sexta-feira, 3 de maio de 2019

ARTIGOS: O romance regional e as situações sociais (Eudes de Sousa)

O romance regionalista do Nordeste, da década de 30, foi notadamente germinal na história da política social brasileira. Para comprová-la, basta ter uma boa conversa literária do regionalismo.

Pois bem, passando pela crítica social, seca e terra, no começo do Estado Novo. Ou seja, no regime ditatorial de Getúlio Vargas. O que figura no regionalismo literário é o material à vista, no passado e na atualidade. Como fez Graciliano Ramos em Vidas Secas.

Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é um romance da segunda fase da prosa modernista, de caráter regional, onde se evidencia, o tema doloroso: o ambiente ora é a seca nordestina, ora é a situação social, ora é a exploração do homem pelo homem, pois o seu único objetivo é a luta pela sobrevivência.

Dessa forma, a exploração do trabalho de Fabiano, o seu personagem central, narra: “Na hora do ajuste de contas, é contestável, pois, mesmo sabendo-se logrado, nada pode fazer”.

Assim, o Fabiano traça uma luta pela sua própria sobrevivência, contra o clima e contra o poder arbitrário, do Governo e do patrão. Como se sabe, hoje, o Fabiano continua sendo uma presença forte em um país denominado pelo latifúndio, onde os trabalhadores rurais são submetidos a condições subumanas.

Por exemplo, em 1995, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a assumir perante a Organização das nações Unidas a ocorrências de formas contemporâneas de trabalhos escravo em seu território. Mas diversas variáveis contribuem para conceituação mais ampla dessa realidade.

Em outro exemplo, no episódio narrado, em que “Fabiano se considera plantado em terra alheia. Comparando-se com as catingueiras”. Isso evidencia que Fabiano não tinha sua terra para plantar. Um absurdo! Os especialistas explicam que a grilagem está umbilicalmente ligada à corrupção. A grilagem é um processo típico de roubo. Significa que você tem acesso a uma terra que não é sua, mas é ocupada por grandes latifundiários e leis que colocam em perigo as terras de pequenos trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas e demais territórios tidos como reservas legais, parques e outros.

Uma das questões em Graciliano é que isso pode justificar seu estilo pessimista de escrever e de ver a situação social no Brasil, mas justifica sua preocupação com o elemento humano, pois o homem é formado,  arrastado e moldado pelo meio natural e social, que constitui o ponto da temática da obra em questão.

Diante dessas circunstancias narradas pelo Graciliano Ramos, em um texto preciso: “Fabiano vai ganhando do seu meio social, a crença na desvalorização da pessoa humana, elemento que é o resultado das atividades negativas com que aprendeu a conviver: trabalho duro no Sertão, sem terra para plantar, gente que só sobrevive desorientada para seu próprio valor”.

Portanto, o latifundiário é um homem insensível e alheio aos problemas sociais, trata os empregados como coisas, assim como as pessoas, que também são objetos de dominação. Os valores humanos para eles não tem importância, e o valor de cada pessoa é por ele determinado: ao chagar a partilha, estava declarado, e na hora, davam-lhe uma ninharia.

Aqui interessa-nos retomar alguns aspectos das leis com o latifúndio. Afinal, são leis em abismo, a primeira legislação que versa sob o direito à terra no Brasil é de 1850, período do segundo reinado do Império. A lei de terras, ou em poder do império, só seria ocupada, mediante compra e venda, ou mesmo doação do Estado. A ideia era impedir que negro, na iminência de serem libertos por uma pressão internacional, passem a ter direito sob a terra onde viviam.

Já em 1964, sob a ditadura militar, surge o estatuto da terra, que visava estabelecer uma ocupação burguesa da terra, com médias proprietárias. Segundo o economista Guilherme Delgado define, o estatuto foi feito para inglês ver, ele nunca foi levado em conta pelo regime militar.

Com a constituição de 1988, é instituída a função social da propriedade. Ela aponta que mesmo as terras privadas só estão resguardas caso apresente padrões de produtividade, ambientais e trabalhistas e atenda as demandas da sociedade como um todo.

Mas o que se ver é o privilegio e exclusão, o capital internacional, do capital financeiro e o latifúndio da política: o avô é senador, o pai é deputado federal e o filho deputado estadual.

É com base nisso que se deve nortear o regionalismo de Graciano Ramos, que contempla os estragos deixados pelo passado e os destroços do presente progresso. Aí está em causa, a tradição literária brasileira, quer dizer, produz as mais espontâneas reações humanas diante da realidade, que o governo atual, se projeta nas contradições políticas. Nelas, o pitoresco cresce na medida, que cresce a tensão do discurso do presidente e de seus ministros.

No Brasil, sempre existiu uma aberração política, gerada pela história do capital. Mas felizmente, a questão da literatura brasileira continua sendo hoje aquela que o velho escritor nordestino, formulou ainda nos anos 30: pode um carregador de enxada filosofar na literatura? Considerada um instrumento do processo civilizatório nas situações sociais brasileiras.   






(*) Jornalista, historiador e crítico literário
- atribunadoescritor@gail.com  - (88- 992913811)

Nenhum comentário:

Postar um comentário