A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (10), em primeiro turno, o texto-base da reforma da
Previdência, com placar expressivo: 379 votos a favor e 131 contra. Foram quase
seis meses de discussão desde que o texto chegou à Câmara. Ao longo deste
período, várias categorias econômicas e profissionais se mobilizaram para
garantir benefícios ou evitar se prejudicar na reforma - e algumas delas
conseguiram.
Foi o caso do agronegócio, que conseguiu
barrar uma contribuição previdenciária sobre o setor, cujo impacto era estimado
em R$ 84 bilhões ao longo dos próximos 10 anos. Outros grupos que estão
conseguindo regras mais brandas são policiais federais e militares - ambos da
base eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Caso a reforma entre em vigor nos
termos aprovados nesta quarta pela Câmara, essas categorias conseguirão se
aposentar mais cedo que a maioria dos brasileiros, que estarão submetidos a
exigência de idade mínima de 65 anos para homens e de 62 para mulheres.
Um levantamento do
jornal O Estado de São Paulo usou dados obtidos por meio da Lei de Acesso à
Informação (LAI) para mostrar que o número de organizações autorizadas a enviar
pessoas para fazer pressão sobre os deputados mais que dobrou no começo deste
ano. Até o fim de 2018, a Câmara tinha 181 entidades registradas. Hoje, este
número é de 359.
Foi comum ver
sindicalistas ligados ao serviço público e representantes de entidades
empresariais conversando com congressistas nos corredores da Câmara nos últimos
dias.
"Neste momento,
não convém ficarmos identificando pontualmente determinadas categorias porque o
presidente entende que todo mundo vai ter sua cota de sacrifício", disse
na terça-feira o porta-voz a Presidência, General Otávio do Rêgo Barros, ao ser
questionado sobre a regras para policiais.
A reforma da
Previdência é uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Isto significa que
ela precisa enfrentar mais um turno de votação na Câmara e mais dois no Senado.
Além disso, os deputados devem continuar votando nesta quinta-feira (11) os
destaques e as emendas ao texto - que são propostas de alteração. Por isto, é
possível que o texto ainda mude.
Mas até agora, quais
são os interesses que estão prevalecendo na discussão da reforma da
Previdência? A reportagem da BBC News Brasil destaca seis interesses que foram
atendidos na votação da reforma da Previdência.
O agronegócio
exportador - A principal mudança que beneficiou o
agronegócio aconteceu durante a votação dos destaques ao texto do relator
Samuel Moreira (PSDB-SP), na comissão especial.
No texto original do tucano, as exportações
de produtos agrícolas passavam a pagar uma contribuição previdenciária, cujo
impacto era estimado em R$ 84 bilhões ao longo dos próximos 10 anos. Mas graças
a um destaque da bancada ruralista, este trecho foi removido - e as exportações
do agronegócio continuarão isentas.
O destaque que manteve a isenção para o
agronegócio foi o último a ser votado na comissão, no dia 3 de julho. Foi
aprovado por volta das 2h da manhã. O destaque foi apresentado em bloco pelos
partidos PP, PTB e MDB.
Além de manter a
isenção, o destaque também acabou com uma salvaguarda que Moreira tinha
incluído no texto: o relator queria criar um prazo de 60 meses para que as
empresas renegociassem suas dívidas previdenciárias com o governo. Este trecho
foi retirado.
Fintechs e outras
empresas do mercado financeiro - Durante a discussão da reforma na Comissão
Especial, o relator, Samuel Moreira (PSDB-SP) cogitou aumentar a Contribuição
Social sobre Lucro Líquido (CSLL) para bancos e instituições financeiras, dos
atuais 15% para 20%. Era uma forma de aumentar a arrecadação do governo para
preservar o impacto positivo da reforma sobre as contas públicas.
Mas quando o relatório de Moreira foi
apresentado, em 3 de julho, só os bancos grandes e médios estavam no pacote:
corretoras, sociedades de crédito, fintechs (startups da área financeira), a
Bolsa de Valores de São Paulo e outras empresas do mercado financeiro ficaram
de fora do aumento. Continuarão pagando apenas 15%. As cooperativas de crédito
pagarão 17%.
A CSLL é um tributo federal pago pelas
empresas e destinado a financiar a Seguridade Social.
