No mês passado, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebeu um novo prêmio por seus números de patentes depositadas. Os méritos da instituição de ensino e pesquisa, frequentemente reconhecidos em rankings relacionados à inovação, chamou atenção dessa vez da Clarivate Analytics, uma empresa americana dedicada a análises sobre pesquisa científica e propriedade intelectual em todo o mundo. A honraria foi entregue com base em um levantamento que destacou a universidade brasileira que registrou o maior número de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) entre 2010 e 2019.
Os dados de pedidos de depósitos de patentes de invenções feitos
por residentes no Brasil revelam uma realidade que possibilita leituras por
ângulos distintos. De um lado, o protagonismo das universidades públicas dão
sinais claros da excelência científica de seus pesquisadores. De outro, a baixa
participação do setor privado levanta preocupações sobre o futuro da inovação
no país.
"Considero uma discrepância. A gente não tem um parque industrial
tecnologicamente bem desenvolvido no país, como já poderíamos ter. Esse papel
de pesquisa e desenvolvimento tecnológico acaba muito ocupado pela
universidade. É diferente dos Estados Unidos e da Europa, onde as indústrias
investem fortemente em desenvolvimento tecnológico", diz Alexandre Dantas,
assistente técnico da Diretoria de Patentes do INPI.
Vinculado ao Ministério da Economia, o Inpi é responsável pelo
registro e concessão de patentes no Brasil. Um recorte mais recente, com base
nos dados do órgão consolidados entre 2014 e 2019, revela que 19 dos 25 maiores
depositantes de patentes residentes no país são universidades públicas. A UFMG
lidera também nesse período, seguida de perto pelas duas principais
instituições paulistas de ensino superior: a Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP).
A lista de depositantes residentes abrange todos aqueles que possuem
sede do país. Portanto, estão incluídas empresas multinacionais que possuem
unidades em solo brasileiro. Mas nenhum delas ocupa as primeiras posições. No
grupo dos seis primeiros, estão ainda a Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
a Petrobras e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), que começou a
apresentar números robustos a partir de 2017. Por essa ascensão, a instituição
também foi lembrada pela Clarivate Analytics na
mesma premiação que consagrou a UFMG. A empresa concedeu à UFCG uma menção
honrosa em razão do crescimento recente.
O número
de patentes pedidos por residentes no Brasil estavam numa crescente entre 2015
e 2017, caiu em 2018 e voltou a subir no ano seguinte. Em 2019, foram
totalizados 5.465. Eles estão bem distribuídos pelos principais campos
tecnológicos: farmacêutica, medicina, química, biotecnologia, transporte,
máquinas especiais, engenharia civil, engenharia elétrica e eletrônica e
comunicação digital.
"Nesse
período de pandemia, também houve um decréscimo. Em média, são cerca de 30 mil
pedidos de depósitos por ano. E isso é bem abaixo do que registram países como
Estados Unidos, China, Japão e Coréia, que são países de base
tecnológica", acrescenta o assistente técnico do INPI.
O Brasil
aparece apenas no 62º lugar entre 131 economias na última edição do Índice de
Inovação Global. O país é superado por todas as nações do Brics, bloco formado
por economias emergente. que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul, além
do Brasil. Por outro lado, o Brasil ocupa o 28º lugar no ranking de qualidade de seus
pesquisadores e é o 24º na produção de artigos e pesquisas citáveis, o que
indica um potencial científico.
O
relatório foi publicado em setembro de 2020 pela Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI), entidade vinculada à Organização das Nações
Unidas (ONU). O documento traz um capítulo sobre o Brasil assinado pelo
presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade.
"É necessário fornecer alguma previsibilidade para a disponibilidade de
fontes de financiamento", escreveu.
Segundo
Andrade, os riscos associados a projetos de inovação são maiores do que para
outros projetos de investimentos. No Brasil, eles se elevariam ainda mais em
função de incertezas macroeconômicas e sociais. Ele cita, como um dos exemplos,
as variações bruscas no orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). "O sistema bancário tende a ser menos
propenso a financiar projetos de inovação. Além disso, os bancos muitas vezes
exigem garantias difíceis de encontrar para novas empresas inovadoras",
acrescenta.
Mesmo o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) direciona a maior
parte do crédito para investimentos em infraestrutura e expansão da capacidade
produtiva das empresas. Andrade aponta que o volume destinado à inovação nunca
representou mais de 4% ou 5% do total disponibilizado pela instituição
financeira.
