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Principal
responsável por investigar a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), o
promotor Lincoln Gakiya afirma que o grupo pode passar por disputa interna e
novas lideranças podem emergir após a transferência da cúpula da organização
para presídios federais, na semana passada.
Gakiya
foi responsável por pedir à Justiça a transferência de 22 membros da
organização de São Paulo para presídios federais - eles foram para detenções em
Brasília, Porto Velho e Mossoró (RN). Entre os detentos removidos estão Marcos
Willians Camacho, conhecido como Marcola, principal chefe da facção.
Em
entrevista à BBC News Brasil, Gakiya diz que a transferência dos detentos deve
ser encarada como uma oportunidade para o Estado avançar no combate à facção -
para ele, o foco agora deve ser rastrear como o grupo utiliza seu dinheiro. O promotor
acredita que, se a facção não for contida,e se adquirir "expertise em
lavagem de dinheiro", pode se tornar uma organização comparável a uma
máfia.
Gakiya
não acredita que o PCC venha a realizar algum tipo de retaliação em virtude das
transferências, como ocorreu em 2006. Em maio daquele ano, centenas de presos
da facção foram transferidos para o presídio de Presidente Venceslau, no
interior de São Paulo. Em poucos dias, houve uma guerra entre membros da facção
e agentes de segurança - dezenas de policiais foram mortos e mais de 500 civis,
assassinados.
"Não
podemos descartar nada. Houve uma grande preparação para esta remoção. Mas não
acredito que possa haver algo como o que aconteceu em 2006", disse.
No
Ministério Público desde 1991, Gakiya começou a investigar o PCC em 2005. No
ano seguinte, passou a andar escoltado por policiais em virtude das ameaças de
morte. Em dezembro do ano passado, a polícia interceptou cartas com parentes de
detentos que continham um plano de execução do promotor e de outras
autoridades. Ele deveria ser morto caso Marcola fosse transferido para um
presídio federal, segundo as mensagens. Em janeiro, outras cartas reafirmaram o
pedido da cúpula da facção para que membros nas ruas assassinassem o promotor.
"A
vida social minha e da minha família hoje é bastante limitada, mas a gente
precisa continuar trabalhando", disse à BBC News Brasil. Leia
abaixo a entrevista.
BBC
News Brasil - Quem são os 22 transferidos, além do Marcola, e qual a
consequência dessas transferências para o PCC?
Gakiya
- Foram transferidos Marcola e outros membros da
cúpula da organização. São pessoas da sintonia final geral (primeiro escalão do
PPC) e do segundo escalão.
Para
nós, que combatemos essa facção, essa remoção representa um avanço, porque
nunca havíamos conseguido transferir várias lideranças ao mesmo tempo, em
regime de RDD (Regime Disciplinar Diferenciado, quando o preso fica separado
dos demais, dos meios de comunicação e só tem direito a duas horas diárias de
banho de sol).
Eles
ainda são os líderes, mas estão isolados. O objetivo é tentar cortar ligações
desses líderes com seus comandados, que estão em outras prisões e em liberdade.
A intenção é provocar um abalo na estrutura do PCC.
BBC
News Brasil - Sabemos que, quando acontece uma prisão, as facções se adaptam
muito rapidamente, criminosos se substituem. Como está a situação do PCC após
as remoções? A organização está sem comando?
Gakiya
- Já havia comandos na rua, criminosos em liberdade,
egressos. Isso permanece. Mas a sintonia final geral, que é como se fosse o
conselho deliberativo da organização, ficava na Penitenciária 2 de Presidente
Venceslau. Eles foram removidos todos de uma só vez. Isso causou
momentaneamente uma ausência (da cúpula da organização). Eles continuam sendo
integrantes da cúpula, mas estão isolados.
