terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Eficácia da vacina Sputnik V para Covid-19 é de 91,6%, apontam resultados preliminares publicados na 'The Lancet'

A vacina Sputnik V, desenvolvida pelo instituto russo de pesquisa Gamaleya para a Covid-19, teve eficácia de 91,6% contra a doença, segundo resultados preliminares publicados nesta terça-feira (2) na revista científica "The Lancet", uma das mais respeitadas do mundo. A eficácia contra casos moderados e graves da doença foi de 100%.

A vacina também funcionou em idosos: uma subanálise de 2 mil adultos com mais de 60 anos mostrou eficácia de 91,8% neste grupo. Ela também foi bem tolerada nessa faixa etária.

A vacina é a quarta a ter resultados publicados em uma revista, depois de Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e Moderna. Quando isso acontece, significa que os dados foram revisados e validados por outros cientistas.

Veja os principais pontos do anúncio:

A análise preliminar dos dados de fase 3 dos testes sugeriu uma eficácia de 91,6% para a vacina. Uma eficácia de 91,6% significa que a vacina conseguiu reduzir em 91,6% os casos de Covid-19 no grupo vacinado em relação ao grupo não vacinado.

A vacina é aplicada em duas doses. A segunda dose foi dada 21 dias após a primeira.

A análise foi feita com resultados de 19.866 participantes. Desses, 14.964 tomaram a vacina e 4.902, um placebo (substância inativa). Houve 16 casos de Covid entre os vacinados (0,1%) e 62 entre os não vacinados (1,3%).

A vacina também funcionou em idosos: uma subanálise de 2.144 adultos com mais de 60 anos mostrou eficácia de 91,8% nesse grupo. A vacina foi bem tolerada nessa faixa etária.

Aos 21 dias após a primeira dose, não houve casos moderados ou graves no grupo da vacina e 20 casos no grupo do placebo. Isso foi o equivalente, segundo os cientistas, a uma eficácia de 100% contra Covid moderada ou grave.

Embora o estudo não tenha sido desenhado para avaliar a eficácia de um regime de dose única, os resultados sugerem o início de um efeito parcialmente protetor entre 16 e 18 dias após a primeira dose. Do dia 15 ao dia 21 depois da primeira dose, a eficácia contra a Covid moderada ou grave foi de 73,6%, mas mais pesquisas são necessárias para tirar conclusões robustas dessas observações, segundo os cientistas. A equipe de pesquisa recebeu, recentemente, a aprovação para investigar a eficácia de um regime de dose única da vacina.

Nenhum efeito colateral sério foi associado à vacinação, e a maioria dos eventos adversos relatados foram leves – incluindo sintomas semelhantes aos da gripe, dor no local da injeção e fraqueza ou baixa energia.

O ensaio está em andamento e tem o objetivo de incluir um total de 40 mil participantes – o monitoramento de segurança e eficácia continua.

Os pesquisadores – assim como os todos os desenvolvedores de vacinas da Covid-19 até agora – só mediram os casos sintomáticos da doença para calcular a eficácia da vacina. Por isso, mais estudos são necessários para determinar a eficácia da vacina em impedir a transmissão da doença.

Os imunizantes desenvolvidos contra o coronavírus até este momento têm tido como função principal impedir casos graves e mortes pela doença – e não necessariamente a sua transmissão.

Outra observação feita pelos cientistas é que ainda não é possível determinar a duração da proteção que a vacina oferece, porque os dados foram analisados cerca de 48 dias após a primeira dose.

Avaliação de especialistas

Em um comentário publicado junto com os resultados da vacina, os professores Ian Jones, da Universidade de Reading, no Reino Unido, e Polly Roy, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, avaliaram que o resultado apresentado pelos russos é "claro" – apesar de críticas anteriores feitas aos cientistas sobre os dados.

"O desenvolvimento da vacina Sputnik V foi criticado pela pressa inadequada, e pela ausência de transparência. Mas o resultado relatado aqui é claro e o princípio científico da vacinação é demonstrado, o que significa que outra vacina pode agora se juntar à luta para reduzir a incidência de Covid-19", disseram.

Os pesquisadores do Gamaleya haviam sido criticados pela falta de transparência nos dados. A Rússia também recebeu críticas por ter aprovado a vacinação em massa no país ao mesmo tempo em que os testes de fase 3 ainda estavam sendo conduzidos.

Nessa etapa de ensaios, uma vacina é testada em milhares de voluntários para avaliar a sua segurança e eficácia em grande escala antes que ela seja liberada para a população em geral. A Sputnik V foi a primeira vacina a ser registrada no mundo contra a Covid-19.

Para o médico e virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), em São Paulo, o resultado é positivo, mas há algumas ressalvas.

"O resultado parece bastante razoável, dentro do esperado, e finalmente um pouco de transparência nos dados russos. Eu acho que os resultados são muito bons e algumas coisas [são] muito positivas, como uma boa eficácia em idosos", avalia o cientista.

