Ao
assumir o cargo de presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) não
poderá agir como um mero cumpridor de ordens de Jair Bolsonaro, que trabalhou
para colocá-lo no cargo. Essa é a avaliação de três ex-presidentes da Câmara
dos Deputados ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil. Segundo eles, a
dinâmica da instituição e os compromissos firmados por Lira com os demais
deputados durante a eleição o obrigarão a manter alguma independência em
relação ao Palácio do Planalto.
Lira foi
eleito na noite desta segunda-feira (1º/02) para comandar a Câmara pelos
próximos dois anos, até fevereiro de 2023. Ele teve 302 votos e venceu no
primeiro turno.
A
reportagem da BBC News Brasil conversou com três ex-presidentes da Casa: Aldo
Rebelo (2005-2007), Arlindo Chinaglia (2007-2009) e Marco Maia (2010-2013). A
reportagem também procurou o ex-presidente da Câmara e ex-presidente da
República Michel Temer (MDB) por meio de sua secretária, mas não houve
resposta.
Nas
últimas semanas, o governo se movimentou de forma agressiva para
garantir votos para Arthur Lira. Só de verbas para deputados foram aprovados
dois projetos, de R$ 1,9 bilhão e 6,1 bilhões. Além do dinheiro, as negociações
envolveram cargos e até conversas sobre uma possível mudança ministerial.
Filho do
presidente da República, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) comemorou a
eleição de Lira — e aproveitou para criticar o antecessor, Rodrigo Maia
(DEM-RJ).
"O
que a gente espera é que a gente tenha um presidente (da Câmara) que não siga
nessa linha do (Rodrigo) Maia de sabotar… Não é nem o Bolsonaro, é sabotar as
pautas do Brasil. (...). O compromisso que o Arthur Lira tem não é com o
Bolsonaro. É de colocar em votação as pautas, simplesmente isso", disse
ele à BBC News Brasil após o resultado.
Lira terá
de buscar o equilíbrio, dizem ex-presidentes
Segundo Aldo Rebelo, tanto Baleia Rossi quanto Arthur Lira teriam de fazer concessões na presidência da Câmara.
"Para o governo, com certeza é mais confortável ter um presidente com quem ele possa dialogar, de quem ele seja aliado. Agora, isso não resolve totalmente o problema do governo", diz ele, que era filiado ao PC do B quando presidiu a Câmara. Hoje, Rebelo integra o Solidariedade.
"Não vejo assim como sendo o que vai salvar o governo de Bolsonaro a vitória de Arthur Lira; ou o que iria arruinar o governo dele a vitória do Baleia (Rossi). Nem uma coisa nem outra. Bolsonaro vai ter que fazer a parte dele. Nem Lira vai ser tão governista quanto se diz, nem Baleia será tão oposição quanto se imagina", diz ele.
Rebelo lembra que Bolsonaro tem uma relação com o MDB, partido de Baleia — o que o impediria de agir como "opositor" ao governo, se tivesse vencido. Da mesma forma, Lira firmou compromissos com os deputados que votaram nele, o que o impediria de agir de forma totalmente submissa ao Planalto, diz o ex-deputado.
"O presidente da Câmara tem que zelar pela independência e harmonia entre os poderes. Não pode ser 'de oposição', porque os poderes são harmônicos. Ele tem responsabilidade na governabilidade do país. E também não pode ser submisso ao Executivo", diz Rebelo.
Arlindo Chinaglia (PT-SP) lembra que todo deputado trabalha "subordinado à Constituição e ao Regimento Interno (da Câmara)".
"Eu avalio que o próximo presidente da Câmara, assim como aconteceu com o próprio Rodrigo Maia, vai preferir entrar em sintonia com aquilo que é correto, do que se subordinar automaticamente à condução governamental", diz ele, que sucedeu Aldo Rebelo no comando da Casa.
"Às vezes, você quer eleger um, e elege outro. Salvo as piores experiências, a Presidência da Câmara age de acordo com as regras (...). Se o presidente da Câmara, seja o Lira ou outro, começar a atropelar o Regimento, a Constituição, não democratizar minimamente a pauta, nós (oposição) vamos parar a Câmara. Aí não vota nada, vai ser uma batalha campal", disse Chinaglia à BBC News Brasil, antes do anúncio do resultado. "Eu espero que isso não aconteça", disse.
"Vivemos num país presidencialista, mas onde o Presidente da República só pode fazer aquilo que está aprovado em lei. E isso reveste o Legislativo de uma importância fundamental", disse à BBC News Brasil o ex-deputado Marco Maia (PT-RS).
"Então o Legislativo, tendo um presidente equilibrado, consegue manter esse sistema de freios e contrapesos, que dá certo equilíbrio às decisões do Executivo (...). Por isso é tão importante que o presidente da Câmara seja alguém que defende a autonomia do Legislativo, e que produza harmonia entre os poderes", disse ele, que presidiu a Câmara em 2011 e 2012.
"Toda vez que um presidente da Câmara produziu desequilíbrio, o que a gente viu foram crises, golpes, situações de enfraquecimento da política", disse ele.
O ex-deputado gaúcho disse ainda que tanto Baleia Rossi quanto Arthur Lira seguem a mesma cartilha econômica defendida pelo governo e capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
"O grande debate é que o próximo presidente precisará ser alguém equilibrado, para colocar um freio nos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro", disse.
Bolsonaro terá 'janela de oportunidade', diz cientista político
Segundo o cientista político e consultor Leonardo Barreto, o alinhamento entre os chefes do Legislativo e o presidente da República é a regra na história do Brasil — o confronto entre eles é que é a exceção.
"A gente teve alguns períodos onde esse alinhamento não aconteceu, como foi com o (Eduardo) Cunha (MDB) e a Dilma (Rousseff, do PT); a situação entre Rodrigo Maia e Bolsonaro. Mas são janelas, são parênteses que acontecem e depois se fecham", disse ele.
Segundo ele, a ascensão de Arthur Lira na Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado abre uma "janela de oportunidade" para Bolsonaro fazer avançar sua agenda legislativa.
"É uma janela que vai ser aproveitada principalmente com
medidas econômicas. O mercado, os atores econômicos, vão olhar para Bolsonaro e
dizer: 'tá na hora de você entregar a agenda que prometeu em 2018'. As
desculpas acabaram, são dois presidentes (da Câmara e do Senado) que querem
votar estas pautas", diz Barreto, que é doutor em Ciência Política pela
Universidade de Brasília (UnB).
Barreto também minimiza a possibilidade de Bolsonaro atentar contra o funcionamento das instituições, agora que tem aliados no comando do Legislativo.
"Tenho a
impressão de que o próprio mercado, a economia, a imprensa, vão ter de
compensar essa oposição que Maia fazia a Bolsonaro. Maia saiu extremamente
diminuído pelos seus próprios erros, e o Congresso agora deixou de ser essa
barreira contra Bolsonaro. Tenho a impressão, no entanto, de que você ainda tem
forças na sociedade capazes de exercer esse controle", disse ele à BBC
News Brasil.
"Também
acho que para fazer uma verdadeira guinada de ataque às instituições, Bolsonaro
precisaria ter uma coisa que ele não tem mais: popularidade. Viveríamos um
risco muito grande se ele estivesse como campeão de popularidade, com a
economia voando, e um Congresso amigo. Hoje, ele só tem o Congresso",
avaliou Barreto. (BBC)
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