Pouco menos de cinco meses após registrar a primeira morte, em março, o Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortos por covid-19 no sábado (08/08). Nesse período, segundo dados do Ministério da Saúde, foram cerca de 3 milhões de infectados e quase 2,2 milhões de recuperados.
Em meio à crescente politização sobre a
doença causada pelo novo coronavírus, integrantes do governo Bolsonaro e
apoiadores do presidente reforçam o último número como sinônimo de que o Brasil
está conseguindo controlar a pandemia e de que a imprensa vem fazendo uma
"cobertura maciça de fatos negativos", como chegou a dizer o ministro
Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, em maio.
Desde aquele mês, o Ministério da Saúde tem
dado destaque ao número de recuperados. Naquela ocasião, chegou inclusive a
postar diariamente o que chamou de Placar da Vida, com dados atualizados de
"brasileiros salvos".
No entanto, especialistas descrevem essa
estratégia como "negacionismo". Na avaliação deles, destacar somente
aspectos positivos em meio ao crescimento de casos e mortes no Brasil é uma
forma de transmitir a falsa ideia de que as coisas estão melhorando.
Dados sobre a
evolução da pandemia no Brasil mostram que a curva de infectados e mortos
atingiu um platô alto e vem se comportando de forma bastante distinta da de
outros países, principalmente europeus.
Eles explicam que
como o coronavírus é um vírus que normalmente mata menos de 5% das pessoas que
foram infectadas e tiveram sintomas, é esperado que "mais de 95% vão se
recuperar".
"Enfatizar os
números de recuperados não muda nada neste momento. É preciso ser realista. Não
é correto tentar minimizar a gravidade da doença", disse Marcos Boulos,
professor da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, à BBC News
Brasil em entrevista recente.
"O ranking dos países pelo número de
casos é praticamente o mesmo do que o ranking pelo número de recuperados. Por
quê? Porque é natural que o país que tenha o maior número de casos tenha o
maior número de recuperados. Faz parte da dinâmica da doença", acrescenta
Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
Proporção mortos x
recuperados
Além disso, os próprios números sobre os
recuperados contam uma outra história.
O Brasil, por exemplo, contabiliza até
agora, 100 mil mortes para 2,2 milhões de recuperados. Isso significa uma
pessoa morta para 22 que se recuperaram da doença.
Essa proporção é muito inferior à de outros
países que conseguiram controlar a pandemia como a Coreia do Sul, referência
quando se trata de testagem em massa.
Ali, foram 305 mortos para 13,7 mil
recuperados. Ou seja, uma pessoa morreu para 45 que se recuperaram da doença.
De fato, o Brasil testa pouco e enfrenta
uma crise de subnotificação. Mas se, de um lado, as estatísticas oficiais
distorcem a realidade, subestimando o número verdadeiro de recuperados, por
outro, também pode jogar para baixo a cifra real de mortos.
Segundo Alves, há uma subnotificação
aproximada de 40% no total de óbitos.
Isso significa que, em vez dos 100 mil
mortos contabilizados oficialmente, o Brasil já estaria com 166 mil mortos.
Essa subnotificação de óbitos, segundo
Alves, deve-se a uma combinação de fatores, incluindo excesso de pedidos de
exames, que fazem com que o resultado dos testes atrasem.
Como resultado, os médicos acabam fazendo
declarações de óbitos sem diagnóstico específico.
Mas, mesmo comparado com países que não
fazem testagem em massa, o Brasil também fica para trás.
Esse é o caso da Argentina, por exemplo.
Até agora, foram 4,6 mil mortos para 170 mil recuperados. Isso equivale a um
morto para 37 recuperados.
No Chile, um dos países com uma das maiores
taxas de mortalidade por 100 mil habitantes, a proporção é de um morto para 34
recuperados, a mesma do Peru.
"O fato de o Brasil ser o segundo no
mundo em número de recuperados não significa que estamos tendo êxito em
controlar a pandemia. Só significa que tivemos muitos mais casos", explica
Alves.
"Frente ao número de recuperados, o
número de mortos do Brasil é muito grande, e isso mostra que o governo não tem
sido bem-sucedido", conclui.
(BBC)
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