Empresas de
previdência privada - Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff
(PT) aprovou no Congresso uma reforma da Previdência que tinha como alvo
principal os servidores públicos. Os profissionais que entraram no Estado a
partir daquele ano não teriam mais o direito automático à aposentar-se com o
mesmo salário que tinham no fim da carreira - quem quisesse uma aposentadoria
maior deveria fazer um plano de previdência privada. No caso dos servidores da
União, esses planos ficaram a cargo da Funpresp - a Fundação de Previdência
Complementar do Servidor Público da União.
Mas agora isto não é mais obrigatório: a
administração poderá ser feita também por fundos privados.
Embora seja uma fundação de direito
privado, a Funpresp tem "natureza pública". Ela é obrigada a fazer
concurso para contratar funcionários; precisa seguir a Lei de Licitações para
fazer compras; e não tem fins lucrativos - diferente das empresas de
previdência privada.
Policiais federais devem conseguir regras mais brandas que o resto da população
Policiais federais e
outras categorias de segurança - Com apoio do presidente Bolsonaro e de
deputados da bancada da segurança pública, também chamada de bancada da bala,
policiais federais e outros servidores da área de segurança devem conseguir
regras de aposentadoria mais brandas que a maioria da população.
O regime mais suave também deve atender
policiais civis do Distrito Federal, policiais legislativos, policiais
rodoviários federais, agentes penitenciários e agentes socioeducativos.
Segundo o líder da maioria na Câmara,
deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), há acordo entre líderes partidários para
que o plenário da Câmara aprove destaque fixando idade mínima para
aposentadoria de 53 anos para homens e 52 para mulheres dessas categorias. No
texto base aprovado no plenário, a previsão é de idade mínima de 55 anos.
A regra em vigor
permite que essas categorias se aposentem com qualquer idade, desde que cumpram
um tempo mínimo de contribuição - 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher.
Em outra vitória,
essas categorias caminham para garantir a integralidade (aposentadoria pelo
último salário) e a paridade (manter reajustes concedidos aos salários da
ativa) para todos que ingressaram na categoria até a reforma da Previdência
entrar em vigor. São dois benefícios que a maioria dos que ingressaram a partir
de 2004 no serviço público já perdeu.
O texto aprovado pelo plenário diz que
servidores públicos policiais podem se aposentar "na forma da Lei
Complementar nº 51", que prevê o direito a "proventos
integrais". Esses grupos têm pedido na justiça o direito a se aposentar
com o último salário, com base nessa lei.
Em 2017, ainda no governo Michel Temer, a
Advocacia Geral da União se manifestou contra esses pedidos na Justiça. Agora,
sob a gestão de Bolsonaro, a AGU deve mudar seu parecer, defendendo o direito à
integralidade.
Militares - O governo também quer mudar o regime de
aposentadoria das Forças Armadas, mas isso está sendo tratado em um projeto de
lei separado - ou seja, a aprovação dessa PEC não muda nada para eles.
A proposta do governo para os militares é
mais branda que para o resto da população. Ela prevê que o tempo mínimo de
serviço para ingressar na reserva passará de 30 anos para 35 anos, mas não
estabelece idade mínima.
De acordo com dados levantados pelo Tribunal
de Contas da União, 62% dos integrantes das Forças Armadas passam para reserva
com menos de 50 anos. Com o aumento de cinco anos de contribuição, portanto, a
maioria deve se aposentar antes dos 55.
A proposta também preserva os benefícios de
paridade e integralidade, no que é apontado como um grande privilégio que está
sendo mantido para a carreira militar. As Forças Armadas justificam essa
diferença dizendo que os militares não se aposentam, mas passam para a reserva,
podendo ser convocados. Na prática, porém, um percentual mínimo volta a
trabalhar após sair da ativa.
Professores - Destaques que tentam suavizar as mudanças
na aposentadoria de professores serão analisados nesta quinta no plenário da
Câmara, mas não há acordo que garanta a aprovação - como no caso dos policiais
federais.
No entanto, a categoria já havia conseguido
mudar o texto enviado pelo governo na comissão especial da Câmara que analisou
o texto. O texto aprovado nesta quarta prevê que professoras poderão se
aposentar com 57 anos e professores, com 60 - a regra será a mesma para rede
pública e privada.
Hoje, não há idade mínima na rede privada,
mas é exigido tempo mínimo de contribuição. No setor público, a idade mínima
nas regras atuais são 50 anos (mulheres) e 55 (homens).
A proposta original do governo era de
estabelecer idade mínima de 60 anos e tempo de contribuição de 30 anos para
ambos os sexos. (BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário