Meu ponto de
partida foram relatos de amigos reclamando que sua memória parecia estar
falhando com mais frequência durante os lockdowns.
Na ocasião, conversei com uma pesquisadora de memória, Catherine Loveday, que é professora de neurociência cognitiva na Universidade de Westminster, em Londres.
Discutimos os vários fatores que poderiam estar em jogo, mas naquele estágio não havia dados para quantificar o quão comum essa sensação de memória prejudicada poderia ser.
Agora, graças a Loveday, temos
dados. Eles estão sendo preparados para publicação acadêmica, mas no programa
de psicologia que apresento na BBC Radio 4 ela me deu uma prévia dos
resultados.
Em sua pesquisa, Loveday usou
o Everyday Memory Questionnaire ("questionário de memória diária"),
que pede aos entrevistados uma avaliação subjetiva do desempenho de diferentes
aspectos de sua memória recentemente (algo em que somos melhores do que você
imagina). São perguntas como estas:
Você se esqueceu de dizer a
alguém algo importante?
Você começou a ler algo e
percebeu que já tinha lido antes?
Para este estudo sobre a
memória na era covid-19, os participantes foram questionados se, para cada
questão, acreditavam que: sua memória havia melhorado, permanecia a mesma ou
havia piorado durante a pandemia.
E os dados parecem reforçar os
relatos que ouvi.
Enquanto algumas pessoas de
sorte sentiram que sua memória havia melhorado, 80% dos participantes disseram
que pelo menos um aspecto de sua memória havia se deteriorado, uma porcentagem
significativamente maior do que esperaríamos encontrar normalmente.
Devemos lembrar que alguns
desses participantes responderam a uma convocação nas redes sociais para
preencher um questionário sobre falhas de memória durante a pandemia. Em outras
palavras, eles foram uma amostra autosselecionada que pode ter decidido participar
por esse motivo.
Mas nem todos os participantes
foram recrutados dessa forma, e os resultados foram semelhantes
independentemente de como eles vieram a participar do estudo.
A mudança mais comum reportada
foi esquecer quando um evento ou incidente aconteceu, o que 55% das pessoas
disseram que estava ocorrendo com elas.
Isso sugere que a pandemia
afetou nossa percepção do tempo, o que não é surpreendente.
Quando analisei a literatura
sobre percepção de tempo em meu livro Time Warped, ficou claro
que algumas memórias vêm com o que se chama de carimbo de tempo.
Quando uma memória é
diferenciada, vívida, pessoalmente envolvente e se torna uma narrativa que contamos
muitas vezes desde então, podemos localizar essa memória exatamente na linha do
tempo de nossa vida.
Mas a maioria dos eventos em
nossas vidas não é assim e, por isso, temos dificuldade de colocá-los
precisamente no tempo. Essa questão é particularmente verdadeira para vários
aspectos da pandemia.
É claro que você provavelmente
se lembra de quando ouviu pela primeira vez que estávamos entrando em lockdown
ou (se já teve esta sorte) quando foi vacinado.
Mas nada mais vívido e
diferenciado (ou interessante) aconteceu para qualquer pessoa em mais de um
ano.
Nosso leque de atividades tem
sido muito restrito — reuniões online, caminhadas, televisão, mais uma refeição
em casa.
Os dias, semanas, meses se
fundiram em um só. A quarta-feira passada parece muito com a segunda-feira
anterior, e é muito difícil saber até em que mês você pode ter dado um passeio
em determinado parque, quanto mais o dia exato.
Fiquei curiosa em ver que a
segunda categoria mais comum em que as pessoas disseram que suas memórias
pioraram foi em lembrar a palavra certa para dizer em uma frase.
Isso é conhecido na psicologia
como fenômeno na ponta da língua (TOT, na sigla em inglês).
Todos nós passamos por isso de
vez em quando — e acontece com mais frequência com nomes. (Normalmente,
lembramos quando é tarde demais. "Ah, sim, ele se chama Tom!")
