O governo Jair Bolsonaro estipulou 35 metas a serem
alcançadas já nos primeiros 100 dias de governo. Enquanto a esperada - e
complicada - reforma da previdência ficou de fora desse pacote, o que entrou e
poderá permitir à nova administração mostrar resultados rápidos na área
econômica são dezenas de projetos de infraestrutura herdados do governo de
Michel Temer.
O Programa
de Parcerias de Investimentos (PPI) - anunciado em setembro de 2016 com uma
carteira de obras e estatais a serem concedidas ou vendidas ao capital privado
- apresentou os atrasos habituais que o brasileiro está acostumado a ver na
administração pública e saiu parcialmente do papel no governo anterior.
Dos 193 projetos apresentados ao longo do programa, 124
foram concluídos (64% do total). Os leilões renderam R$ 46,4 bilhões em
outorgas (valores pagos à União pelo contrato) e os investimentos previstos ao
longo das concessões, que podem chegar a 30 anos, somam R$ 253,3 bilhões.
A taxa de sucesso ficou muito concentrada no setor de
energia, com 94 dos projetos concedidos, principalmente linhas de transmissão,
enquanto a parte de transportes foi a maior decepção - apenas quatro
aeroportos, uma rodovia e nenhuma ferrovia.
As privatizações também não saíram do papel por enquanto.
A proposta de venda de ações da Eletrobrás, anunciada para a primeira metade de
2018 e agora prevista para 2020, vem enfrentando questionamentos na Justiça e
resistência no Congresso. A venda da Casa da Moeda segue em fase de estudos. Já
a concessão da Loteria Instantânea Exclusiva (Lotex), a "raspadinha",
já foi adiada três vezes por falta de interessados.
Apesar dos atrasos, o PPI recebe uma avaliação
predominantemente positiva entre empresários e analistas da área de
infraestrutura. A percepção é que o principal mérito do programa, que conta com
apenas 50 pessoas, foi coordenar projetos que estavam "espalhados" em
diferentes ministérios, centralizando a interlocução entre os diversos órgãos
envolvidos - ministérios, agências reguladoras, órgãos de controle como
Tribunal de Contas da União e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) - e o meio de campo com o setor privado.
"Considerando que (a gestão Temer) foi um governo
curto, acho que o balanço foi positivo. Houve um bom trabalho de estruturação
dos projetos e o novo governo tem mais é que aproveitar essa herança",
afirma o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV
Edson Gonçalves.
24 projetos entre março e abril
A gestão
Bolsonaro vai botar no mercado 24 projetos nos primeiros cem dias. Entre 15 de
março e 5 de abril, serão leiloados 10 terminais portuários, a ferrovia
Norte-Sul, a rede de comunicações integradas do Comando da Aeronáutica e 12
aeroportos - Recife (PE), João Pessoa (PB), Campina Grande (PB), Maceió (AL),
Aracajú (SE), Juazeiro do Norte (CE), Vitória (ES), Macaé (RJ) e mais cinco no
Mato Grosso.
A previsão é que esses projetos gerem R$ 2,3 bilhões em
outorgas e R$ 8,3 bilhões de investimentos ao longo dos contratos, que têm
prazo de até 30 anos.
A carteira recebida de Temer soma no total 69 projetos: o
programa prevê outros 24 concedidos até o final do ano e mais 21 em 2020, com
destaque para mais onze ferrovias e seis rodovias.
O impacto
sobre a economia, porém, não será sentido de imediato, já que os investimentos
em infraestrutura demandam etapas, como o licenciamento ambiental, que podem
levar mais de um ano, nota o economista Claudio Frischtak, sócio da Inter B.
Consultoria.
Ele estima
que a taxa de investimento em infraestrutura deve ficar em 1,6% do PIB (total
de riquezas produzidas no país) neste ano, patamar parecido com os de 2017 e
2018 e inferior a média de 2,2% vista de 2010 a 2016.
Na sua
projeção, os investimentos devem se acelerar a partir de 2020, o que pode levar
essa taxa a 4% em 2022. "Seria um pequeno milagre. Não vemos esse patamar
há muitos anos", destaca.
Para isso
se concretizar, porém, "tudo tem que dar certo", afirma Frischtak.