Em
paralelo, houve uma série de remoções de presos para outras prisões do Estado
para dificultar a reacomodação, essa substituição de peças. O setor de
inteligência já havia investigado e detectado quem seriam as pessoas que
ficariam no lugar da sintonia caso ela fosse removida, e eles foram todos
removidos juntos, de uma vez só.
Não
é que estejam sem liderança, mas a liderança que ficou no sistema possivelmente
aguarda ordens que podem vir desses líderes no sistema federal.
BBC
News Brasil - Há rumores de que o Marcola já encontra certa resistência dentro
do PCC, principalmente depois da morte do Gegê do Mangue e do Paca (membros do
PCC assassinados em fevereiro de 2018). Essas transferências podem contribuir
na contestação da liderança do Marcola?
Gakiya
- Essas situações agora serão melhor avaliadas. O que
ocorreu no ano passado foi o assassinato de dois líderes supostamente a mando
de um criminoso ligado ao Marcola.
Chegou
até nós a informação de que criminosos em liberdade não aceitaram bem esses
assassinatos. No
entanto, não tiveram força para confrontar o Marcola. Agora, com esse
isolamento não só dele, mas de todos os parceiros dele de confiança, que estão
ao lado dele desde 2003 na liderança do PCC, é bem provável que surja alguma
disputa interna pelo poder.
Ou
que haja indivíduos que não concordem com os posicionamentos que o Marcola
tomou.
BBC
News Brasil - Em 2006, houve ataques depois de transferências de líderes. Dessa
vez, por ora, não houve retaliação. O sr. acha que é possível que aconteça?
Gakiya
- Não podemos descartar nada. Houve uma grande
preparação para esta remoção. O governo está preparado e o serviço de
inteligência também. Temos atuado de forma muito eficiente. Primeiro, atuamos
para prevenir o resgate (havia a suspeita de um plano para resgatar Marcola da
prisão).
Descobrimos
planos de assassinato de agentes do Estado - o meu, inclusive -, justamente
para tentar forçar o Estado a recuar e não transferir presos para o sistema
federal.
Mas
não acredito que possa haver algo como o que aconteceu em 2006. Ali, houve um
descompasso entre a transferência dos presos e as medidas que poderiam ser
tomadas para evitar qualquer retaliação de bandidos que ficaram no sistema e
dos que estavam em liberdade.
O
Estado não contou com a reação deles, foi pego de surpresa. Agora a situação é
diferente, há uma preparação, a polícia está presente nas ruas, o sistema
penitenciário está bem cuidado - inclusive já houve visitas este final de
semana. Não acredito que possam ocorrer episódios como os de 2006, mas a polícia
permanece de sobreaviso.
BBC
News Brasil - Fala-se muito sobre a existência de um suposto pacto de
não-agressão do PCC com o governo de São Paulo. O senhor acredita nisso?
Gakiya
- Ouço falar muito disso. Desconheço qualquer tipo de
acordo e sou absolutamente contrário a isso. Quando o governo de São Paulo
demorou para fazer a transferência dos criminosos para o sistema federal no ano
passado, eu mesmo pedi. Penso que o Estado não pode retroceder por medo de
retaliação do crime. 2006 foi um episódio negro da história do Estado, mas não
pode impedir o Estado de tomar atitudes.
O
que acontece é que eles (os presos) ameaçam. Fazem isso justamente para ver se
o Estado recua. Já houve casos em que o Estado (que não São Paulo) teve que
recuar quando tentou instalar bloqueadores de sinal de celular, por exemplo.
Nesses casos, não é um acordo formal, mas tácito. No caso de São Paulo, isso
não aconteceu.
BBC
News Brasil - Hoje, o PCC é uma facção presente em vários Estados, e também
fora do país. Se nada for feito, até onde o senhor acha ela pode chegar?
Gakiya
- Se não houver um combate eficiente, não só por
parte dos Estados, mas do governo federal, e um combate integrado, o PCC pode
se tornar uma organização mafiosa.