Ele
defende mais políticas públicas que assegurem crédito para empresas inovadoras
e também maior investimento público na compra de tecnologias capazes de
estimular o desenvolvimento de outras tecnologias. Outros problemas que ele
elenca envolvem as dificuldades dos investidores diferenciarem bons projetos de
inovação e a quase ausência de fundos de capital de risco no país, cuja função
é canalizar grandes somas de dinheiro em direção a novos negócios de alto risco
e alta rentabilidade.
Parcerias
Após a
entrega do prêmio pela Clarivate Analytics, a reitora da UFMG Sandra Regina
Goulart Almeida declarou ao site da própria instituição que a patente é um indicador
da excelência científica. "De um lado, comprova nossa capacidade de
produzir conhecimento original e inovador e, de outro, a nossa competência para
protegê-lo”.
Produzir
conhecimento original e protegê-lo é parte do processo de inovação, mas o
caminho não se encerra aí. O próximo desafio é fazer a patente chegar ao
mercado. Como a universidade não é uma indústria, ela depende de parcerias que
são formalizadas através de contratos de transferência e licenciamento de
tecnologia. Além disso, em alguns casos, é preciso obter aval de órgãos de
controle.
"Ter
uma patente não é garantia de comercialização de produto. Ela garante o direito
de exploração, impedindo terceiros de explorar sem a sua autorização. Mas para
você poder comercializar o produto é preciso observar a legislação. Na
indústria farmacêutica, por exemplo, você precisará de autorização da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Então ter patente sobre um
medicamento não é o mesmo que ter autorização para comercializá-lo. A patente
não dá nenhuma garantia de que ele se tornará um produto nas prateleiras das
farmácias", explica Alexandre.
Diferente
dos pedidos de depósito de patentes, as informações sobre os processos de
transferência de tecnologia não estão disponíveis ao público. Os contratos são
celebrados entre empresas e universidades e nem sempre o INPI precisa ser
comunicado. No entanto, a Lei
Federal 10.973/2004, conhecida como Lei de Inovação Tecnológica,
estabelece que as instituições precisam prestar contas ao Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC). Algumas instituições com melhor
estrutura conseguem organizar e disponibilizar seus dados. A Unicamp, por
exemplo, contabilizou 48 contratos de licenciamento para transferência de
tecnologia em 2020.
Embora o
Índice de Inovação Global aponte que o Brasil ainda não possui uma cultura
sólida de transferência de tecnologia e parcerias de longo prazo, há exemplos
bem sucedidos. Na premiação da Clarivate Analytics, a Petrobras também foi agraciada. A
estatal recebeu o prêmio Inovação Empresas em razão da sua expressiva
colaboração com universidades. Um de seu principais parceiros é o Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), com o qual firmou um primeiro convênio
em 1977. Ao longo dos anos, essa colaboração possibilitou inovações para
plataformas de petróleo, o desenvolvimento de tecnologias de engenharia e de
sistemas de informação e a construção de novas instalações como o Centro de
Excelência em Geoquímica (Cegec) e o Laboratório de Tecnologia Oceânica
(LabOceano).
Se as
parcerias podem contribuir para o desenvolvimento das empresas, também
contribui para financiar novas pesquisas e o ensino universitário. Os 48
contratos firmados pela Unicamp em 2020 renderam R$ 1,9 milhão em ganhos
econômicos, sendo o maior valor já contabilizado pela instituição. "Estes
recursos são divididos em três: um terço vai para os inventores da tecnologia,
um terço vai para a unidade de origem da tecnologia e um terço vai para a
reitoria. Atualmente, a reitoria direciona este recurso para a Inova de maneira
a retroalimentarmos as atividades de fortalecimento dos laços
universidade-empresa", informa a Agência de Inovação Inova Unicamp.
Pandemia
Em meio à
pandemia de covid-19, o mundo iniciou uma corrida pela inovação. Na busca por
entender o novo coronavírus e criar mecanismos para enfrentá-lo, incentivos
surgiram de todos os lados. No Brasil não foi diferente. Ainda que com bem
menos recursos do que movimentam os países mais desenvolvidos, instituições científicas
buscaram articulações com governos locais e mesmo no setor privado para
encontrar soluções.