Isso significa novos projetos serem incluídos no PPI e o governo conseguir
aprovar no Congresso as reformas que vem prometendo, como a da Previdência
(para equilibrar as contas públicas), o novo marco regulatório do saneamento
básico (para destravar obras no setor) e uma lei das agências regulatórias (que
dê mais segurança jurídica).
'Não foi consequência do que sobrou do governo', diz secretário
O governo
Bolsonaro já mapeou mais 94 projetos, quase metade de aeroportos (44), que
podem ser incluídos no PPI. Tudo está sendo tocado sob o comando de Adalberto
Vasconcelos, engenheiro com duas décadas de experiência no Tribunal de Contas
da União que foi mantido como secretário especial do programa.
Ele não vê
os projetos iniciados na gestão anterior como "herança".
"Não foi consequência do que sobrou do governo. Foi
algo planejado para dar continuidade administrativa. É uma virtude do governo
manter o programa e aos leilões planejados", afirma.
Para reforçar o argumento, o secretário ressalta que 18
projetos entraram na carteira em julho de 2018, quando faltavam menos de seis
meses para o fim da gestão Temer. O grosso dos projetos atrasados, no entanto,
foi anunciado até agosto de 2017 (60 dos 69).
É o caso,
por exemplo, da construção da Ferrogrão, ferrovia de 933 km para escoar a
produção de grãos de Mato Grosso, partindo da cidade de Sinop, até o porto de
Miritituba no Rio Tapajós, Pará.
O projeto
foi anunciado na primeira reunião do PPI, em setembro de 2016, mas se encontra
em fase de consulta pública. Seu traçado impactará mais de 20 áreas protegidas,
entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação. A Rede Xingu+, que representa
povos e comunidades da região, teme que o empreendimento estimule mais
plantações assim como a abertura de mais estradas para levar a carga até a
ferrovia, atingindo seus territórios e nascentes de rios.
Apesar
dessa resistência, o governo prevê leiloar a Ferrogrão até o fim de 2019.
"Cada
setor de infraestrutura tem seu timing. Quando você faz um terminal portuário,
(o impacto) é localizado. Uma linha de transmissão também não dá muita
discussão. Mas quando você vai fazer uma rodovia, uma ferrovia, tem
interferência, precisa fazer a consulta", afirma Vasconcelos, ao explicar
a diferença de andamento dos projetos.
Mas não é
só isso: a diferença de ritmo também reflete o que Temer herdou do governo
Dilma Rousseff. No caso das linhas de transmissão, foi possível aproveitar
projetos que haviam empacado em diversas tentativas mal sucedidas de leilões
entre 2013 e 2016. Em agosto de 2015, por exemplo, quando o governo ofertou 11
lotes, só quatro foram arrematados, sendo que três receberam apenas um lance.
Segundo o
secretário, o PPI fez ajustes nos contratos, tornando a remuneração do
investimento mais atrativa, o que levou a 100% de sucesso nos 82 leilões de
transmissão realizados na gestão Temer.
No caso do
setor portuário, que não tinha concessões desde 2013, foi possível fazer oito
novas, além de nove renovações, aproveitando estudos já em andamento na Empresa
de Planejamento e Logística.
Já na
parte de ferrovias, rodovias e aeroportos o trabalho a ser feito era maior,
segundo o secretário. "Em ferrovias, o governo anterior não tinha feito
nada", justifica.
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Leilão da Ferrovia Norte-Sul enfrenta polêmica
Leilão da Ferrovia Norte-Sul enfrenta polêmica
O leilão
de um trecho da Norte-Sul, previsto para 28 de março, será a primeira concessão
de ferrovia à iniciativa privada em doze anos no Brasil. São 1.537 km de
extensão, ligando Estrela d'Oeste (SP) a Porto Nacional (TO). O lance mínimo
para o leilão está previsto em R$ 1,35 bilhão e os investimentos obrigatórios
no prazo de dois anos para acabamento e melhoria da malha são de R$ 2,8
bilhões.
O edital
foi aprovado pelo TCU, apesar das críticas do procurador do Ministério Público
que atua junto ao tribunal Júlio Marcelo de Oliveira.
Na sua
avaliação, o contrato traz regras favoráveis à VLI (empresa de logística da
mineradora Vale que opera ferrovias no norte do país) e à Rumo (que opera a
malha ferroviária em São Paulo), afastando investidores estrangeiros. Isso
porque o edital prevê solução temporária, de apenas cinco anos, para o
"direito de passagem" da carga transportada na Norte-Sul seguir
depois por trilhos das duas empresas até o porto de Santos (SP) ou os portos em
São Luís (MA).
