A cúpula da CPI da Covid afirma que as novas suspeitas contra o governo envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin abrem um novo e promissor caminho de investigação, que pode levar à responsabilização do presidente Jair Bolsonaro.
Os senadores do grupo majoritário da comissão,
formado por oposicionistas e independentes, avaliam que, se forem comprovados
ilícitos na negociação de compra da vacina, Bolsonaro pode responder por
prevaricação, independentemente de ter acionado ou não a Polícia Federal ao ser
informado das denúncias.
Além disso, consideram que há indícios de crimes de
advocacia administrativa —usar a máquina pública em favor de entidades
privadas. Por outro lado, não há unanimidade a respeito do crime de corrupção.
A análise foi feita em privado, durante reunião do
grupo no fim da manhã desta quarta-feira (23), no gabinete do presidente da
CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
Publicamente, o grupo adotou um tom crítico e de
desconfiança em relação ao governo com os novos indícios, mas evitou fazer
pré-julgamentos públicos.
"A gente está investigando. Ainda vamos ouvir
as pessoas. O servidor [do Ministério da Saúde] ainda vai trazer os
documentos", disse o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), à Folha.
A CPI inaugurou uma nova fase de investigações
nesta semana, após o surgimento de indícios de pressão no Ministério da Saúde
para beneficiar uma empresa, a Precisa.
O caso em torno das suspeitas de pressão pela
compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelado pela Folha na sexta-feira
passada (18), com a divulgação do teor do depoimento do servidor Luís Ricardo
Miranda, do Ministério da Saúde.
Ele disse em oitiva no Ministério Público Federal
que recebeu uma pressão “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana,
desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.?
Em entrevista à Folha, o irmão do servidor, o
deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) também disse que o presidente Bolsonaro
foi alertado a respeito das suspeitas de irregularidades e recebeu documentos
sobre isso.
A revelação veio a se somar às suspeitas da
comissão de que o governo havia atuado no exterior em benefício da Precisa
Medicamentos, intermediária na negociação da Covaxin. Isso porque o contrato
foi fechado em tempo recorde, quando comparado com as negociações com a Pfizer
e o Instituto Butantan. A vacina indiana ainda tem o preço mais alto de todas
as contratadas pelo governo federal, com valor de R$ 80 por dose.
Em relação à conduta pessoal do presidente Jair
Bolsonaro, os senadores da CPI dizem acreditar que há fortes indícios para a
responsabilização do chefe do Executivo caso sejam comprovados ilícitos na
negociação com a Precisa.
A primeira grande suspeita é de prevaricação,
quando o agente público não toma as decisões e medidas corretas em defesa do bem
público.
O presidente da comissão, Omar Aziz, solicitou ao
delegado da Polícia Federal cedido para a comissão que indague a diretoria da
corporação sobre se Bolsonaro determinou a investigação dos fatos que foram
revelados a ele pelos irmãos Miranda. Aziz disse nesta quarta-feira que seria
“preocupante” se o presidente não tivesse agido.
Caso isso fique comprovado, estaria caracterizado o
crime de prevaricação.
Alguns senadores, no entanto, defendem que a
prevaricação já estaria bem definida, uma vez que o Ministério da Saúde não
rompeu o contrato com a Precisa Medicamentos, apesar do atraso na entrega das
vacinas —nenhum lote acordado foi cumprido e a imunização ainda nem tem
autorização definitiva da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)— e
dos indícios de irregularidade.
Ainda pesa contra a Precisa o fato de ter os mesmos
sócios da Global Gestão em Saúde, empresa que fechou contrato em 2017 de R$ 20
milhões para o fornecimento de medicamentos, que nunca foram entregues. O
pagamento, no entanto, foi feito e jamais devolvido.
O Ministério Público Federal investiga o caso.
Alguns senadores também dizem acreditar que está
caracterizado o crime de advocacia administrativa.
Isso porque o presidente enviou uma carta pedindo
ao primeiro-ministro indiano Narendra Modi pedindo os bons ofícios na liberação
de doses da vacina AstraZeneca, ocasião na qual também citou a Covaxin —que
ainda não figurava no rol das imunizações preferenciais do Brasil.
A carta foi enviada enquanto o sócio-administrador
da Precisa, Francisco Maximiano, estava no país asiático negociando a compra da
Covaxin.
Além disso, os senadores da comissão querem
averiguar se o presidente teve papel ele próprio na pressão para liberar a
Covaxin. Para isso, vão tentar mapear a origem das ordens.
Em depoimento ao MPF, o servidor Luís Ricardo
Miranda mencionou que a pressão partia da Secretaria Executiva —na época
comandada pelo coronel Élcio Franco, braço-direito do ex-ministro Eduardo
Pazuello— e também citou o nome do tenente-coronel Alex Lial Marinho, próximo
também ao general e ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos
em Saúde.
Os senadores querem verificar se há ligação entre a
atuação da alta cúpula da Saúde e integrantes do Palácio do Planalto.
Não há consenso na CPI, por outro lado, em relação
ao crime de corrupção. Uma ala do grupo majoritário defende que haverá
corrupção somente com o pagamento feito pelo Ministério da Saúde para a Precisa
Medicamentos, o que ainda não foi feito.
Em uma outra vertente, os senadores afirmam que o
privilégio dado para a Covaxin, em um momento em que outras vacinas foram
negligenciadas, em declarações públicas do próprio presidente, também
caracteriza uma omissão e crime contra a saúde pública.
Nos dois casos, analisam, há elementos para atribuir
crime de responsabilidade, pois atenta contra um direito constitucional dos
brasileiros, o direito à saúde.
A caracterização de crime de responsabilidade pode
embasar um pedido de impeachment, por exemplo. No entanto, depende de uma
decisão monocrática do presidente da Câmara dos Deputados, o aliado do Planalto
Arthur Lira (PP-AL). (JB/Folhapress)
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