que a ingestão de menos de 5,6g ou mais de 12,5g por
dia está associada a consequências negativas para a saúde.
Um estudo
diferente envolvendo mais de 170 mil pessoas encontrou resultados semelhantes:
uma relação entre a baixa ingestão de sal, definida como inferior a 7,5g, e
maior risco de doenças cardiovasculares e morte em pessoas com ou sem
hipertensão, em comparação a um nível moderado de ingestão de até 12,5g por dia
(entre 1,5 a 2,5 colheres de chá de sal). Essa ingestão moderada é o dobro da
recomendação diária do Reino Unido.
Ponto de equilíbrio - O principal autor do estudo, Andrew Mente, epidemiologista
nutricional da Universidade McMaster, em Ontário, no Canadá, concluiu que a
redução da ingestão de sal - passando do alto consumo para moderado - diminui o
risco de pressão alta, mas não oferece outros benefícios para a saúde. E
aumentar a ingestão - passando do baixo consumo para moderado - pode ajudar
também.
"A
descoberta de um ponto ideal intermediário é consistente com o que você
esperaria de qualquer nutriente essencial. Em níveis altos você tem toxicidade
e em níveis baixos você tem deficiência", diz ele.
"O
nível ideal é sempre encontrado em algum lugar no meio." Mas nem
todo mundo concorda.
Cappuccio
é contundente, por sua vez, ao afirmar que a diminuição da ingestão de sal
reduz a pressão arterial em todas as pessoas - não apenas em quem consome em
excesso.
Segundo
ele, os estudos realizados nos últimos anos que mostraram descobertas
contrárias são poucos, contam com participantes que já estão doentes e confiam
em dados falhos - incluindo o estudo de Mente, que coletou amostras de urina em
jejum dos participantes, em vez de realizar vários exames durante um período de
24 horas (para servir de comparação e avaliar a precisão dos mesmos).
Sara Stanner, diretora de ciências da Fundação Britânica
de Nutrição, concorda que é forte o indício de que a redução do consumo de sal
em pessoas hipertensas diminui a pressão arterial e o risco de doenças
cardíacas. E não tem muita gente consumindo níveis tão baixos quanto 3g,
quantidade que algumas pesquisas consideram perigosamente baixas.
Seria difícil chegar a esse patamar, explica Stanner,
devido aos níveis de sal que encontramos nos alimentos que compramos. "Muito
do sal que consumimos está presente nos alimentos que fazem parte do nosso dia
a dia", diz ela.
"É
por isso que a reformulação em toda a cadeia de alimentos é a abordagem mais
promissora para reduzir o consumo de sal em nível nacional, como tem sido no
caso do Reino Unido."
Os
especialistas também divergem sobre a hipótese de a alta ingestão de sal poder
ser compensada por uma dieta saudável e exercícios. Alguns, incluindo Stanner,
dizem que uma alimentação rica em potássio, encontrado em frutas, legumes,
nozes e laticínios, pode ajudar a compensar os efeitos adversos do sal sobre a
pressão arterial.
Para Ceu
Mateus, professor de economia da saúde na Universidade de Lancaster, na
Inglaterra, a prioridade deve ser tomar consciência do sal escondido nos
alimentos, em vez de tentar evitá-lo completamente.
"Os
problemas que temos em relação ao excesso de sal podem ser semelhantes àqueles
relacionados ao baixo consumo, mas ainda precisamos fazer mais pesquisas para
entender o que de fato acontece. Enquanto isso, uma pessoa saudável será capaz
de regular pequenas quantidades", diz Mateus.
"Devemos
ter consciência de que sal em excesso é muito ruim, mas não devemos eliminá-lo
completamente da dieta."
Apesar de
estudos recentes sugerirem ameaças potenciais de uma dieta pobre em sal e
diferenças individuais na sensibilidade ao condimento, a conclusão mais
consagrada das pesquisas existentes é que sal em excesso definitivamente
aumenta a pressão arterial. (BBC)
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