Dono
de uma voz e da batida de violão que sensibilizaram ouvidos mundo afora, o
músico João Gilberto morreu neste sábado (6) aos 88 anos, segundo confirmaram a
assessoria da cantora Bebel Gilberto, sua filha, e, em publicação nas redes
sociais, Marcelo Gilberto, seu filho.
Ainda
não há detalhes sobre as circunstâncias da morte, no Rio de Janeiro.
O
cantor, compositor e violonista é conhecido como o "pai da Bossa
Nova" - voz da faixa e do disco símbolos do estilo, Chega de Saudade, e
um dos principais representantes da projeção internacional da música brasileira
na década de 60.
Ainda
cedo, em Juazeiro, cidade baiana onde nasceu em 1931, João mostrava ligação
íntima com a música - sua família era formada por músicos amadores e,
adolescente, participou do grupo musical Enamorados do Ritmo. Aos 18, foi crooner (termo
que costuma se referir a cantores que transitam entre vários gêneros e buscam
fazer apresentações com apelo popular) na Rádio Sociedade da Bahia.
Em
1950, começa sua primeira incursão no Rio de Janeiro, onde passará os cinco
anos seguintes. Neste período, trabalhou em algumas frentes, tentando tanto
carreira solo como participando de conjuntos vocais.
Mas
foi entre 1955 e 1957, ao sair do Rio e se estabelecer sobretudo em Diamantina
(MG), que João viveu um período de intenso treino e desenvolvimento de sua
arte, aprimorando um estilo florescido pelo encontro entre o samba e o jazz e
que marcaria para sempre não só sua geração de músicos, mas as futuras.
O
lançamento de 'Chega de Saudade' - De volta ao Rio, ainda desconhecido,
João Gilberto começou a se aproximar de nomes importantes da cena musical, como
Roberto Menescal e, depois, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, estes dois
compositores da música que consagraria João, Chega de Saudade.
Este
era também o nome do disco de estreia do baiano, que começou a ser gravado nos
estúdios Odeon em 1958 e foi lançado em 1959. Em março, nos 60 anos de estreia
do LP, a BBC News Brasil publicou os bastidores da produção da obra.
João
não foi o primeiro a gravar a faixa; a cantora Elizeth Cardoso já havia
interpretado-a no álbum Canção do Amor Demais, inclusive com participação
de João no violão nesta e em outra música.
Em uma outra reportagem da BBC News Brasil, o produtor
musical André Midani - que morreu em junho e foi um dos nomes mais importantes
da indústria fonográfica brasileira nas últimas décadas - lembrou de seu
primeiro encontro com João Gilberto, em 1957.
"O
Dorival (Caymmi) chegou ao estúdio da Odeon, me chamou e fomos para a minha
sala. Nisso, apareceu também o Aloysio de Oliveira, que era diretor artístico.
Dorival disse: 'Gente, tem um menino que veio da Bahia, calado, conversa pouco,
mas que canta demais. E tem uma divisão revolucionária. Vocês precisam ouvir
isso'", contou Midani.
"Marcamos
um encontro e, no dia combinado, o Dorival chegou com aquele sujeito, que eu
não sabia nem o nome. Conversamos um pouco e nada do moço abrir a boca. Até que
em um determinado momento, o Dorival falou 'João, toca aí um pouco, porque eles
querem ouvir o que você faz'. Ele tocou e o resto é história".
Sobre
os encontros que juntariam João Gilberto a João Donato, Tom Jobim e Vinícius de
Moraes naquela época, o produtor musical diz ter percebido estar diante de uma
vanguarda.
"Tive
uma visão, primeiro europeia, porque aquilo me lembrava a nova música francesa
daquela época, que se distanciava do que era antigo. Ao ouvir a Bossa Nova,
percebi que aquele estilo era música de jovem feita para o público jovem",
disse em entrevista à BBC News Brasil.
Sucesso
no exterior - Havia uma veia internacional na bossa nova, o que logo
deu frutos como, em 1961, o lançamento nos Estados Unidos do álbum de João
Gilberto Brazil's Brilliant. Em 1962, o brasileiro se
apresentou no Carnegie Hall, influente sala de concertos em Nova York; e em
1964, lançou em parceria com o saxofonista americano Stan Getz um disco.
Cantor e compositor morou no exterior por quase duas décadas
Getz/Gilberto levaria em 1964 o prêmio de
álbum do ano no Grammy, análogo ao Oscar do cinema, na música. Foi um dos dois
Grammys já vencidos por Gilberto - outro viria em 2000, na categoria World
Music, com o álbum João Voz e Violão, produzido por Caetano Veloso.
Já
no início da década de 60, o músico começou a fazer turnês pelo mundo. Também
viveu fora por quase duas décadas, principalmente nos Estados Unidos, voltando
para o Brasil definitivamente em 1979.
Morando
no Rio de Janeiro, fez mais parcerias com nomes da música brasileira, como com
Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia no álbum Brasil; além de
continuar viajando para turnês no exterior.
Também
é conhecida sua influência em encontros com os Novos Baianos.
Mas
boa parte do repertório que continuou apresentando nas décadas mais recentes
ainda era tributário de sua produção dos anos 50 e 60.
A
última apresentação do baiano aconteceu em 2008, na comemoração dos 50 anos da
bossa nova - que passou por Rio, Salvador, São Paulo e Nova York.
Já
seu último álbum lançado no Brasil foi João Gilberto in Tokyo, de 2004.
Distância
dos holofotes - A reclusão, os problemas de saúde e as disputas na família
foram assuntos sobre João impulsionados na mídia na mesma medida em que sua
distância das aparições públicas aumentava.
Em
entrevista à BBC News Brasil publicada em março, Roberto Menescal, amigo antigo
de João Gilberto, afirmou que não tinha notícias dele há anos.
"Recluso
ele sempre foi. Mas, nos últimos anos, chegou ao máximo da reclusão",
lamentou.
O
jornalista e pesquisador Ricardo Cravo Albin também relatou tentativas de
aproximação.
"Há
uns cinco anos, liguei para o João. Ele atendeu, mas disse que não estava.
Respeitei. Dias depois, a pedido do Otávio Terceiro, seu antigo empresário,
voltei a ligar. Ele atendeu de novo e disse que o João não estava. Pô, a voz do
João é inconfundível!", lamentou o musicólogo.
"Me
recuso a dizer que João Gilberto é neurótico ou desequilibrado. Nada disso. É
apenas um sujeito excêntrico e original", afirmou Albin à reportagem. (BBC)
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