Os jovens
brasileiros estão sendo os mais afetados pela deterioração do mercado de
trabalho. No primeiro trimestre deste ano, 41,8% da população de 18 a 24 anos
fazia parte do grupo dos subutilizados - ou seja, estavam desempregados,
desistiram de procurar emprego ou tinham disponibilidade para trabalhar por
mais horas na semana.
Em números
absolutos, são 7,337 milhões de jovens brasileiros subutilizados, o maior
número já registrado desde que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio
(Pnad) começou a ser apurada em 2012 – destes, 4,26 milhões estavam
desempregados, em busca de uma colocação, levando a uma taxa de desemprego
entre esse grupo de 27,3%.
Historicamente, a subutilização de brasileiros de 18 a 24 anos é sempre
maior no mercado trabalho, mas em momentos de crise essa tendência se agrava
porque os jovens têm menos experiências e baixa qualificação. Portanto, são os
mais vulneráveis aos momentos de crise.
E, com menos jovens entrando no mercado, cairá a contribuição para o
sistema previdenciário, levando prejuízo ao sistema já deficitário.
O quadro mais difícil para os jovens fica evidente quando se compara o
crescimento da população de subocupados de 18 a 24 anos em relação ao total dos
brasileiros. Entre 2012 e o primeiro trimestre de ano, a fatia de subocupados
na economia brasileira passou de 20,9% para 25%, enquanto entre os jovens de 18
a 24 anos o aumento foi de 30,1% para 41,8%.
“O mercado de trabalho continua restritivo, mas, sobretudo, para os mais
jovens”, afirma o economista da Tendências e responsável pelo levantamento,
Thiago Xavier.
'Disputa
com os mais experientes' - "Olhando
para quem entra hoje, a situação é complicada porque se depara com uma economia
que não cresce, um mercado de trabalho com muita gente desempregada e pessoas
sem experiência que concorrem com pessoas com qualificação que estão
desempregadas e que topariam trabalhar por um salário menor", explica
Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em Economia do Insper.
"Antes se falava em substituir pessoas mais velhas por mais novas
que topariam trabalhar menos, hoje o cenário mudou porque essas pessoas mais
velhas topam ganhar menos", completa.
Segundo a especialista, houve uma redução na rotatividade do mercado,
no que se refere à saída dos mais velhos e à entrada dos jovens. "Agora
essa pessoa de 50 anos vai trabalhar até os 75 anos. Tudo isso dificulta a
entrada do jovem no mercado de trabalho", diz.
Juliana Inhasz alerta ainda que, uma vez aprovada a reforma da
Previdência, as pessoas terão que trabalhar por mais tempo para se aposentar –
e isso cria uma concorrência maior dentro do mercado.
"O jovem não tem experiência e vai ter que começar a concorrer com
pessoas que vão ficar mais tempo no mercado de trabalho."
Estados - A situação
é mais grave para os jovens do Amapá e do Acre. Nesses estados, o desemprego
passa de 40% para os que têm entre 18 e 24 anos. Mas mesmo em Santa Catarina,
estado com o menor desemprego nessa faixa etária, a taxa ainda é alta, chegando
a 14,5%, superando o desemprego geral no total do país (12,7%).
Informalidade - Se e
quando a economia voltar a crescer, o mercado de trabalho deve ganhar dinamismo
e o jovem volta a se empregar. Mas esse cenário pode demorar para acontecer.
Enquanto isso, parte dos jovens caminha para atividades informais ou autônomas,
aponta Juliana.
"Tem muita
gente trabalhando na informalidade ou por conta própria. O jovem não tem
capital para empreender, por isso vai para a informalidade, trabalhando sem
carteira assinada. E tem também os jovens que trabalham em atividades ilegais,
vendendo produtos sem nota ou sem estar autorizado pelos órgãos
competentes", diz ela. "É um sintoma claro que os jovens querem se
colocar no mercado, então arrumam alternativas, seja na informalidade ou
ilegalidade para ter a sua renda."
Para Natália Sotero Fernandes, a
informalidade é uma realidade há dois anos. Demitida do primeiro e único
emprego formal, a estudante de pedagogia dá aulas particulares no quintal de
casa, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte.
“Mandei currículo
até perder as contas. Cheguei a fazer entrevistas, mas não deu em nada. Acabei
desistindo”, conta.
Efeitos
para o futuro - O efeito perverso do desemprego para os jovens brasileiros não
vai se dar apenas no curto prazo. Para o futuro, o quadro é bastante
preocupante, segundo os economistas, porque os jovens desempregados de hoje não
vão ter qualificação e experiência suficientes para entrar no mercado de trabalho
se a economia voltar a crescer.
“O Brasil não está
dando oportunidade para uma mão de obra da qual ela vai depender no futuro”,
afirma o economista Cosmo Donato, da consultoria LCA.
Jovens menos qualificados comprometem a produtividade do Brasil, diminuindo
ainda mais o potencial de crescimento da economia, e também produzem uma
pressão adicional para as contas públicas.