Hoje, o PCC está
num estágio de pré-máfia. Se se tornar uma organização com lavagem de dinheiro
eficiente, com uso de doleiros e de outros negócios para desviar o foco da
droga, vai se transformar um problema muito maior
Hoje,
ela está num estágio de pré-máfia. Se se tornar uma organização com lavagem de
dinheiro eficiente, com uso de doleiros e de outros negócios para desviar o
foco da droga, vai se transformar um problema muito maior.
Senão
vamos viver uma situação parecida com a da Colômbia, na época do Pablo Escobar,
ou com a que está vivendo o México, com o El Chapo. Essa reação só vai ser
eficiente se for integrada. Temos que ter medidas para fazer integração
nacional e com outros países.
BBC
News Brasil - O que falta para o PCC ser uma máfia?
Gakiya
- Falta expertise na lavagem de dinheiro. Há indícios
de que o PCC manda dinheiro para fora do país, cometendo evasão de divisas, mas
ainda precisamos seguir esse dinheiro para entender se está virando bens em
outros países, caracterizando lavagem de dinheiro.
Aqui
no Brasil há lavagem de dinheiro por parte dos líderes. Provavelmente, haverá
um trabalho em cima disso. Eles lavam dinheiro com empresas de ônibus,
garagens, postos de gasolina, negócios que facilitam esse tipo de lavagem. Mas
o PCC, como organização, ainda não tem (um esquema desses). O dinheiro está
sendo mandado para fora do Brasil e às vezes até mesmo enterrado aqui mesmo.
BBC
News Brasil - Qual a perspectiva desse combate integrado?
Gakiya
- Mudar o foco. Já houve uma fase de conhecimento da
organização. Eles têm uma facilidade de substituição de peças, mas a engrenagem
é a mesma, e a gente já sabe como funciona. Mas precisamos mudar a forma de
atuar. Não basta essa atuação de enxugar gelo no Estado de São Paulo.
A
gente não consegue atacar a base financeira, porque esse dinheiro não circula
no mercado formal - não está em nome de laranjas, não está em empresas. O
dinheiro é enviado para o Paraguai, para a Bolívia? Vamos precisar atuar em
conjunto para seguir o caminho do dinheiro até onde ele vai se transformar na
compra de um material - em geral, cocaína e maconha.
BBC
News Brasil - O senhor acha que está enxugando gelo?
Gakiya
- O trabalho que fazemos é importante. Quando o PCC
preenche os quadros, nós precisamos investigar e tirar esses integrantes de
circulação. Talvez essa nova remoção seja o início de uma nova era. Não vai se
cortar em 100% a comunicação dessas lideranças porque isso ainda é impossível
no Brasil.
O
Estado precisa aproveitar esse momento para iniciar uma nova fase de combate,
atacar as bases financeiras, juntamente com o governo federal e outros Estados.
BBC
News Brasil - Muitos especialistas em segurança pública dizem que o aumento da
população carcerária ajuda o PCC, oferecendo mão de obra para a facção. O
senhor concorda?
Gakiya
- Sempre digo que a primeira coisa que explica o
crescimento da facção é a ausência do Estado. Onde o Estado está ausente, seja
em superlotação de presídio, seja nessas comunidades mais pobres, a facção
encontra terreno fértil.
Na
questão carcerária, é preciso atacar em várias frentes. Precisamos pensar na
criação de vagas ou na diminuição da massa carcerária. Acho que principalmente
é preciso fazer com que ser parte de organização criminosa não seja vantajoso
para o preso. Principalmente líderes. Por exemplo, no caso desses 22
transferidos, eles vão perder contato com suas bases, com suas famílias, e
serão mandados para outras regiões.
Nosso
plano aqui no Estado é propor a construção de uma nova penitenciária de
segurança máxima só para abrigar integrantes de organização criminosa que
tenham alguma função. Aí a gente retira esse pessoal que faz essa cooptação de
jovens e de pessoas que ingressam no sistema pela primeira vez e os mandamos
para uma penitenciária com mais rigor.
