"Desordem", "falta de planejamento" e "erro". Especialistas ouvidos pelo G1 analisam de forma negativa um dos aspectos das primeiras semanas da campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil. O alvo da crítica são as cidades que passaram a vacinar profissionais da área de saúde que não atuam na linha de frente do combate à pandemia. Biólogos, psicólogos e educadores físicos, entre outros profissionais, ganharam prioridade em locais onde as doses não começaram a chegar aos idosos.
Apenas na Região
Metropolitana de São Paulo, das 39 cidades, 21 escolheram não priorizar apenas
os profissionais de saúde da linha de frente do combate à Covid-19, de acordo
com levantamento feito pela TV Globo.
Mas os relatos se multiplicam pelo país. Alegrete (RS), Campinas
(SP) e João Pessoa (PB) são outras cidades que agora precisam
reavaliar se manterão a estratégia.
Nesta segunda-feira (8),
mais de duas semanas depois de lançar a segunda versão do Plano Nacional de
Imunizações (PNI), o Ministério da Saúde enviou um alerta aos secretários de
saúde: é preciso seguir os grupos prioritários. Trabalhadores
de saúde em geral que não atuam diretamente contra a Covid-19 não devem ser
vacinados agora.
A falta de clareza chegou ao
Supremo Tribunal Federal (STF). Também nesta segunda, o
ministro Ricardo Lewandowski determinou que o governo defina
uma ordem de preferência, entre os grupos prioritários, para orientar a
vacinação contra a Covid-19.
"Ao que parece,
faltaram parâmetros aptos a guiar os agentes públicos na difícil tarefa
decisória diante da enorme demanda e da escassez de imunizantes", escreveu
o ministro.
Dar prioridade a públicos-alvo e ter clareza
em quem deve ser vacinado em cada fase é o norte que delimitou, por exemplo, o
plano de vacinação no Reino Unido.
Lá, a fila anda conforme o risco de mortalidade.
O Ministério da Saúde do
Brasil buscou o mesmo critério britânico, mas o plano lá é mais objetivo ao
delimitar a ordem da vacinação e não cita os profissionais da saúde de forma
ampla.
"A nossa proposta
inicial era que pessoas do grupo de maior risco à infecção - no caso os idosos
e os profissionais da saúde da linha de frente - fossem imunizados juntos no
primeiro momento. Agora, por conta da falta de vacina, eles não estão sendo
vacinados", explica o infectologista Marcelo Otsuka.
"Os municípios que
estão vacinando esses grupos [qualquer profissional que não faça parte da linha
de frente] estão fazendo errado", afirma Otsuka.
O infectologista afirma que
a discussão deveria ser a aquisição pelo governo de mais vacinas, mas, enquanto
isso não acontece, os gestores devem lembrar que, sem o profissional da saúde
da linha de frente, não há o enfrentamento à pandemia.
"O Brasil está com uma grande
dificuldade em ter profissional da saúde atuando na linha de frente contra a
Covid. As equipes sofreram muitas perdas de médicos e enfermeiros que se
contaminaram. Isso reduziu muito a força de trabalho. Precisamos protegê-los",
diz Ostuka.
Para o infectologista Renato
Grinbaum, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diante da escassez, é
preciso seguir os critérios técnicos.
"Temos que ter uma
comissão de técnicos, sem interferência política, que seja capaz de escolher
quais são as áreas de maior risco à doença. Essa prioridade pode mudar de local
para local, mas o primeiro grupo a ser vacinado deve ser sempre o que está
apresentando o maior número de óbitos e os profissionais da saúde que trabalham
na linha de frente", diz Grinbaum.
Cidade sem dose para os
prioritários
Além de ressaltar que as
vacinas da "primeira fase" deveriam ir para profissionais da linha de
frente e mais três grupos, o Ministério da Saúde lembrou que as cidades e
estados têm autonomia para fazer mudanças, mas que precisam assumir o risco de
ficar sem doses para os grupos prioritários.
É o que já aconteceu
em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Após abrir a vacinação para
os idosos acima de 90 anos e para os profissionais de saúde de qualquer idade, todas as doses do município acabaram no dia 5.
Agora, a cidade afirma que irá imunizar somente profissionais de saúde da linha
de frente da Covid.
"Estamos vendo uma
completa desordem e uma falta de planejamento na vacinação contra a Covid no
Brasil. Estamos vendo profissionais da saúde aposentados sendo vacinados,
parentes de pessoas influentes, e etc", afirma o infectologista Grinbaum.
Por outro lado, ele aponta
uma categoria de profissionais da saúde na linha de frente que corre o risco de
acabar invisível.
"Alunos de medicina no internato e
residentes que têm contato direto com a Covid não estão sendo vacinados pelo
fato de não terem um diploma ou de não serem contratados do hospital. Por aí
vemos que é um planejamento precário de vacinação", completa Grinbaum, da
Sociedade Brasileira de Infectologia
Atualmente, os grupos prioritários listados no PNI somam mais de 77,2 milhões
de brasileiros, número muito maior do que as 10,7 milhões
de doses que o Ministério da Saúde entregou até janeiro.
Mesmo considerando as remessas
que o país espera receber neste trimestre (veja abaixo), a
quantidade não é suficiente para vacinar nem mesmo um quarto dos 27 grupos
estabelecidos como prioritários.
Até o final de março, devem chegar ao Brasil:
- 27,37 milhões de doses da Coronavac
- 1,6 milhão de doses enviadas pelo consórcio
Covax
- 7,5 milhões de doses do imunizante da
Universidade de Oxford/Astrazeneca
Plano no Reino Unido
O Reino Unido foi o primeiro país a começar a
vacinar a população contra a Covid-19. Igual ao Brasil, o país tem um robusto
sistema de saúde pública, o NHS, equivalente ao SUS, responsável por elaborar
um plano nacional de imunização e por adquirir e distribuir as vacinas aos
governos locais.
Ambos os planos de vacinação usam como
critério a idade e a atividade para definir quem devem ser os primeiros a
receber a vacina: residentes em lar para idosos e profissionais da saúde da
linha de frente. No Brasil, porém, o foco tem sido na vacinação geral dos
profissionais da saúde, independentemente da idade e de estarem ou não na linha
de frente.
Já no Reino Unido, o plano define como grupos
prioritários aqueles que "representem cerca de 99% da mortalidade evitável
pela Covid-19", na seguinte ordem:
- residentes em lar para idosos e seus
cuidadores
- 80 anos ou mais, assistentes sociais e
profissionais de saúde da linha de frente
- 75 anos ou mais
- 70 anos ou mais e indivíduos extremamente
vulneráveis
- 65 anos ou mais
- idade entre 16 anos a 64 anos com condições
de saúde com maior risco de doenças graves e mortalidade
- demais com 60 anos ou mais
- demais com 55 anos ou mais
demais com 50 anos ou mais
"As primeiras
prioridades do programa de vacinação da Covid-19 devem ser a prevenção da
mortalidade e a manutenção dos sistemas de saúde e assistência social. Como o
risco de mortalidade pela Covid-19 aumenta com a idade, a prioridade se baseia
principalmente na idade. A ordem de prioridade para cada grupo na população
corresponde aos dados sobre o número de indivíduos que precisam ser vacinados
para evitar uma morte", explica o documento britânico, publicado no site
do NHS. (G1)
Nenhum comentário:
Postar um comentário