Nesse
contexto, a própria UFMG foi premiada em outubro do ano passado pela Associação
Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI). Um modelo de sonda que propicia
mais eficiência ao processo de aspiração de secreções em pacientes internados
foi escolhido como Patente do Ano, em uma seleção que privilegiou inovações que
poderiam contribuir para o enfrentamento à pandemia de covid-19. A instituição
costura agora parcerias com hospitais e empresas para fazer a tecnologia chegar
à sociedade.
"Nossa
pesquisa está sempre preocupada em resolver algum problema da sociedade",
afirma o químico e pesquisador Rubén Dario Sinisterra, que ocupou a função de
Diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG
entre 2006 e 2010. O Departamento de Química da instituição conseguiu
concluir o ciclo da pesquisa à transferência de tecnologia três vezes. Segundo
conta Rubén, duas delas são desdobramentos de estudos sobre sistemas de
liberação controlada, que permitem a elaboração de medicamentos, como
comprimidos e cápsulas, em que o fármaco é absorvido pelo organismo de forma
gradual.
A última
transferência de tecnologia, em meio à pandemia de covid-19, decorreu de uma
demanda direta apresentada por uma empresária do estado São Paulo da indústria
têxtil. Havia uma substância cuja patente tinha sido depositada pela UFMG há
cerca de 15 anos. Desenvolvida em parceria entre o Departamento de Química e a
Faculdade de Odontologia, suas qualidades antimicrobianas eram comprovadas em
testes com enxaguantes bucais em pacientes. A empresária, no entanto, buscava
uma formulação capaz de combater o coronavírus em superfícies.
"Disse
a ela: nunca testamos contra vírus, mas acredito que possa ser antiviral",
diz Rubén. Ele não imaginava, contudo, que poderia funcionar tão bem contra a
covid-19. A substância, batizada da Nanoativ, mostrou no ano passado capacidade
para proteger grandes ambientes por até 28 dias. Em oito meses, a empresa
Erhena já buscava parceria para desenvolver os produtos: junto à Adelbras, foi
criada uma fita adesiva com o Nanoativ e foram feitos testes bem sucedidos no
aeroporto de Viracopos, em Campinas. Ela foi afixada em balcões de atendimento,
maçanetas de portas, braços de poltronas de espera e corrimões de escadas,
entre outras superfícies.
A fita
adesiva já está sendo comercializada inclusive nos Estados Unidos. Agora estão
sendo planejados novos produtos como um creme que deverá proteger as mãos por
oito horas, um spray para aplicar em tecidos e sobre superfícies e um polímero
plástico para embalar alimentos. "Em algum momento, um carregamento de
frango brasileiro foi confiscado lá na China porque foi encontrado coronavírus
na superfície das embalagens", lembra Rubén,
Processo
demorado
A
velocidade com que as coisas aconteceram com o Nanoativ é exceção. A
transferência de tecnologia geralmente é um processo demorado e que muitas
vezes desacelera por falta de recursos. Segundo Rubén, o setor privado pode
ajudar, mas o Estado tem um papel fundamental. Ele diz acreditar que a situação
vivida pelo Brasil, onde a participação das empresas ainda é tímida, é parte de
um contexto de desenvolvimento.
"Isso
também ocorreu nos Estados Unidos. É típico de um processo que ainda não se
consolidou. Falamos que é um processo imaturo. Precisamos capacitar e formar
pessoas até na academia para poder depositar mais patentes. Temos empresas
capazes também, mas falta uma orientação política que mostre que a inovação é
central. Eu estudei nos Estados Unidos, vi como acontece lá e acredito no
talento brasileiro".
Rubén
realizou seu pós-doutorado no Massachusets Institute of Technology (MIT), em
Boston. Segundo ele, as políticas públicas tornam a inovação em determinadas
áreas como um projeto estratégico. "Mesmo lá, sendo uma universidade
privada e tendo uma interação muito forte com empresas, a maior parte dos
recursos para pesquisa vem do Estado americano". Ele cita o caso dos
fármacos, onde os estudos clínicos são caros e muitas vezes dependem do apoio
dos governos, a exemplo do que ocorreu com as vacinas contra a covid-19.
Somente a farmacêutica Moderna recebeu, no ano passado, quase US$1 bilhão do
governo dos Estados Unidos para realizar os testes com seu imunizante. (Ag.
Brasil)
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