Nesta semana, a deputada Janaína Paschoal (PSL) foi xingada de
"traidora" pelos mesmos militantes que estiveram ao seu lado
defendendo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 - que resultou
de um pedido coassinado por ela. Membros do Movimento Brasil Livre (MBL) foram
chamados de "vendidos" e "comunistas" pelos mesmos
bolsonaristas que antes compartilhavam os posts do grupo no Facebook.
Comediante identificado com a direita, Danilo Gentili diz que está sendo
perseguido por pessoas que até ontem defendiam seu direito à liberdade de
expressão.
O motivo da discórdia são as manifestações pró-Bolsonaro marcadas em
diversas cidades para o dia 26 de maio – e que setores da direita, como os
nomes os citados acima, decidiram não apoiar.
Chamadas para os atos pró-governo dominaram grupos de WhatsApp
simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias. Elas ganharam
corpo depois que os protestos contra os cortes na educação levaram
milhares de pessoas às ruas contra o governo, no dia 15. E aumentaram ainda
mais após a carta compartilhada pelo presidente com críticas ao
sistema de organização política do país e a afirmação de que o Brasil está
"ingovernável fora dos conchavos".
Nas primeiras convocações, eram apresentadas bandeiras pedindo o
fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
As manifestações marcadas para domingo, no entanto, levaram políticos e
militantes a favor e contra os atos a trocar críticas publicamente.
Teve até briga no PSL, o partido de Bolsonaro: a deputada Carla Zambelli
criticou publicamente a colega Joice Hasselmann por não fazer convocações na
internet. Joice contra-atacou acusando Zambelli de nepotismo.
Dos 54 deputados do PSL, pelo menos 19 fizeram convocações em suas redes
sociais. Entre eles, os deputados Major Olímpio e Coronel Tadeu, ambos de São
Paulo. "Precisamos apoiar e demonstrar a força do nosso presidente. É nas
ruas, é já", disse Major Olímpio em uma convocação nas redes sociais.
Depois do racha,os organizadores tentaram abrandar a pauta, ressaltando
temas como apoio à Reforma da Previdência e ao pacote anticrime do ministro da
Justiça, Sergio Moro.
Bolsonaro, que havia cogitado comparecer, anunciou que não comparecerá.
Os filhos do presidente elogiaram o evento nas redes sociais. "Nada
mais democrático do que uma manifestação ordeira que cobra dos representantes a
mesma postura de seus representados", disse o deputado Eduardo Bolsonaro
(SP-PSL).
Mas afinal o que fez parte da base de apoio ao presidente se descolar
das manifestações?
A deputada Carla Zambelli tem defendido as manifestações no domingo
Pauta autoritária e 'tiro no pé' - Os organizadores das manifestações - formados, segundo a Folha de
S.Paulo, por grupos como Nas Ruas, Ativistas Independentes, Direita São Paulo e
Patriotas Lobo Brasil - dizem que Bolsonaro estaria sendo vítima de uma
conspiração que visa enfraquecê-lo. Mas os governistas que são contra os atos
têm apontado para duas razões justificando sua posição.
A primeira é o tom de hostilidade ao Congresso, que seria equivocado em
um momento em que o governo sofre um desgaste com o Legislativo. É a visão de
líderes do PSL como o presidente do partido, Luciano Bivar, e Joice Hasselmann,
líder do governo no Congresso.
Joice considera as manifestações "um tiro no pé", segundo a Folha
de S. Paulo, e Luciano Bivar disse na terça que "os atos não têm
sentido".
Segundo analistas políticos, não é infundado o receio de que isso azede
ainda mais a relação com o Legislativo e trave a pauta, dificultando a
aprovação de projetos prioritários para o governo, como a Reforma da
Previdência.
E uma relação ruim entre governo e Congresso poderia trazer
consequências indesejadas segundo Rafael Cortez, cientista político e sócio da
Tendências Consultoria. "É fonte de incerteza e instabilidade política e a
percepção de risco se eleva. Isso contribui para uma visão pessimista das
previsões, queda do investimento e mais um ano de decepção para a economia
brasileira, que já vive um panorama instável."
A segunda visão é a percepção de que a pauta é "majoritariamente
autoritária".
"Movimento liberal não compactua nem com fechamento de Congresso,
nem com fechamento de STF (Supremo Tribunal Federal)", disse à BBC News Brasil Kim Kataguiri, um dos líderes do
MBL - movimento que já defendeu a ocupação do Congresso Nacional durante o
governo petista e fez atos contra exposições.
"Você pode e deve criticar atitudes de membros dessas instituições,
mas nunca demonizá-las. Presidente que se diz conservador não pode atropelar
instituição democrática", disse Kataguiri.
O MBL acabou se tornando um dos principais alvos de grupos que organizam
e convocam atos de rua para domingo. Foram xingados de vendidos, traidores,
acusados de compactuar com o chamado "centrão" e até chamados de
"comunistas".
Um dos grupos que apoiam a manifestação fez transmissão ao vivo da
desinscrição de pessoas da página do MBL
"(São) radicais mostrando o quanto estão cegos pelo adesismo. Como
todo radicalismo, satura e passa. Conversamos com os sensatos e ignoramos os
alucinados", diz Kataguiri sobre as críticas.
A deputada Janaína Paschoal, acusada de "traidora" por
bolsonaristas mais fervorosos, chegou a fazer um apelo pedindo que os
organizadores "raciocinem".
"Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas precisam de
um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder convocar
manifestações! Raciocinem!", disse ela no Twitter.
"O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas, nos
termos da Constituição Federal. Propositalmente, ele (Bolsonaro) está
confundindo discussões democráticas com toma-lá-dá-cá", disse ela, que
também fez críticas, em entrevista à BBC News Brasil, à carta compartilhada
pelo presidente.
Agenda positiva - Além do apoio incondicional ao presidente Jair Bolsonaro, a pauta das
manifestações é difusa.
No início da semana, várias mensagens dos grupos de WhatsApp falavam no
fechamento do STF, com postagens no Twitter sendo acompanhadas pela hashtag
#vamosinvadirocongresso.
Os principais articuladores dos atos, entretanto, já não falam mais na
defesa explícita de fechamento das instituições. E, depois das críticas dentro
da própria direita, as reivindicações passaram a focar no apoio às principais
agendas do governo.
"O fato de terem conseguido subir uma hashtag no Twitter não
significa que o que está lá é a pauta. Não tem esse objetivo de invadir (o
Congresso) e a crítica à atuação do STF em algumas pautas não é um ataque à
instituição", disse a deputada Carla Zambelli à BBC News Brasil.
"Não tem tentativa de golpe, as críticas são legítimas. E quem está
falando de invadir não representa a maioria", disse ela.
Mensagens sobre a manifestação reunidas pelo monitor do Whatsapp do projeto
"Eleições Sem Fake", coordenado por Fabrício Benevenuto, da UFMG
Zambelli afirma que o objetivo principal dos protestos é apoiar três
medidas. "O pacote anticrime (do ministro Sérgio Moro), a aprovação da MP
870 (de reforma da administração) e a nova Previdência."
Uma das principais defensoras da ida às ruas no domingo, a deputada
reconhece que uma eventual hostilidade ao Legislativo pode ampliar a crise do
governo com o Congresso.
"Se existe essa possibilidade de acirramento, eu prefiro estar
presente e ser um agente responsável para que isso não aconteça", afirma.
"Não precisa jogar o Executivo contra o centrão, muito pelo
contrário. Uma manifestação dessa vem a ser inclusive um motivo de legitimar o
deputado que pensa como as ruas a votar junto com o governo independente da
articulação de um ou outro cacique."
O governo optou por não endossar diretamente aos atos com a presença de
figuras chave do Planalto.
O comparecimento do presidente havia sido cogitado, mas Bolsonaro disse
a aliados na terça (21), que não deve participar das manifestações. A
orientação foi para que os ministros também não participem.
Para analistas políticos, a presença do presidente no ato poderia ser um
grande complicador para o governo.
"É um desgaste que o governo não precisaria passar. Há gente
falando em coisas como fechamento de Congresso, fechamento do STF; se o
presidente endossa isso ou participa disso é um crime de
responsabilidade", afirma Leandro Consentino, cientista político do Insper
(Instituto de Ensino e Pesquisa).
Para Kim Kataguiri, do MBL, "o presidente [precisa] parar de atacar
o Parlamento e dar ordem expressa para que nenhum ataque parta da Esplanada
(dos Ministérios) ou de seus filhos. Depois, organizar o próprio partido em
prol da Previdência."
Termômetro - Para observadores, a eventual resposta nas ruas à convocação pode ser
vista como um termômetro da capacidade de mobilização do bolsonarismo e do
funcionamento de suas estratégias de engajamento pós-eleição.
"Vai ser um termômetro da capacidade do governo de mobilizar apoio
pra sua agenda, já que a vitória eleitoral não define necessariamente apoio
para as políticas que ele quer mobilizar", diz Rafael Cortez. "Foi
antes de tudo resultado de oposição ao mainstream político, não necessariamente
apoio a um conjunto definido de agenda."
Para Leandro Consentino, a própria existência de atos tanto contra
quanto a favor depois de apenas cinco meses de governo já é bastante
significativa.
"Manifestação a favor do governo já algo incomum em qualquer
período de tempo. Nesse caso é bem evidente que ela ganha corpo como uma reação
às manifestações pela educação e essa dualidade, essa tensão nas ruas é
inesperada em um início de governo. Bolsonaro ganhou com vantagem e esperava-se
que fosse iniciar um ciclo novo de estabilidade."
Segundo o cientista político, a postura de enfrentamento do presidente
em relação ao Congresso e as manifestações pela educação (ele chamou os
manifestantes de "idiotas úteis") mostra que ele ainda está em clima
de campanha.
"Essa estratégia de continuar a negar a política, negar o
Legislativo, não descer desse palanque, continuar nesse ritmo de campanha, não
ajuda trazer uma normalidade democrática."
Para analistas, a ideia dos apoiadores - de chamar as manifestações foi
uma tentativa de demonstrar força perante as manifestações da semana passada -
pode acabar rebaixando mais o capital político do governo.
"Com tão pouco tempo de governo é muito melhor passar a ideia de
que ele está carregando a legitimidade dos votos que teve na urna do que chamar
um ato de apoio. Porque mesmo que o comparecimento não seja pequeno, certamente
já é um esvaziamento em relação ao apoio que ele teve para ser eleito",
diz Consentino.
Rafael Cortez concorda. "Eventualmente uma mobilização pouco representativa vai expressar
esse processo contínuo de isolamento político do governo que já vem perdendo
capital político", afirma. (BBC)
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