Cerca de 2 milhões de pessoas foram
arrancadas de suas terras na África, marcadas a ferro quente, embarcadas em
navios, e comercializadas como se fossem produtos no Brasil ao longo de 100
anos.
Não à toa, esse movimento deixou profundas cicatrizes na sociedade brasileira até hoje, mas, mesmo com tamanha importância, ainda é insuficientemente discutido.
"A escravidão é o assunto mais
importante da história do Brasil, sem ela você não consegue entender nenhum
acontecimento histórico", diz Laurentino Gomes, sete vezes ganhador do
Prêmio Jabuti de Literatura.
Prestes a lançar a segunda edição de uma trilogia sobre a escravidão no Brasil, Gomes conversou com a BBC News Brasil sobre o tema. Para o autor, que também já escreveu outros três best sellers sobre a história do Brasil, a escravidão não é assunto apenas para livros de história ou museus, mas ainda se demonstra na realidade do país em pleno século 21.
"A escravidão está nos indicadores sociais até hoje. Há um abismo entre números referentes ao Brasil branco e o Brasil negro, além do racismo, que é como uma ferida que fica abrindo a toda hora", afirma.
"A contribuição dos africanos é
enorme, não só do ponto de vista econômico, mas na formação do caráter, do
comportamento, das crenças religiosas, da culinária, da música, da dança, do
jeito de as pessoas se relacionarem umas com as outras; eu diria que a raiz
disso é africana", conta.
O livro Escravidão - Da corrida
do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de Dom João ao Brasil concentra-se
entre 1700 e 1800, auge do tráfico negreiro no Atlântico, motivado pela
descoberta das minas de ouro e diamantes em território brasileiro e pela
disseminação, em outras regiões da América, do cultivo de cana-de-açúcar,
arroz, tabaco, algodão e outras lavouras e atividades de uso intensivo de
mão-de-obra africana escravizada.
"As pessoas mais ricas do Brasil
no final do século 18 não eram senhores de engenho, barões do café, já não eram
mais os mineradores de ouro e diamante, mas sim os traficantes de escravos. A
compra e venda de pessoas se tornou o maior negócio do Brasil e do mundo nessa
época", afirma.
De acordo com o autor, para além da
influência social marcante, os negros escravizados também auxiliaram o
desenvolvimento econômico do país, contribuindo com a tecnologia necessária
para a descoberta e exploração das minas de ouro e diamantes em território
brasileiro.
"A própria tecnologia de
mineração de Minas Gerais aparentemente veio da África e não da Europa. Os
portugueses sabiam fazer açúcar, mas não sabiam garimpar ouro e diamante. Quem
sabiam eram os africanos, que conheciam essas tecnologias muito bem",
afirma.
"Isso muda bem a visão da
escravização e da própria construção do Brasil. A tecnologia e o conhecimento
que permitiram a construção do Brasil e de seus muitos ciclos econômicos eram
africanos."
Apesar da importância desse
acontecimento histórico para a formação do Brasil atual, a história ainda é
pouco contada pelo ponto de vista dessas pessoas escravizadas, pois há um
processo de apagamento histórico da contribuição dos africanos ao país.
"Esse projeto de apagamento se
reflete nos livros de história, livros didáticos, como se a construção do
Brasil fosse exclusivamente branca e europeia e todos os demais agentes fossem
autores secundários. Quando você mergulha de fato na história da escravidão,
você vê que, na realidade, essas pessoas escravizadas são protagonistas",
disse.
Segundo Gomes, a imagem de uma
escravidão mais sútil e benévola ao cativo por aqui, forjando uma identidade
brasileira de gente pacífica, ordeira e honesta, é uma construção imposta pelo
Estado e não corresponde à realidade da época.
"A característica principal da
escravidão era a violência", diz.
SAIBA MAIS CLICANDO ABAIXO:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57575496
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