Sem que ninguém
perguntasse, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na terça-feira (18/02) que o
ministro da Economia, Paulo Guedes, "não pediu para sair" e "vai
continuar conosco até o nosso último dia", despertando imediatamente
especulações no sentido contrário, de que seu "Posto Ipiranga" está, na
verdade, ameaçando pular fora do governo.
O motivo do desgaste entre os dois é a lentidão
do andamento da pauta econômica defendida pelo ministro, já que o presidente
não abraça de fato sua agenda ultraliberal, nem tem articulação política no
Congresso para garantir a aprovação das medidas. Além disso, Guedes virou foco
de fortes críticas nas últimas semanas por suas próprias declarações polêmicas,
o que acaba também atrapalhando o andamento de propostas impopulares, como a
reforma administrativa para alterar regras do funcionalismo público.
Para analistas políticos e econômicos ouvidos pela BBC News Brasil, uma
eventual saída do superministro com apenas um ano de governo vai gerar
turbulência e afetar negativamente a imagem da gestão Bolsonaro. Se isso
ocorrer, porém, eles acreditam que a tendência é o presidente buscar alguém de
perfil semelhante para substituí-lo dentro do próprio governo, por exemplo
deslocando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para o
ministério da Economia, ou promovendo para o cargo o Secretário do Tesouro,
Mansueto Almeida.
"Paulo Guedes é um dos pilares da razoável
estabilidade na percepção de investidores e empresários com relação à economia,
a despeito de todos os focos de incerteza. Se ele sair, acredito que o
presidente buscaria um nome na mesma linha. Seria um risco muito alto para a administração
Bolsonaro perder a questão econômica como uma variável para capital
político", afirma o cientista político Rafael Cortez, da consultoria
Tendências.
Ele, porém, considera que o mais provável, no
momento, é Guedes permanecer no governo.
"Os dois se uniram
em um casamento de conveniência. Bolsonaro precisava de um nome para dar alguma
credibilidade a sua agenda econômica, e o Paulo Guedes não era um economista
nas primeiras posições para ocupar um cargo dessa magnitude na época da
dicotomia PT-PSDB", lembra ele.
"Não vejo
incentivos para romper essa relação agora. Do ponto de vista do presidente,
representaria um risco reputacional e para a agenda econômica. E da perspectiva
do ministro Guedes, esse primeiro ano foi bastante insuficiente para a ideia de
deixar um legado na história de construção de uma agenda econômica",
analisa.
'Parasitas e
empregadas'
Guedes foi criticado como elitista e
preconceituoso na última semana ao defender o dólar alto dizendo que antes,
quando a taxa de câmbio estava em R$ 1,80, "todo mundo (estava) indo para
a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa
danada". A moeda americana hoje está valendo R$ 4,36.
Dias antes, ele já tinha despertado a ira dos
servidores públicos ao chamá-los de "parasitas" quando criticava as
reivindicações de aumentos salariais num momento em que "o governo está
quebrado". A fala acabou azedando o clima político para enviar a proposta
de reforma administrativa ao Congresso, onde há uma forte frente parlamentar de
defesa do funcionalismo que se opõe à ideia de flexibilizar a estabilidade dor
servidores e criar regras mais restritivas para reajustes salariais.
Por causa de declarações como essas, que acabam
atrapalhando a condução das reformas, o economista Bráulio Borges, da
consultoria LCA e do Ibre/FGV, considera que poderia até ser positiva a troca
do ministro da Economia.
Na sua visão, o
presidente não teria dificuldade em conseguir alguém de perfil semelhante ao de
Guedes, que chama de "Chicago old", em referência ao envelhecimento
dos chamados "Chicago boys", economistas formados na Universidade de
Chicago (EUA) décadas atrás, com viés superliberal na economia.
Ele ressalta, no
entanto, que as dificuldades na condução da política econômica tendem a
continuar, independente de qual for o ministro. "Mesmo que o eventual
substituto do Guedes for melhor que o Guedes, não vai eliminar o foco de tensão
permanente que é o fato de Bolsonaro não ser um liberal, nem na economia, nem
nos costumes", afirma.
Borges exemplifica a falta de apreço do
presidente pela agenda econômica liberal citando sua recente "disputa com
os governadores para reduzir tributação sobre os combustíveis, num momento em
que não há espaço fiscal para retirar esses impostos". Ele também critica
a decisão do governo de injetar R$ 7,6 bilhões na Emgepron, estatal da área
militar, no final de 2019, com objetivo de construir corvetas (navios de
guerra), a despeito das contas continuarem no vermelho.
Na sua visão, esse "comportamento
populista" tende a se intensificar na medida em que se aproximar a eleição
presidencial de 2022, quando Bolsonaro vai tentar a reeleição.
"É um casamento bastante oportunista essa
união de Guedes e Bolsonaro. Até agora deu certo, mas imagina a pressão se a
economia de fato não decolar e o próximo ciclo político eleitoral for se
aproximado", ressalta.
Para Borges, o "timing" (melhor
momento) para aprovar as reformas vai até meados desse ano, já que no segundo
semestre haverá eleições municipais e, no início de 2021, acaba o mandato de
Rodrigo Maia (DEM) como presidente da Câmara dos Deputados — ele, que tem sido
o principal fiador da agenda econômica de Guedes, não pode se reeleger mais uma
vez para presidir a Casa pelas regras atuais. O mesmo acontecerá no Senado,
comandado hoje por Davi Alcolumbre (DEM).
Falta de articulação política do Planalto no Congresso tem
representado dificuldades para a aplicação da agenda de Guedes
'Reformas sem rumo'
A consultora econômica
Zeina Latif, que até janeiro era economista-chefe da XP Investimentos, uma das
maiores corretoras do país, diz que o mercado financeiro continua tendo Guedes
em alta conta, mesmo com o desgaste das últimas declarações.
"Eu vejo no mercado financeiro, no
empresariado, muito respeito por ele. Gostando ou não do estilo, o fato é que
ele consegue explicar a economia para as pessoas como antes outros ministros
não fizeram. Ele consegue levantar temas polêmicos, ainda que às vezes de um
jeito atrapalhado", acredita.
Na sua leitura, o grande problema está na falta
de clareza sobre qual o "compromisso" do governo com as reformas,
depois da aprovação das mudanças da Previdência, em 2019. Ela ressalta que a
gestão Bolsonaro tem apresentado intenções em diversas áreas, mas sem indicar
qual é sua prioridade.
"A gente não consegue hoje dizer qual o
próximo item que o governo vai trabalhar para aprovar no Congresso. É o Plano
Mansueto (medidas para melhorar as contas de Estados e municípios)? É a PEC
Emergencial (que também trata de contas públicas)? É a carteira Verde-Amarela
(proposta de novos contratos de trabalho)? É a reforma tributária?",
questiona a economista.
Ela diz ainda que "falta Casa Civil"
ao governo, em referência ao ministério que costuma cuidar da articulação
política. Bolsonaro acaba de trocar o comado da pasta, nomeando como ministro o
general Walter Souza Braga Netto, no lugar de Ônyx Lorenzoni, político do DEM
que assumiu o Ministério das Cidades. A economista, porém, não vê perspectivas
de melhora na negociação política com a nomeação de mais um militar para o
governo.
"Governar (para essa gestão) parece que é
mandar projeto para o Congresso, mas não é. Governar é estabelecer prioridades,
é fazer o diálogo com os Poderes (Congresso e STF), é entregar. Não é dizer 'já
fiz a minha parte, agora é com o Congresso'", critica ainda.
(Fonte: BBC)
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