Mas Nogueira faz uma observação: os cientistas só testaram a forma líquida da vacina – que precisa ser conservada em temperaturas muito baixas (de -18ºC, segundo o estudo). "Para ser utilizada aqui no Brasil, precisa testar a forma liofilizada [desidratada em baixas temperaturas] ou outra forma para ser utilizada em larga escala", alerta.

"Mas eu continuo insistindo que a Sputnik tem que seguir os critérios que a Anvisa colocou, como fazer uma parte dos testes no Brasil para que seja aprovada. Acho que o Brasil não pode abrir mão dos critérios colocados pela Anvisa para todas as vacinas", acrescenta o virologista da Famerp (leia detalhes sobre a importação da vacina para o Brasil mais abaixo nesta reportagem).

A microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, destaca os resultados após a aplicação de apenas uma dose da vacina.

"O que me chamou a atenção é que tem uma eficácia já muito boa depois de uma única dose", diz. "O ensaio não foi desenhado para uma dose só, ele foi desenhado para duas doses, então o resultado de uma dose única foi uma extrapolação. Mas me parece um resultado muito bom – dando toda a impressão de que uma dose só dessa vacina já seria protetora", afirma.

"É muito parecida com a vacina da Janssen – que é exatamente a mesma tecnologia e usa uma dose só. E também parecida com a vacina de Oxford, que também usa a mesma tecnologia, de adenovírus, e que a gente não vê um efeito tão grande do reforço – parece que a primeira dose já tem uma boa proteção. Me parece ser o mesmo caso da Sputnik", observa.

As três vacinas – Sputnik V, de Oxford e da Johnson/Janssen – usam a tecnologia de vetor viral com adenovírus (leia detalhes mais abaixo).

"Então acho que valeria muito a pena eles [do Gamaleya] fazerem um estudo de dose única, porque a gente começa a ver uma diferença grande entre o grupo vacina e um grupo placebo mais ou menos com 15, 16 dias – antes da segunda dose", diz Pasternak.

"Os resultados estão muito bons. Tem um resultado bom em idosos também; não é robusto o teste em idosos, não foi com um grande número de pessoas, mas foi bom, então acho que é uma boa vacina e é mais uma no nosso arsenal", avalia.

Importação para o Brasil

A Sputnik V ainda não está sendo testada no Brasil, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando um pedido da farmacêutica União Química para que ensaios de fase 3 sejam feitos no país. Isso é importante porque a agência determinou que só vacinas testadas em solo brasileiro podem receber autorização de uso emergencial.

Em nota ao G1, a Anvisa disse que "existe um pedido da empresa de estudo de fase 3 em aberto na Anvisa. Este pedido está com pendências apontadas pela Anvisa e que estão sendo providenciadas pela empresa".

Na semana passada, a agência se reuniu com a União Química para falar sobre a Sputnik V. A farmacêutica tem um acordo de transferência de tecnologia da vacina e poderá fabricá-la no Brasil.

Na segunda-feira (1º), empresa enviou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que diz ter capacidade de entregar 150 milhões de doses da Sputnik V até o final de 2021.

Ainda segundo a farmacêutica, a Rússia está pronta para entregar 10 milhões de doses prontas no primeiro trimestre e pode começar a enviá-las assim que a Anvisa conceder o uso emergencial.

Até agora, apenas duas vacinas receberam a autorização de uso emergencial e estão sendo aplicadas no Brasil: a de Oxford e a CoronaVac, da chinesa Sinovac.

A Sputnik V usa a tecnologia de vetor viral. Nesse tipo de vacina, um outro vírus (nesse caso, o adenovírus) "leva" o material genético do coronavírus, o RNA, para dentro do nosso corpo. Mas esse adenovírus é modificado para não conseguir se replicar (reproduzir). Por isso, ele não causa doença.

No caso da Sputnik, o adenovírus que leva o coronavírus para dentro do corpo é diferente em cada dose: na primeira, é o Ad26 (mesmo da vacina da Johnson). Na segunda, é o Ad5, mais comum. Ambos são adenovírus humanos.

Os cientistas russos explicam que usar adenovírus diferentes pode ajudar a criar uma resposta imunológica mais poderosa – em comparação ao uso do mesmo vetor duas vezes –, pois diminui o risco de o sistema imunológico desenvolver resistência ao vetor inicial.

"Por isso que eles dão as duas doses com vetores diferentes – é para minimizar a resposta ao vetor. Essa abordagem da Sputnik de usar primeiro o Ad26 e depois o Ad5 é boa", explica Maurício Nogueira.

"Como pode ser também interessante o que havia sido colocado anteriormente: uma mistura da Sputnik com Oxford pode dar um resultado também legal", diz.

Em meados de dezembro, a AstraZeneca, que desenvolveu a vacina em parceria com a Universidade de Oxford, anunciou que testaria o seu imunizante aplicado em conjunto com a Sputnik V. A vacina de Oxford também é de vetor viral – só que, diferente da russa, usa adenovírus de chimpanzé como vetor (que também não causa doença). Além disso, os vetores usados na primeira e na segunda dose são iguais.

No mês passado, a farmacêutica russa R-Pharm anunciou que os testes combinados têm previsão de começar este mês.

(G1)

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