Se você é dono de um
dos 55 milhões de carros que circulam no Brasil, o preço do combustível importa
para você. Mesmo se você mal usa o veículo. Como as rodovias são o meio de
transporte mais utilizado no país, o valor dos derivados do petróleo afeta o bolso
de todas as famílias.
A briga pelo valor do diesel chegou a ser o
centro das atenções de todo o país no ano passado, com o protesto de
caminhoneiros. A paralisação afetou a distribuição de alimentos em várias
regiões e chegou a travar a economia brasileira, que teve um crescimento de
1,1% em 2018.
A categoria voltou a levantar a
possibilidade de novo protesto neste ano, o que levou o governo a anunciar
medidas para o grupo, como a abertura de uma linha de crédito do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em um total de R$ 500 milhões,
para caminhoneiros autônomos.O ponto que mais chamou atenção nesse episódio foi
a interferência do presidente Jair Bolsonarona Petrobras, ao segurar o aumento
do diesel previsto pela companhia.
Na estrutura atual,
o preço dos combustíveis tem colocado, de um lado, os consumidores (taxistas,
caminhoneiros e outros motoristas) e, de outro, a Petrobras e os seus
acionistas - inclusive o governo, que é o principal deles.
"Se o governo
tenta de alguma forma controlar o preço, normalmente isso causa prejuízo à
empresa produtora de petróleo. E, se há um repasse integral dos preços, você
atinge os setores consumidores do combustível. É uma situação de difícil
solução porque sempre vai ter um lado que vai sofrer mais", explica
Mauricio Tolmasquim, professor do programa de planejamento energético da COPPE,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente da Empresa de
Pesquisa Energética.
A seguir, a BBC News
Brasil explica o preço do combustível no Brasil em 6 perguntas.
1. A Petrobras
controla os preços no Brasil?
O tamanho da Petrobras faz com que muitos
digam que é ela que determina os preços no Brasil. A empresa, por outro lado,
diz que as revisões de preço feitas pela companhia podem ou não se refletir no
preço final, já que ele tem tributos e ainda há outros agentes da cadeia de
comercialização dos combustíveis.
No Brasil, é impossível falar de petróleo
sem pensar na Petrobras, estatal criada na década de 1950 após o movimento
"O petróleo é nosso".
Inicialmente, a empresa tinha o monopólio
nessa área. Ele só acabou, em teoria, em 1997, quando o então presidente
Fernando Henrique Cardoso sancionou uma lei que extinguiu o monopólio nas
atividades de exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil.
Depois disso, empresas com sede no Brasil e
constituídas sob as leis brasileiras passaram a poder atuar nessas áreas
mediante contratos de concessão e autorização. Em 2010, foi criado também o
regime de partilha para a exploração do petróleo do pré-sal. Nesse regime, a
Petrobras tem a preferência de ser operadora e a participação dela no consórcio
de empresas não pode ser inferior a 30%.
Mesmo com o fim do monopólio, a Petrobras
segue como a grande referência nessa área. Ela é uma empresa estatal de
economia mista: tem capital aberto e o acionista majoritário é o governo
brasileiro. O bloco de controle, composto pela união, BNDES, BNDESPar, Caixa e
Fundo de Participação Social, tem 63,5% das ações com direito a voto.
"A Petrobras é o principal agente de
produção, de distribuição. A Petrobras tem um peso muito grande. Ela, no fundo,
que define o preço no mercado brasileiro, pelo seu poder de monopólio de fato,
mesmo que se possa ter outras distribuidoras, ela tem um tamanho que dá a ela
um certo poder monopolista", diz Tolmasquim sobre a dimensão da estatal no
mercado brasileiro.
2. De onde vem o
combustível consumido no Brasil?
Para virar combustível, o petróleo passa
por um longo processo. Primeiro, o óleo, que leva milhões de anos para ser
formado nas rochas sedimentares, é extraído e separado nas plataformas.
Em 2018, a Petrobras exportou 21% do
petróleo que extraiu e os outros 79% foram para as refinarias no Brasil.
Depois da extração,
se for refinado no país, o produto bruto é transportado para terminais no
litoral, de onde segue para uma refinaria e passa por três etapas de
processamento até se transformar nos subprodutos (diesel, gasolina, querosene e
gás liquefeito de petróleo).