Por que esses episódios de
esquecimento de palavras aumentaram durante as restrições impostas pela
covid-19 não está claro, mas poderia simplesmente ser explicado pelo fato de
que muitos de nós temos trabalhado sozinhos em casa ou com distanciamento em um
local de trabalho e, portanto, tivemos menos oportunidades de falar com outras
pessoas pessoalmente ao longo do último ano.
Estamos sem prática de
interação social.
Outras dificuldades comuns de
memória reveladas pelos novos dados foram: esquecer algo que te contaram e
esquecer de fazer coisas que você disse que faria.
A explicação mais provável
para isso é a falta de pistas no ambiente externo.
Em vez de se deslocar para o
trabalho, andar pelo escritório, ir a outros lugares para reuniões e esbarrar
com as pessoas constantemente, alguns de nós temos ficado principalmente
confinados em um cômodo em casa, olhando para a mesma tela em intermináveis reuniões
online.
Quando as pessoas estavam
saindo mais, elas passavam pela sala onde tinham uma determinada reunião ou
viam alguém passar por sua mesa de trabalho, o tipo de pistas que nos lembram
que, sim, precisamos fazer um relatório para a próxima reunião ou amanhã é o
aniversário daquele amigo.
É notável que a maioria das
memórias diferenciadas, do tipo que vêm com o carimbo de tempo ou que tendemos
a lembrar, envolvem eventos que ocorrem do lado de fora, o que pode se encaixar
na hipótese de que quando estamos longe de casa, o hipocampo do nosso cérebro
se torna mais ativo, possivelmente em uma tentativa de garantir que possamos
sempre encontrar o caminho de volta.
Em contrapartida, se nossas
vidas ficam mais confinadas, a atividade nessa parte do cérebro, que é tão
crucial para a memória autobiográfica, provavelmente diminuirá.
Deste modo, nesta nova
pesquisa sobre a memória durante o lockdown, um dos maiores preditores de como
as pessoas achavam que suas memórias eram boas foi o quanto elas haviam se
movimentado durante o dia.
Pessoas que saíram um pouco,
entraram em edifícios diferentes, ou que conseguiram ir de sala em sala,
relataram menos dificuldades de memória.
Outro fator importante — mais
surpreendente, à primeira vista — foi o gênero. As mulheres foram mais
propensas a dizer que sua memória havia piorado.
O que poderia explicar isso?
Parece que as mulheres apresentaram pontuações mais altas porque passaram por
mais mudanças negativas em suas situações de trabalho, seus relacionamentos e
maiores taxas de estresse geral.
Isso se encaixa com outros
estudos que mostraram que as mulheres são mais afetadas pelos lockdowns.
Loveday também pediu às
pessoas que descrevessem uma memória marcante de sua vida no lockdown.
Os participantes se mostraram
muito mais propensos a escolher memórias de abril de 2020, no início do
primeiro lockdown no Reino Unido do que durante os lockdowns posteriores.
Certos temas apareceram
intensamente, incluindo passar um tempo na natureza e começos e fins, como
novos empregos, nascimentos, ficar desempregado e funerais.
As pessoas também tendiam a
descrever como faziam coisas normais com amigos ou família, mas de uma forma
incomum. Uma participante falou sobre jogar pingue-pongue com a mãe vestida com
luvas e máscara.
A boa notícia é que estas
chamadas memórias episódicas eram muito detalhadas.
"Eu veria isso como uma
indicação de que os sistemas de memória não estão 'avariados' como tal",
conclui Loveday.
"Mas simplesmente não
estão a todo vapor o tempo todo."
Isso sugere que, quando a vida
ficar mais agitada novamente, para aqueles de nós sem deficiências cognitivas,
as velhas pistas estarão lá e nossas memórias efetivas devem voltar.
Em breve, como outros aspectos
deste ano estranho e triste, o esquecimento crescente desaparecerá de nossas
mentes. (BBC)
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