Embora o desemprego afete os jovens de todos os níveis de formação,
quem tem nível educacional menor sofre mais dentro desse cenário. O IBGE não
cruza as informações de idade e instrução. Mas os dados incluindo todas as
faixas etárias mostra que a população com ensino superior completo tem as
menores taxas de desemprego.
Com isso, quem sofre
mais com o alto desemprego são os trabalhadores de menor nível educacional.
"Um jovem com pós-graduação mais qualificado pode entrar no mercado com um
salário mais baixo, pois o poder de barganha é maior", diz Juliana. "Quem
não tem qualificação sofre mais – quem saiu do ensino médio sem formação
técnica ou sem uma qualificação específica numa área sofre mais."
Para Ana Karoliny Melo, essa já é uma
realidade cruel. Sem emprego e com a mãe também desempregada, a
jovem acriana precisou desistir de cursar uma faculdade. Sem uma qualificação
maior, Ana Karoliny procura, até agora sem sucesso, uma vaga no comércio de Rio
Branco.
"Na maioria dos lugares, para o setor de vendas, por exemplo, eles
querem alguém que já tenha experiência e acaba que é muito difícil, porque
nunca trabalhei formalmente. É uma barreira mesmo", lamenta.
O maior contingente
de desempregados com formação gera efeitos em ambas as pontas: desemprego para
quem tem pouca qualificação, e subemprego para quem é qualificado.
Formada em gestão
pública, Nathalia Regis, de Brasília, acabou
indo trabalhar num escritório de franquias, ganhando muito menos do que
esperava - até ficar desempregada. O marido dela, Victor, professor de inglês
aceitou uma vaga numa clínica veterinária.
"O mercado
subiu muito a régua de exigências porque tem muita gente disponível com
qualificação. Não vai pegar um jovem de 18 anos sem formação nem experiência
porque tem a pessoa de 30 anos que tem mais a oferecer em termos de experiência
e formação", diz a especialista do Insper. "Quem mora na periferia
com uma formação que não é ideal vai ter que se sujeitar a trabalhos de
qualidade muito ruim e salários muito baixos".
Na zona norte do
Recife, William Pereira da Silva, de 18 anos, trabalha
na informalidade há 3 anos, aplicando películas em janelas e vidros de carros.
Mesmo com pouca idade, William descreve com precisão os efeitos
incertos da informalidade para o bolso. “Aprendi esse serviço com um homem que
eu considero pai e acho que é um bom trabalho. Quando eu aplico nos quatro
vidros e na traseira do carro, o serviço fica por R$ 80. Quando é completo,
faço por R$ 100. Só que não é sempre que eu faço, aí não é sempre que eu
ganho”, detalha.
Piora na Previdência
- Com os trabalhadores mais novos fora do mercado de trabalho, haverá menos
contribuição para o sistema previdenciário e, portanto, um prejuízo para as
contas da previdência. “Quanto mais lentamente o mercado de trabalho se
recuperar, mais difícil vai ser a capacidade de a Previdência se tornar
sustentável”, diz Donato.
Levantamento da
consultoria iDados mostra que houve uma queda considerável na proporção de
jovens que contribuem para a Previdência Social nos últimos anos. Em 2012,
36,5% dessa população participava do sistema; no final de 2018, essa fatia
havia caído para 28,5%.
O atual modelo de previdência brasileiro é contributivo – ou seja, os
trabalhadores da ativa pagam os benefícios dos aposentados. Com menos jovens
entrando no sistema e mais brasileiros se aposentando, o desequilíbrio nas
contas tende a aumentar, comprometendo cada vez mais a capacidade da
Previdência Social que, em 2018, teve um rombo recorde de R$ 290,2 bilhões.
Os dados do estudo sugerem que os jovens não estão contribuindo por
falta de oferta de vagas formais, não por estarem adiando a entrada no mercado
de trabalho para aprimorar sua formação – o que indica jovens desempregados e
com baixa qualificação.
"Se esses números refletissem o adiamento da entrada no mercado de
trabalho (por motivos de estudo, por exemplo), esperaríamos que essa perda
fosse compensada com maiores rendimentos no futuro. Contudo, o que os dados
mostram é que a taxa de frequência escolar não se alterou para o grupo dos
desassistidos, e a queda observada também ocorre quando restringimos a análise
somente aos jovens que trabalham (excluindo os estudantes e os nem-nem)",
aponta o estudo.
"O cenário econômico demora para melhorar. Daqui a alguns anos o
mercado voltará a ser atrativo, não como era nos anos 2000, mas esse jovem vai
encontrar um mercado um pouco melhor. Só que isso demora, não é para
agora", acredita Juliana, do Insper.
"Se esse jovem aproveitar agora para se qualificar, aprender línguas e
lidar com a tecnologia ele estará mais preparado para a nova onda que virá. Mas
nós vamos dar uma tropeçada num presente que não gostaríamos que tivéssemos
hoje", conclui. (G1)
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