A Petrobras responde
hoje por 98% do petróleo refinado no Brasil. A estatal tem 13 refinarias que
produzem 1,765 milhão de barris de combustível por dia - neste mês, anunciou
que vai colocar 8 delas à venda, como parte dos planos de negócio da companhia.
Na produção de derivados no ano passado, a
Petrobras usou 91% de petróleo nacional - complementado por petróleo importado
devido a especificidades técnicas para o refino. O produto final foi vendido
principalmente no Brasil (1,89 milhões de barris por dia), mas também no
exterior (178 mil barris por dia).
Atualmente, a Petrobras produz mais
petróleo bruto do que o Brasil consome, mas mesmo assim tem que importar uma
pequena parte devido ao tipo do óleo brasileiro, que, sozinho, não é adequado
para produzir alguns derivados. Além disso, o Brasil não tem capacidade de
refino compatível com a demanda interna.
"Ela não tem a capacidade de refinar
todo o petróleo que produz, então ela exporta uma parte (de produto bruto) e
precisa comprar derivados refinados a fim de atender o mercado", explicou
Antonio Jorge Ramalho, professor de relações internacionais da Universidade de
Brasília (UnB) que estuda o assunto.
Depois do refino, esses combustíveis são
transportados para distribuidoras, onde a gasolina recebe adição de etanol e se
transforma na chamada "gasolina comum", que é a mistura que é
encontrada nos postos.
No processo da distribuição, as maiores
empresas são a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, com 24% do mercado
na distribuição de gasolina, além das empresas brasileiras Raízen e Ipiranga,
com cerca de 20% cada uma.
No total, o Brasil importou 206 milhões de
barris de derivados de petróleo em 2018, 8,3% a menos do que os 224,7 milhões
importados em 2017, segundo dados da balança comercial disponibilizados pela
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Só de
gasolina foram 18,7 milhões de barris comprados do exterior no ano passado.
3. O que determina o
preço do combustível?
Como o diesel e a gasolina vêm do petróleo,
a flutuação do preço do barril no mercado internacional afeta o custo final dos
combustíveis no Brasil. O produto faz parte do grupo das commodities
comercializadas em todo o mundo, com uma classificação de qualidade ou uma
padronização, como soja, trigo e minério de ferro.
Outro fator determinante para o custo final
do combustível é se o país tem forte atividade de extração do petróleo e de
refino.
Nessa parte, os especialistas explicam que
a estrutura do mercado também afeta o preço que o consumidor paga. Quanto maior
a competição entre empresas, menor tende a ser o valor do produto.
Essa estrutura do mercado depende de como
historicamente o país tratou o setor e da inclinação dos governos para
estimular a concorrência nessa área ou exercer mais poder estatal para
controlar preços. (Leia na pergunta 6 exemplos de medidas do governo nessa
área)
A forma como os combustíveis são
transportados também é relevante, segundo Ramalho.
"O fato de usar matriz rodoviária para
entregar o óleo aumenta muitíssimo o preço. Aumenta risco de acidentes, com
danos ambientais, e assim por diante. O lógico seria ter refinarias espalhadas
pelo país, seria ter o transporte do óleo por oleoduto. É mais seguro e mais
barato", disse.
A paralisação dos
caminhoneiros em 2018 afetou a distribuição de combustível em diversas regiões
-- já que no Brasil diesel, gasolina e querosene são transportados em
caminhões. As Forças Armadas chegaram a ser chamadas para escoltar os caminhões
que saíam de refinarias, para evitar que os protestos impedissem o transporte
desses produtos em um momento em que as companhias aéreas já cancelavam voos
por falta de combustível e os postos de gasolina estavam desabastecidos.
"O Brasil é um
país enorme, então torna os custos muito mais elevados. Não é só o preço do
petróleo que vai definir o preço final da entrega do produto. É esse conjunto
de fatores: o preço internacional importa, mas a estrutura do mercado importa,
a capacidade de refino importa, o custo dos transportes importa, e os custos
finais (tributos) do produto também", resumiu Ramalho.
4. O que mais está
dentro do preço que você paga no Brasil?