BBC
News Brasil - Em que pé está a guerra do PCC com o Comando Vermelho?
Gakiya
- A guerra continua nos Estados. Ela deu uma
arrefecida, talvez até em função desses rumores de transferências das
lideranças. Mas guerra foi ruim para todas as facções, elas perderam
integrantes, morreu muita gente nas prisões. Isso é algo que ainda não foi
resolvido.
BBC
News Brasil - O senhor sabe se existe negociação do PCC com outras facções
criminosas do Rio, rivais do Comando Vermelho, como Amigos dos Amigos ou
Terceiro Comando Puro?
Gakiya
- Há tempos, o PCC era aliado do Comando Vermelho.
Fizeram negócios, como compra de drogas e armas. Depois, houve o rompimento, a
guerra.
O
PCC teria se aproximado do Nem da Rocinha por meio de lideranças que estavam no
sistema federal. O Nem era da ADA (Amigos dos Amigos), no Rio. O PCC teria
fornecido armamento para o Nem confrontar um rival.
Agora,
o Nem da Rocinha passou para o Terceiro Comando Puro (TCP). Então, o PCC agora
é aliado do TCP. Essas coisas são muito dinâmicas, quem trabalha nessa área
precisa ficar atento a essas mudanças. Pois elas podem causar mortes dentro do
sistema penitenciário se você não separar os presos. E também guerra nas ruas.
Trabalhamos todos
os dias desde 2005. Já estamos em 2019, e é como se fosse uma novela. Um
seriado do Narcos da Netflix com vários capítulos e temporadas.
BBC
News Brasil - Que tipo de presença o PCC tem no Rio?
Gakiya
- O PCC está presente no Rio, mas ainda de forma
tímida. Tem vários integrantes do PCC que negociam drogas, armamento para o
TCP. O que eles estão proibidos de fazer são negócios com integrantes do
Comando Vermelho. Os negócios do PCC basicamente estão na favela da Rocinha,
que é comandada pelo TCP.
BBC
News Brasil - O senhor entrou para o MP em 1991 e investiga o PCC desde 2005.
Como começou esse trabalho?
Gakiya
- Sou bastante curioso. Quando comecei a investigar o
PCC, já tinha problemas de ameaças. No começo, queria saber quem poderia
autorizar um atentado contra um promotor. Acabei subindo na investigação até a
cúpula da organização.
O
que nos diferencia, nessa investigação que eu coordeno, é que a gente não para.
Trabalhamos todos os dias desde 2005. Já estamos em 2019, e é como se fosse uma
novela. Um seriado do Narcos da
Netflix com vários capítulos e temporadas.
BBC
News Brasil - Como reagiu a ter que andar com escolta?
Gakiya
- Quando a nossa família percebe isso, é uma reação
de tristeza sobre a que ponto chegou nosso país. A gente fica com a liberdade
restrita por simplesmente fazer o que a gente deve fazer, o trabalho do dia a
dia.
Nossa
vida social hoje é bastante limitada em virtude dessa situação, mas a gente tem
de continuar trabalhando. Como eu falei, foi só a primeira fase. A gente
pretende levar em frente a investigação.
BBC
News Brasil - Quando o senhor se aposentar do MP, que ponto o senhor gostaria
de ter atingido nessa investigação?
Gakiya
- É difícil dizer. Já existe uma base de informações
sobre o funcionamento da organização. Apostamos que essas transferências vão
ter um resultado favorável, pode ter uma disputa interna e talvez surja até uma
nova liderança.
O
que quero deixar é um caminho pavimentado para promotores mais jovens, que
tenham o perfil adequado e que saibam o que vão enfrentar nessa investigação,
que possam fazer um trabalho talvez mais qualificado e competente que o meu.
(BBC)
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