sexta-feira, 29 de novembro de 2019

ARTIGOS: O regionalismo literário nordestino (Eudes de Sousa*)


Muitos de nossos escritores, como Mário de Andrade e Menotti Del Pichia, comungaram com Oswaldo de Andrade do desejo de garantir fidelidade às raízes, ao mesmo tempo em que se procurava acompanhar os passos das vanguardas europeias. O mesmo se dava em nossos países vizinhos: Jorge Luiz Borges, com seu altruísmo e Vicente Huidobro, elaborando o seu cristianismo, cada um ao seu modo e de maneira distinta do modernismo.

Mas com os mesmos propósitos: fazer com que a Europa deixasse de ser o ponto de referência da América Latina. Os sucessos que lhes vieram, facilitaram, portanto, a pergunta no ar: quem vem de lá do Nordeste? O regionalismo da prosa nordestina. E veio para ficar.

Com o passar do tempo, esses escritores vanguardistas, continuaram, ao longo de suas vidas, buscando a renovação da literatura latino-americana, para torná-la mais fontes de influências regionais. Influências não só mais nas paisagens ou nos costumes, mas na maneira antropofágica de escrever, elegendo a palavra como o instrumento de uso da comunidade regional.

Portanto, os aspectos da técnica moderna no processo literário tradicional. Não poderiam deixar de conter esse registro histórico tão fundamental e dispensável, para que se possa compreender melhor a trajetória do regionalismo literário nordestino. Assim, com esse dimensionamento artístico, os romancistas nordestinos criaram uma província para dentro dela, construir universo literário.

Portanto, bem no meio das caatingas do Nordeste a forma de expressão introduzida pelos modernistas ganhou equilíbrio, tornando-se cada vez mais um instrumento de pesquisa da realidade nacional, destaca-se, então a grande prosa regionalista, que procurou, além de mostrar a realidade brasileira, aproximar a linguagem literária do povo, incorporando os termos regionalistas, marcados principalmente pelo sofrimento nordestino.

Assim, a prosa regionalista nordestina, tem grandes nomes, como Jorge Amado, José Américo de Almeida, José Lins, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, entre outros, que vieram construírem romances de caráter universal.

Portanto, a prosa regionalista instaura uma escrita tão convincente e eloquente que possibilita os novos escritores, a elegerem traços da realidade nordestina, que se adéquam muito às situações regionalistas, como, o sol, o mar, o sertão, a miséria, o latifúndio, a política, a religião e o povo, que estão sempre presentes, na linha regionalista, neste nordeste achatado, empilhado, onde miramos nossas possibilidades e projetamos nosso futuro.

Neste sentido, o horizonte se desloca, e surgem grandes romances nordestinos, que lembram o neorrealismo de 30. Entre outros autores, estão, Lêdo Ivo e Josué Montello. Nada de experimental na forma do contar, especificamente na linguagem estética, ou de uma reviravolta temática, pois o leitor busca mesmo é uma boa história. E elas estão aí.

Sem dúvida alguma, talvez o que chama atenção para o leitor, é a denúncia dessa gente excluída e abandonada numa condição que parece crônica, porque sempre protelada, sempre maquiada e macaqueada. Desde quando? Até quando? É uma história, que está retratada na literatura regionalista, que permanece em nossa mente e nos inquieta. Com suas quase voltas no tempo, os novos autores reacendem a questão: é retrógrado falar de coronelismo? Esse glutão lascivo, chamado de nordeste.

O regionalismo literário nordestino ainda pergunta o que provoca outras ainda mais pertinentes: teriam acaso sumido para sempre as práticas simbólicas de comunidades inteiras que viveram ou vivem no sertão nordestino, só porque uma parte da região entrou no ritmo da indústria e do capitalismo internacional. Então, é lícito ao escritor que nasceu e cresceu no nordeste, o direito de recriar o imaginário do povo de sua terra pela consciência crítica.

Sem citar nomes, já nasceram outros novos bons escritores regionalistas, que contam histórias do brutalizado nordestino, com suas famílias, às voltas com uma natureza que só por pouco tempo mostra-se dadivosa, mas a maior parte do tempo cruel: é a seca avassaladora. Mas os maiores problemas não vêm daí, vêm do entorno de uma sociedade dividida, segmentada em quem tem, e quem não tem, permeada de preconceito, de intolerância religiosa e corrupção política.

E mais: gente que morre desamparada, alargada ao verme e à desgraça pelo poder público, mas quer continuar lutando pelo fôlego da firmação vital. Neste sentido aprenderam bem a lição de Graciliano Ramos: o problema sai do terreno do Fado ou da natureza, para tornar-se um problema social, um problema político.

Enfim, a população sofrida, que está lançada à miséria, nem conhece o seu prefeito, conivente com o populismo canalha, que não sabe, muitas vezes, expressar toda a dimensão de sua dor. Essas são as razões que fundamentam e validam de se ler os belos livros, dos nossos escritores regionalistas nordestinos, principalmente os dos autores cearenses que continuam tendo piedade do povo, fazendo o povo nordestino pensar;








                                                               Jornalista, Historiador e 
                                                                            Crítico Literário






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