Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro fará sua
estreia em um evento internacional. E vai ser logo no que é considerado uma das
principais vitrines mundiais, o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
Líderes de cerca de 60 países estarão presentes e há curiosidade sobre como o
novo governo deve reposicionar o Brasil no xadrez geopolítico internacional.
Até agora,
mensagens conflitantes geram dúvidas sobre o futuro do Brasil nas relações
internacionais. De um
lado, o próprio Bolsonaro e o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo,
fazem críticas à China, indicam forte aproximação com Israel e Estados Unidos,
e dão mostras de rejeição a mecanismos multilaterais de tomada de decisões -
retiraram, por exemplo, o Brasil do Pacto sobre Migração da ONU e querem
permitir que os integrantes do Mercosul negociem acordos comerciais fora do
bloco.
Por outro,
o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, defende fortemente a abertura do Brasil
para o mercado, privatizações e a manutenção das boas relações do Brasil com
seus principais parceiros comerciais - China e países árabes, certamente, estão
entre eles. Militares que integram o governo também já criticaram a ideia de
transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e
participaram de reuniões com autoridades chinesas sobre possíveis parcerias na
área de tecnologia.
Em Davos, a participação de Bolsonaro pode dar pistas
sobre se o pragmatismo econômico de Guedes e dos militares vai ou não se
sobrepor à política internacional de Ernesto Araújo e à retórica de Bolsonaro
contra China e pró-Estados Unidos.
Essa encruzilhada na definição da estratégia brasileira
em suas relações exteriores ocorre num momento que Estados Unidos, China e
Rússia disputam protagonismo nas áreas de tecnologia, comércio e segurança. Ao
mesmo tempo, líderes nacionalistas (da Itália e da Hungria, por exemplo)
questionam a legitimidade de organismos internacionais e de acordos
multilaterais.
O Brasil de Bolsonaro se alinhará aos EUA, abandonará
acordos multilaterais e focará em negociações bilaterais de comércio? Ou vai
abrir mercados, retirar barreiras protecionistas, tentar manter boas relações
com "gregos e troianos" em prol do comércio e reforçar a participação
em organismos internacionais?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o
discurso e os recentes movimentos do governo na área de política externa pendem
para a primeira opção.
"Tem
muita incoerência entre a agenda econômica do Brasil e essas ideias defendidas
há muitos anos por Bolsonaro. Por enquanto, o discurso na área de relações
internacionais está pendendo para o não ao globalismo, não ao multilateralismo,
não à China, sim ao Ocidente, sim a Trump, sim ao nacionalismo e ao
protecionismo", afirmou à BBC News Brasil cientista política Daniela
Campello, professora de Relações Internacionais e política econômica da
Fundação Getúlio Vargas.
Mas a BBC News
Brasil apurou que, ao menos em Davos, Bolsonaro deve focar o seu discurso - ele
vai participar da sessão de debates de chefes de Estado na próxima terça (22) -
na tentativa de agradar investidores e parceiros econômicos, defendendo que o
Brasil caminha para aprovar reformas que trarão equilíbrio fiscal e crescimento
econômico ao país.
Nacionalismo x globalização - O Fórum
Econômico Mundial, em Davos, tem como princípios a defesa da globalização, do
pluralismo e do multilateralismo. O próprio objetivo do encontro, que acontece
anualmente, é debater uma agenda econômica global comum. O tema deste ano será
"Globalização 4.0: Moldando uma arquitetura global na era da quarta
revolução industrial".
Para a
professora da FGV Daniela Campello, o discurso de Bolsonaro é de crítica aos
pilares defendidos pelo fórum de Davos. "É a
ideia de que a globalização não é uma coisa positiva e que os países têm que
colocar seus interesses individuais em primeiro lugar. É o 'America first'
(América em primeiro lugar), 'Brasil first', 'Hungria first'", diz.
A retórica
do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, segue essa mesma linha. No
seu discurso de posse, Araújo exaltou em vários momentos a importância de
valorizar o patriotismo e de colocar as necessidades da "nação" acima
de demandas "globais".
"Lembrar-se da pátria não é lembrar-se da ordem
liberal internacional, não é lembrar-se da ordem global (…) Não estamos aqui
para trabalhar pela ordem global. Aqui é o Brasil. Não tenham medo de ser
Brasil", afirmou.
"O Itamaraty existe para o Brasil, não para a ordem
global.".
Nesse
sentido, para alguns especialistas em relações internacionais, o Brasil sob o
comando de Bolsonaro se insere num movimento em ascensão no mundo,
principalmente em partes da Europa, como Itália, Polônia e Hungria, de retorno
ao nacionalismo, rejeição da ideia de integração regional e questionamento a
órgãos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio e as Nações
Unidas.
"O
Brasil se integra a essa tendência, ela nos alcança e nos coloca num contexto
de muita volatilidade", diz o professor de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) Alcides Cunha Costa Vaz.
