A vacina Sputnik V, desenvolvida pelo instituto russo de pesquisa
Gamaleya para a Covid-19, teve eficácia de 91,6% contra a doença, segundo
resultados preliminares publicados nesta terça-feira (2) na revista científica
"The Lancet", uma das mais respeitadas do mundo. A eficácia contra casos moderados e graves da doença foi de
100%.
A vacina também funcionou em idosos: uma subanálise de 2 mil adultos com mais de 60 anos mostrou eficácia de 91,8% neste grupo. Ela também foi bem tolerada nessa faixa etária.
A vacina é a quarta a ter resultados
publicados em uma revista, depois de Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e Moderna. Quando isso acontece, significa
que os dados foram revisados e validados por outros cientistas.
Veja os principais pontos do anúncio:
A análise preliminar dos dados de fase 3 dos testes sugeriu uma
eficácia de 91,6% para a vacina. Uma eficácia de 91,6% significa que a vacina
conseguiu reduzir em 91,6% os casos de Covid-19 no grupo vacinado em relação ao
grupo não vacinado.
A vacina é aplicada em duas doses. A segunda dose foi dada 21 dias
após a primeira.
A análise foi feita com resultados de 19.866 participantes. Desses, 14.964 tomaram a vacina e
4.902, um placebo (substância inativa). Houve 16 casos de Covid entre os
vacinados (0,1%) e 62 entre os não vacinados (1,3%).
A vacina também funcionou em idosos:
uma subanálise de 2.144 adultos com mais de 60 anos mostrou eficácia de 91,8% nesse grupo. A vacina foi bem tolerada nessa faixa
etária.
Aos 21 dias após a primeira dose, não houve casos moderados ou
graves no grupo da vacina e 20 casos no grupo do placebo. Isso foi o
equivalente, segundo os cientistas, a uma eficácia de
100% contra Covid moderada ou grave.
Embora o estudo não tenha sido desenhado para avaliar a eficácia
de um regime de dose única, os resultados sugerem o início de um efeito
parcialmente protetor entre 16 e 18 dias após a primeira dose. Do dia 15 ao dia 21 depois da primeira dose, a eficácia contra
a Covid moderada ou grave foi de 73,6%, mas mais pesquisas são
necessárias para tirar conclusões robustas dessas observações, segundo os
cientistas. A equipe de pesquisa recebeu, recentemente, a aprovação para
investigar a eficácia de um regime de dose única da vacina.
Nenhum efeito colateral sério foi
associado à vacinação, e a maioria dos eventos adversos
relatados foram leves – incluindo sintomas semelhantes aos da gripe, dor no
local da injeção e fraqueza ou baixa energia.
O ensaio está em andamento e tem o objetivo de incluir um total de
40 mil participantes – o monitoramento de segurança e eficácia continua.
Os
pesquisadores – assim como os todos os desenvolvedores de
vacinas da Covid-19 até agora – só mediram os casos
sintomáticos da doença para calcular a eficácia da vacina. Por isso, mais estudos são necessários para determinar a eficácia da
vacina em impedir a transmissão da doença.
Os
imunizantes desenvolvidos contra o coronavírus até este momento têm tido como função principal impedir casos graves e mortes pela doença – e
não necessariamente a sua transmissão.
Outra
observação feita pelos cientistas é que ainda não é
possível determinar a duração da proteção que a vacina oferece, porque
os dados foram analisados cerca de 48 dias após a primeira dose.
Avaliação de especialistas
Em
um comentário publicado junto com os resultados da vacina, os professores Ian
Jones, da Universidade de Reading, no Reino Unido, e Polly Roy, da Escola de
Higiene e Medicina Tropical de Londres, avaliaram que o resultado apresentado
pelos russos é "claro" – apesar de críticas anteriores feitas aos
cientistas sobre os dados.
"O
desenvolvimento da vacina Sputnik V foi criticado pela pressa inadequada, e
pela ausência de transparência. Mas o resultado relatado aqui é claro e o
princípio científico da vacinação é demonstrado, o que significa que outra
vacina pode agora se juntar à luta para reduzir a incidência de Covid-19",
disseram.
Os pesquisadores do Gamaleya haviam sido
criticados pela falta de transparência nos dados.
A Rússia também recebeu críticas por ter aprovado a vacinação em massa no país
ao mesmo tempo em que os testes de fase 3 ainda estavam sendo conduzidos.
Nessa
etapa de ensaios, uma vacina é testada em milhares de voluntários para avaliar
a sua segurança e eficácia em grande escala antes que ela seja liberada para a
população em geral. A Sputnik V foi a primeira vacina a ser registrada no mundo
contra a Covid-19.
Para
o médico e virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), em São Paulo, o resultado é
positivo, mas há algumas ressalvas.
"O resultado parece bastante razoável, dentro do esperado, e
finalmente um pouco de transparência nos dados russos. Eu acho que os
resultados são muito bons e algumas coisas [são] muito positivas, como uma boa eficácia em idosos", avalia o cientista.
Mas
Nogueira faz uma observação: os cientistas só testaram a forma líquida da
vacina – que precisa ser conservada em temperaturas
muito baixas (de -18ºC, segundo o estudo). "Para ser
utilizada aqui no Brasil, precisa testar a forma liofilizada [desidratada em
baixas temperaturas] ou outra forma para ser utilizada em larga escala",
alerta.