Os tributos que incidem sobre os
combustíveis frequentemente são alvo de reclamações dos consumidores. Além
disso, alterações nas alíquotas são usadas pelos governos como forma de tentar
reduzir o preço final do combustível ou aumentar a arrecadação.
No auge da paralisação dos caminhoneiros em
2018, por exemplo, o então presidente Michel Temer zerou a Cide incidente sobre
o óleo diesel, numa tentativa de controlar o aumento do preço - alvo de
reclamação da categoria.
A Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico, ou Cide-combustíveis, foi criada em 2001 com a finalidade de
garantir recursos para investimento em infraestrutura de transporte e projetos
ambientais relacionados à indústria de petróleo e gás.
Atualmente, os tributos federais sobre
combustíveis têm as seguintes proporções: 9% do preço final do diesel e 15% do
valor da gasolina.
No entanto, a maior parcela de tributo é
estadual: o ICMS corresponde, em média, a 15% do preço final do diesel e 29% da
gasolina, segundo dados da Petrobras.
Isso significa que, em média, a cada R$ 10
gastos com gasolina no Brasil, R$ 4,40 são de tributos. No diesel, a cada R$ 10
em compra, R$ 2,40 são referentes aos tributos.
A justificativa para menor incidência de
tributos em cima do diesel é que esse é o combustível usado nos ônibus e
caminhões. Como o Brasil depende muito do transporte rodoviário de carga, o
aumento no diesel impacta toda a cadeia de produção, afetando inclusive a
inflação.
5. O combustível é
caro ou barato no Brasil?
O valor dos combustíveis varia inclusive
dentro do Brasil. O preço médio da gasolina em abril foi de R$ 4,42 por litro,
mas variou de R$ 3,59 a R$ 5,98 em diferentes partes do país.
Os dados são do sistema de levantamento de
preços da ANP, em pesquisa com mais de 23 mil postos no país em abril.
Já o diesel teve um preço médio de R$ 3,56
no período e variou de R$ 2,99 a R$ 4,95.
Doutora em Planejamento Energético e
coordenadora de pesquisa do centro de estudos FGV Energia, Fernanda Delgado
explica que a diferença entre as regiões se deve principalmente à variação da
alíquota do ICMS, que é definida por Estado.
"Dentro do país você tem diferenças
por causa da tributação de ICMS. O Rio de Janeiro tem a gasolina mais cara do
Brasil porque o ICMS sobre a gasolina aqui é de mais de 30%. É um dos
percentuais mais altos de ICMS que você tem no país inteiro e isso dá diferença
muito grande em relação a outros Estados", disse.
Em relação a outros países, o Brasil fica
em posições intermediárias, sem figurar entre os países que têm os combustíveis
mais caros e tampouco entre os que apresentam os menores preços.
No ranking internacional do diesel, 57
países têm o produto a preços menores que o do Brasil e 105 têm o preço mais
alto, na comparação dos preços convertidos em dólar. Ou seja, o Brasil fica em
106º lugar no ranking de 163 países com diesel mais caro no mundo.
Quando a comparação
é referente ao litro da gasolina, o Brasil aparece no meio da lista: 82 países
registraram preços mais altos e 81, valores menores. Ou seja, o Brasil fica em
83º lugar no ranking de 164 países com gasolina mais cara no mundo.
Nos dois casos,
Venezuela, Sudão e Irã estão entre os locais com combustíveis mais baratos e
Zimbábue, Hong Honk e Mônaco registraram os preços mais altos. Os dados são do
site Global Petrol Prices, usado como referência pela Petrobras.
Os Estados Unidos estão na posição 124 no
ranking do diesel mais caro e na posição 130 na lista da gasolina.
6. Dá pra diminuir o
preço do combustível no Brasil?
Sem uma considerável
queda no preço internacional do petróleo, dois cenários poderiam reduzir o
preço dos combustíveis no Brasil de forma instantânea.
Um deles é a intervenção no preço praticado
pela Petrobras - vista como medida indesejável por quem defende a autonomia da
empresa em relação governo, já que compromete o caixa da empresa e é uma
sinalização ruim para os investidores.