O ministro
de Relações Exteriores já expressou claramente admiração pelos principais
expoentes desse grupo: o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, e o
primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. O próprio presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, se insere nesse contexto ao reforçar o nacionalismo,
defender medidas duras contra a imigração e menosprezar organismos
internacionais, como a ONU.
"Na
questão ideológica, há uma corrente no mundo, compartilhada por setores do
governo Bolsonaro, que entende que a globalização - a maior troca entre
economias e circulação de ideias - leva à diminuição do poder dos governos
nacionais. Eles acham que o chamado globalismo não é uma boa ideia, prejudica
as nações e governos nacionais", diz o professor da Alberto Pfeifer,
coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de
São Paulo (USP).
Num outro
espectro, estariam líderes europeus como Angela Merkle, da Alemanha, e Emmanuel
Macron, da França, que defendem a integração regional e decisões compartilhadas
sobre temas sensíveis como imigração.
"Admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e
aqueles que se amam como povo, por isso admiramos, por exemplo, Israel. Por
isso admiramos os Estados Unidos da América, aqueles que hasteiam sua bandeira
e cultuam seus heróis. Por isso admiramos a nova Itália, por isso admiramos a
Hungria e a Polônia", disse Ernesto Araújo, no discurso de posse,
acrescentando que, para ele, o problema do mundo "não é a xenofobia, mas
sim a oikofobia".
"Oikofobia é odiar o próprio lar, o próprio povo,
repudiar o próprio passado", especificou.
Para
Alberto Pfeifer, as ideias do novo ministro de Relações Exteriores representam
uma ruptura com a diplomacia que vinha sido adotada pelos últimos governos
brasileiros. Mas, segundo ele, ainda é preciso aguardar para verificar se o
discurso dessa ala do governo brasileiro vai preponderar.
"Bolsonaro
apresenta uma série de propostas de ruptura da política externa recente do
Brasil. Ideias antissistêmicas, antiglobalismo, são ideias novas na atuação
externa brasileira. Ainda não se entende direito o conteúdo delas e as ações e
consequências que vão derivar delas", afirma.
China x EUA - O Fórum
Econômico Mundial, em Davos, ocorre num momento de preocupação dos mercados com
a guerra comercial entre China e Estados Unidos. Nos últimos meses, Trump impôs
uma série de tarifas a produtos chineses em retaliação ao que chamou de roubo
de tecnologia e quebras de patentes por parte da China.
Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e militares que atuam no governo, entre os quais o vice-presidente, general Mourão, seguem linha pragmática e defendem que Brasil não compre briga com grandes compradores, como China e países árabes
O país
asiático respondeu também aumentando tarifas sobre produtos americanos. O pano
de fundo para esse conflito vai além de interesses comerciais. China e Estados
Unidos disputam protagonismo tecnológico. E a Rússia, aliada histórica da
China, continua a ser uma força que antagoniza os EUA nas áreas militar e de
segurança.E onde fica o Brasil nisso tudo? A China é o principal parceiro
econômico do Brasil - compra cerca de 25% do que exportamos. Os Estados Unidos,
nosso segundo parceiro comercial, se preocupam com a expansão dos tentáculos chineses
pelo mundo.
Nas primeiras semanas de governo, Bolsonaro tomou
decisões que demonstram a intenção de uma aproximação forte com os Estados
Unidos. E mesmo antes de se candidatar à Presidência, já era conhecido por
fazer duras críticas à China. Em discursos na tribuna da Câmara, quando
deputado federal, ele acusou reiteradamente o país asiático de querer
"comprar o Brasil" e "roubar nossos recursos naturais".
A própria
decisão do presidente brasileiro de seguir os passos de Trump e anunciar a
transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém foi
vista como um gesto de aliança ao presidente americano.
Mas se
distanciar da China não é uma posição defendida pela área econômica do governo,
nem pelos militares nomeados por Bolsonaro, para quem a parceria com o país
asiático é essencial para a balança comercial brasileira e para viabilizar o
projeto de privatização de estatais.
"Existe em alas do governo Bolsonaro uma tentativa
de alinhamento com os Estados Unidos e de uma equidistância em relação à China.
Os Estados Unidos têm uma preocupação crescente com a influencia em segurança,
política e economia da China. Então, querem levar o Brasil a uma posição de
maior distanciamento em relação à China", diz o professor da UnB, Alcides
Cunha Costa Vaz.
"Mas esse distanciamento esbarra nos interesses
comerciais do Brasil", adverte ele.
Daniella
Campello, da FGV, também enxerga um "alinhamento automático" do
Brasil com os Estados Unidos no governo Bolsonaro e a existência de uma visão
negativa em relação à China por parte tanto do presidente quanto do ministro de
Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
"Nós
sempre evitamos alinhamento automático. Mesmo nos anos em que estivemos mais
próximos dos Estados Unidos, no governo Fernando Henrique Cardoso, sempre
evitamos o alinhamento automático e mantivemos uma neutralidade. E isso sempre
nos trouxe uma série de vantagens comerciais", afirma Campello,
mencionando as trocas comerciais do Brasil com China e países árabes.