Segundo o
jornal O Estado de S.Paulo, na avaliação do MP, a regra do direito de passagem
não foi acatada pelas empresas que já atuam no setor. O "direito de
passagem" teria sido imposto de forma unilateral pela Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT), mudando regras de contratos já existentes,
"o que poderia levar a questionamentos jurídicos".
"Na opinião
do procurador", diz o jornal, "esse fato retira a atratividade da
licitação, já que não seria garantido que a Vale deixaria locomotivas de outras
empresas percorrerem o trecho que hoje administra".
"Não se há de admitir uma licitação viciada,
dirigida, feita sob medida para a vitória de interessado previamente
identificável", escreveu o procurador no ano passado, em artigo para o
site Consultor Jurídico, sobre o leilão.
Adalberto Vasconcelos contesta as críticas. Segundo ele,
o governo fará a renovação antecipada das concessões de ferrovia, inclusive as
operadas por VLI e Rumo, e nos novos contratos as empresas terão que abrir mão
da exclusividade de passagem da carga. Ele argumenta ainda que a Estrada de
Ferro Carajás, da VLI, foi recentemente duplicada, de modo que é vantagem para
a empresa escoar a carga da Norte-Sul.
"Qualquer
trem que passar por ali é renda extra para a Vale. Precisamos resolver o
direito de passagem, isso será feito na prorrogação, mas não existe esse
problema hoje, tanto que o TCU aprovou o edital", disse.
Além da
Norte-Sul, o PPI quer leiloar mais onze ferrovias até 2020 - a previsão é
dobrar a parcela de carga transportada trens no Brasil de 15% para 31% a partir
de 2025.
Problema maior nas rodovias
O governo Bolsonaro já mapeou mais 94 projetos, quase metade
de aeroportos (44), que podem ser incluídos no PPI
Mas é na parte de rodovias, em que as obras têm grande potencial de geração de empregos, que o PPI mais tem enfrentado dificuldades.
A primeira
concessão - da Rodovia de Integração do Sul (RIS), com 473 km que cortam 32
municípios gaúchos - saiu com atraso em novembro. A CCR ganhou a operação por
30 anos ao oferecer o menor pedágio (R$ 4,30) e terá que investir R$ 7,8
bilhões em obras de melhorias e duplicação de alguns trechos.
Foi o
primeiro leilão desde abril de 2014. "É um avanço muito lento que está
totalmente defasado em relação às necessidades do país", crítica Cesar
Borges, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias) e
ex-ministro dos Transportes por cerca de um ano no governo Dilma.
"Mas defendemos que é melhor manter o PPI do que
voltar pra estaca zero e recomeçar tudo de novo", ponderou.
Para 2019, só há previsão de mais duas concessões: um
trecho da BR 101 (SC) e a BR 364/365 (GO/MG). Na avaliação de Borges, o grande
entrave está nas revisões dos projetos impostas pelo Tribunal de Contas da
União.
"Estão
sempre colocando questões pseudotécnicas para aprimorar o projeto, mas que no
fundo vão criando delongas, embaraços e inseguranças", reclama.
A questão
é que as concessões de rodovias realizadas em 2013 e 2014 deram muito problema,
o que elevou as exigências do tribunal na revisão dos novos projetos. São
contratos que previam investimentos, como duplicação de estradas, e não estão
sendo cumpridos. As empresas reclamam que o cenário econômico mudou, com queda
no volume de tráfego, de modo que os valores fixados nos pedágios não são
suficientes. Elas querem repactuar os contratos e, em alguns casos, até mesmo
devolver a concessão.
O próprio
Borges reconhece que de um total de cerca de 10 mil km concedidos, "quase
5 mil km tem problemas que pode levar até a devolução".
"Tem
que ter bom senso pra sentar, repactuar e destravar os investimentos. Isso
envolve a concessionário, o governo e os órgãos de controle", defende.
Já o
procurador Julio Marcelo defende a postura do TCU e diz que "as empresas
dão lances agressivos e aventureiros já pensando na repactuação".
"O
PPI trouxe avanços na coordenação de projetos, agora espera-se que continue a
incrementar a qualidade (dos projetos) para restaurar uma cultura de seriedade
do cumprimento dos contratos no Brasil", disse à reportagem. (BBC)
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