"Mas eu continuo insistindo que a Sputnik tem que seguir os
critérios que a Anvisa colocou, como fazer uma parte dos testes no Brasil para
que seja aprovada. Acho que o Brasil não pode abrir mão dos critérios colocados
pela Anvisa para todas as vacinas", acrescenta o virologista da Famerp (leia
detalhes sobre a importação da vacina para o Brasil mais abaixo nesta
reportagem).
A
microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, destaca os resultados após a aplicação de apenas uma dose da
vacina.
"O que me chamou a atenção é que tem uma eficácia já muito
boa depois de uma única dose", diz. "O ensaio não foi desenhado para
uma dose só, ele foi desenhado para duas doses, então o resultado de uma dose
única foi uma extrapolação. Mas me parece um resultado muito bom – dando toda a
impressão de que uma dose só dessa vacina já seria
protetora", afirma.
"É
muito parecida com a vacina da Janssen – que é exatamente a mesma tecnologia e
usa uma dose só. E também parecida com a vacina de Oxford, que também usa a
mesma tecnologia, de adenovírus, e que a gente não vê um efeito tão grande do
reforço – parece que a primeira dose já tem uma boa proteção. Me parece ser o
mesmo caso da Sputnik", observa.
As
três vacinas – Sputnik V, de Oxford e da Johnson/Janssen – usam a tecnologia de
vetor viral com adenovírus (leia detalhes mais abaixo).
"Então acho que valeria muito a pena eles [do Gamaleya]
fazerem um estudo de dose única, porque a gente começa a ver uma diferença
grande entre o grupo vacina e um grupo placebo mais ou menos com 15, 16 dias –
antes da segunda dose", diz Pasternak.
"Os
resultados estão muito bons. Tem um resultado bom em idosos também; não é
robusto o teste em idosos, não foi com um grande número de pessoas, mas foi
bom, então acho que é uma boa vacina e é mais uma no nosso arsenal",
avalia.
Importação para o Brasil
A
Sputnik V ainda não está sendo testada no Brasil, mas a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando um pedido da
farmacêutica União Química para que ensaios de fase 3 sejam feitos no país.
Isso é importante porque a agência determinou que só
vacinas testadas em solo brasileiro podem receber autorização de uso
emergencial.
Em
nota ao G1, a Anvisa disse que "existe um
pedido da empresa de estudo de fase 3 em aberto na Anvisa. Este pedido está com
pendências apontadas pela Anvisa e que estão sendo providenciadas pela
empresa".
Na
semana passada, a agência se reuniu com a União Química para falar sobre a
Sputnik V. A farmacêutica tem um acordo de transferência de tecnologia da
vacina e poderá fabricá-la no Brasil.
Na
segunda-feira (1º), empresa enviou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal
(STF) em que diz ter capacidade de entregar 150 milhões
de doses da Sputnik V até o final de 2021.
Ainda
segundo a farmacêutica, a Rússia está pronta para
entregar 10 milhões de doses prontas no primeiro trimestre e pode
começar a enviá-las assim que a Anvisa conceder o uso emergencial.
Até
agora, apenas duas vacinas receberam a autorização de uso
emergencial e estão sendo aplicadas no Brasil: a de Oxford e a CoronaVac,
da chinesa Sinovac.
A Sputnik V usa a tecnologia de vetor viral. Nesse
tipo de vacina, um outro vírus (nesse caso, o adenovírus) "leva" o
material genético do coronavírus, o RNA, para dentro do nosso corpo. Mas esse
adenovírus é modificado para não conseguir se replicar (reproduzir). Por isso,
ele não causa doença.
No caso da Sputnik, o adenovírus que leva o coronavírus para dentro do
corpo é diferente em cada dose: na primeira, é o Ad26 (mesmo da vacina da
Johnson). Na segunda, é o Ad5, mais comum. Ambos são adenovírus humanos.
Os cientistas russos explicam que usar adenovírus diferentes pode ajudar
a criar uma resposta imunológica mais poderosa – em comparação ao uso do mesmo
vetor duas vezes –, pois diminui o risco de o sistema imunológico desenvolver
resistência ao vetor inicial.
"Por isso que eles dão as duas doses com vetores diferentes – é
para minimizar a resposta ao vetor. Essa abordagem da Sputnik de usar primeiro
o Ad26 e depois o Ad5 é boa", explica Maurício Nogueira.
"Como pode ser também interessante o que havia sido colocado
anteriormente: uma mistura da Sputnik com Oxford pode dar um resultado também
legal", diz.
Em meados de dezembro, a AstraZeneca, que desenvolveu a vacina em
parceria com a Universidade de Oxford, anunciou que testaria o seu imunizante aplicado em conjunto com a
Sputnik V. A vacina de Oxford também é de vetor viral – só que,
diferente da russa, usa adenovírus de chimpanzé como vetor (que também não
causa doença). Além disso, os vetores usados na primeira e na segunda dose são
iguais.
No mês passado, a farmacêutica russa R-Pharm anunciou que os testes
combinados têm previsão de começar este mês.
(G1)
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