"Pode
ser que a pressão do setor agrobusiness, do Paulo Guedes e do Mourão
(vice-presidente da República) freie isso, mas as ideias manifestadas são de um
afastamento da China e alinhamento com os Estados Unido."
Já o professor da USP Alberto Pfeifer afirma que é
excessivo falar em "alinhamento" com os EUA neste momento. Seria mais
preciso, segundo ele, usar o termo "aproximação". Mas Pfeifer alerta
que comprar briga com a China não seria interessante para os interesses
econômicos do Brasil.
"Se a China é o principal comprador do Brasil hoje,
é preciso tratar bem a China. Estados Unidos são nossos principais parceiros e
em termos de investimentos, tem que tratar bem também", defende.
"Tem
gente dentro do governo que vai lembrar que é assim que deve se lidar. Uma
coisa é falar duro e firme com a Venezuela. Outra coisa é confrontar Estados
Unidos e China."
Multilateralismo x bilateralismo - O cenário
internacional também é de racha entre grupos que defendem soluções multilaterais
- principalmente nas áreas de clima, comércio e imigração - e aqueles que
defendem soluções individuais em matéria de proteção ambiental e imigração e
acordos bilaterais na área de comércio.
Nos
últimos governos, o Brasil apostou na solução multilateral, levando, por
exemplo, disputas comerciais com outros países à Organização Mundial do
Comércio. Agora, integrantes do governo Bolsonaro - e ele próprio - dão sinais
de que querem priorizar soluções que não dependam da participação de organismos
internacionais ou blocos regionais.
"Do
ponto de vista econômico, existe dentro de alguns setores do governo a
percepção de que o multilateralismo na condução da agenda econômica externa,
com a primazia da OMC por uma maior inserção comercial, não resultou positivo
para o Brasil. Doha não chegou a boa resolução, não conseguimos abrir mercados
agrícolas na Europa, nos Estados Unidos e no Oriente. Então vale a pena pensar
noutra coisa?", explicou o professor da USP Alberto Pfeifer.
Alguns
exemplos que demonstram a intenção de Bolsonaro de fugir de negociações
multilaterais incluem: a retirada do Brasil do Pacto sobre Migração da ONU
(acordo com diretrizes para a recepção de migrantes assinado por 164 nações em
dezembro), e o início de negociações com o presidente argentino Maurício Macri
para que os países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai) possam realizar tratados de livre-comércio isoladamente e não
obrigatoriamente em grupo.
"Em várias áreas estamos observando um movimento do
governo brasileiro de se afastar de organismos internacionais e de blocos
regionais, com direção a negociações bilaterais. Essas áreas incluem clima e
imigração. Há um ceticismo com a globalização, manifestada por essa teoria do
globalismo, que engloba um ataque ao multilateralismo", diz Daniela
Campello, lembrando que Bolsonaro já defendeu a retirada do Brasil do Acordo de
Paris, que prevê metas de redução de emissões de gases do efeito estufa.
O problema da opção pelo bilateralismo, apontam
especialistas, é que a estratégia pode até ser positiva em negociações com
países menos poderosos. Mas, em disputas com uma contraparte mais forte, a
margem de negociação diminui, o que pode forçar o Brasil a se submeter a
acordos desvantajosos.
"Os
países se comportam conforme as conveniências. Quando você é o lado forte, é
bom ir para o bilateral. A ideia do multilateral é diminuir a margem de manobra
do lado forte", explica Pfeifer.
Curiosidade - Todos os
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil concordam que a presença de
Bolsonaro deve receber alguma atenção, porque há curiosidade em relação ao novo
presidente brasileiro.
A imagem
que prepondera de Bolsonaro no exterior, porém, não é positiva, segundo
especialistas. E a participação em Davos pode ser uma oportunidade de mudar
essa visão. "Haverá muita curiosidade em relação a Bolsonaro. A
imprensa internacional tem classificado Bolsonaro de maneira muito negativa,
até certo ponto injustamente. Ele montou uma equipe boa. Mas ainda há uma
percepção de que ele é destemperado e chauvinista", diz o professor da USP
Alberto Pfeifer.
"Vai ser uma chance de ele mostrar moderação e
previsibilidade."
Para
conquistar investidores e a confiança das maiores economias do mundo, a
expectativa é que Bolsonaro aposte num discurso sobre os esforços do governo em
prol do equilíbrio fiscal, além de citar oportunidades de investimento que
surgirão com privatizações de empresas estatais e defender abertura de
mercados.
"Mais
do que a política externa, Davos vai ser uma oportunidade para falar das
perspectivas econômicas para o Brasil. Temer fez isso no ano passado, ao tentar
comunicar os esforços para reorganização econômica do Brasil. Essa mensagem vai
ser mais acentuada do que as posições de política externa", avalia Alcides
Cunha Costa Vaz, professor de Relações Internacionais da UnB. (BBC)
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