Entre 2014 e 2017, a Petrobras acumulou
mais de R$ 70 bilhões em prejuízos, resultados que são atribuídos não só aos
desvios por corrupção revelados pela Operação Lava Jato, mas também à política
de preços controlados.
O governo da ex-presidente Dilma Rousseff
foi criticado por congelar preços em períodos de aumento do preço do petróleo,
como medida para tentar controlar a inflação.
Logo nos primeiros meses de governo, o
presidente Jair Bolsonaro também interviu na política de preços da Petrobras,
ao determinar que a estatal suspendesse um aumento no diesel. No dia seguinte,
a queda de mais de 8% nas ações da empresa fez a petroleira perder R$ 32,4
bilhões em valor de mercado.
"A política energética nacional sempre
foi feita através da Petrobras, usando a Petrobras como política", afirmou
Fernanda Delgado. "Todos os países que tiveram preços controlados pelo
Estado tiveram algum problema em algum momento. É parte de uma política muito
paternalista, que não é saudável. Temos estrutura de mercado nacionalista e
fechado. Falta maturidade pra gente andar em direção a um mercado aberto."
Outro cenário para a
redução do preço do combustível no curto prazo seria a redução dos tributos, o
que parece pouco provável no Brasil, onde tanto o governo federal quanto a
maioria dos Estados estão com as contas comprometidas.
"(O
combustível) tem carga tributária elevadíssima. Então parte do problema, se o
governo quisesse resolver, seria reduzir os impostos. Mas a maior parte dos
impostos não é federal, é estadual. Então tem aí outra dificuldade, que é
chegar a consenso entre governos federal e estaduais visando estabelecer preço
razoável", disse Ramalho.
Segundo ele, o ideal, na verdade, seria que
o governo conseguisse usar a receita arrecadada com os tributos incidentes
sobre esses combustíveis para estimular o investimento em formas de energia que
geram menos poluição.
É o caso, por exemplo, da Noruega, que
figura entre os países com combustíveis mais caros, apesar de ser a maior
produtora e exportadora de petróleo e gás da Europa ocidental. O preço alto vem
de uma alta tributação para desestimular o consumo de combustível fóssil. É por
isto que o país é acusado de hipocrisia em sua política
ambiental: ao mesmo tempo em que é conhecida como exemplo na
proteção do meio ambiente, é um dos principais exportadores de petróleo e gás
do mundo.
"Aí você criaria uma estrutura de
incentivos que desfavorece o uso dessa energia e favorece o uso de energia
limpa. Vai conduzindo o mercado a criar e ampliar a escala das indústrias mais
limpas. E deixaria de subsidiar a indústria do petróleo. Mas aí tem que vencer
o lobby", afirmou.
Ramalho resume o que seria o melhor cenário
para a economia brasileira nesta área. "O mercado ideal é o de um país com
capacidade produtiva próxima ao menos ao que ele consome - se conseguir
produzir mais, melhor - e que ele tenha capacidade de refinar o próprio
petróleo. E que tenha capacidade de entregar isso a preços compatíveis com os
custos."
Outro cenário capaz de reduzir o preço dos
combustíveis, segundo os especialistas entrevistados, seria estimular a
competição na cadeia de produção. O tamanho da Petrobras na área de refino, por
exemplo, está em análise pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), que abriu um inquérito contra a empresa, em dezembro, para apurar
"suposto abuso de posição dominante no mercado nacional de refino de
petróleo, explorado quase integralmente pela estatal" (98% sob controle da
Petrobras).
A abertura do inquérito foi baseada em um
estudo sobre a estrutura do mercado de refinaria no Brasil e possíveis medidas
para estimular a competição no setor. O documento aponta que há poucas
alternativas à estatal para o refino de petróleo e que a concorrência fica a
cargo de importação e empresas com baixa expressividade no território
brasileiro.
Ainda não houve julgamento. Segundo o Cade,
o inquérito continua em análise na superintendência-geral do órgão.
Sobre a formação de preços, a estatal diz
que "como a lei brasileira garante liberdade de preços no mercado de
combustíveis e derivados, as revisões feitas pela Petrobras podem ou não se
refletir no preço final, que incorpora tributos e repasses dos demais agentes
do setor de comercialização: distribuidores, revendedores e produtores de
biocombustíveis, entre outros." (BBC)




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