Com o firme apoio de seu pai, bom violeiro, sanfoneiro e repentista,
iniciou cedo o aprendizado no campo musical, evidenciando aos oito anos de
idade um promissor desembaraço na cantoria de viola. Perde o pai aos dez anos.
Menino pobre, a necessidade de sobrevivência o conduz ao sadio exercício da
atividade laboral em várias frentes, sem prejuízo das obrigações estudantis, no
período da adolescência em sua cidade natal, porquanto trabalhou como lavrador
- plantando arroz, café e milho -, tangerino, leiteiro, marceneiro, engraxate,
portador de recados e carregador de malas e marmitas.
Teve eficiente formação, por conseguinte, na boa escola da vida, nos
ditosos e profícuos tempos em que o trabalho infantil assumia uma conotação
pedagógica de positivo viés, sobressaindo de forma altaneira para o melhor
aprendizado no difícil educandário direcionado à formação do retilíneo caráter
das pessoas, em contraposição ao lastimável panorama dos dias atuais, onde
impera a draconiana proibição do exercício laboral na infância, conduzindo
muitas vezes o menor vulnerável à perigosa e suicida trilha da solerte
malandragem e da sedutora ociosidade, que acabam por atraí-lo à prática de
pequenos delitos, sendo o furto o mais tentador - o dinheiro fácil e sem o
menor esforço é uma ardilosa e feiticeira isca - e à experiência com o uso de
drogas, vestíbulo perfeito e bastante aliciador para o corrosivo e devastador
batismo no universo da criminalidade, um nefasto caminho habitualmente sem
volta. Triste e deplorável realidade de nossos dias em pleno século XXI!
Mas, retomando o fio de Ariadne, aos dezoito anos, Ataulfo Alves resolve
morar no Rio de Janeiro, então a esfuziante capital da República, a convite de
um médico que era seu conterrâneo, Dr. Afrânio Moreira de Resende, passando a
trabalhar no consultório do referido esculápio. Pouco tempo depois, foi
contratado por um estabelecimento farmacêutico para lidar com manipulação de
pílulas, xaropes e poções diversas. À noite, encontrava aprazível lazer
frequentando rodas de samba no bairro do Rio Comprido, dando vazão aos seus
dotes musicais.
Nesse período iniciou cordial amizade com uma jovem que procurava espaço
como cantora no meio artístico. Tratava-se de Carmen Miranda (1909-1955), até
então uma ilustre desconhecida. Paulatinamente o talento nato do
respeitável mestre foi se impondo. A primeira música de sua autoria a ser
gravada, e logo por sua amiga Carmen Miranda - à época já era uma estrela, com
carreira alavancada pelo samba "Taí", do também mineiro Joubert de
Carvalho (1900-1977) -, foi "Tempo Perdido", no ano de 1934. A
carreira musical do talentoso compositor foi evoluindo a partir desse
afortunado evento, exibindo toda a exuberância de seu inestimável valor
artístico.
Várias músicas de sua lavra foram recepcionadas com enorme carinho e
desconcertante empatia pelo povo brasileiro, destacando-se, dentre outras,
"Saudade do Meu Barracão", "Menina que Pinta o Sete",
"A Você", "Quanta Tristeza", "Nem que Chova
Canivete", "Saudade Dela", "Mulher Fingida",
"Errei, Erramos", "Sei que É Covardia", "Boêmio",
"Oh! Seu Oscar", "Requebro da Mulata", "O Bonde São
Januário", "Vida da Minha Vida", "Errei, Sim",
"Leva Meu Samba", "Ai, que Saudades da Amélia", "Atire
a Primeira Pedra", "Para que Mais Felicidade",
"Capacho", "Inimigo do Samba", "Todo Mundo
Enlouqueceu", "Índia do Brasil", "Boêmio Sofre Mais",
"Vá Baixar em Outro Terreiro", "Infidelidade", "O
Samba Nasce do Coração", "Pois É", "Vai, Vai Mesmo",
"Meus Tempos de Criança", "Mulata Assanhada", "Na
Cadência do Samba", "O Homem e o Cão", "Lenço Branco",
"Laranja Madura", "Você Passa e Eu Acho Graça", "Você
Não É Como as Flores" e "Mandinga", sua última composição.
Vultos importantes que marcaram relevante presença no pujante cenário da
música popular brasileira foram valorosos colaboradores na parceria musical com
Mestre Ataulfo, dentre os quais menciono Orestes Barbosa (1893-1966), Jorge
Faraj (1901-1963), Alberto Ribeiro (1902-1971), Alcebíades "Bide"
Barcelos (1902-1975), Armando Marçal (1902-1947), Benedito Lacerda (1903-1958),
Lamartine Babo (1904-1963), Felisberto Martins (1904-1980), André Filho
(1906-1974), Donga (1907-1991), Sílvio Caldas (1908-1998), José "Zé da
Zilda" Gonçalves (1908-1954), Alcides Gonçalves (1908-1987), Roberto
Martins (1909-1992), Haroldo Lobo (1910-1965), Claudionor Cruz (1910-1995),
Nássara (1910-1996), Assis Valente (1911-1958), Mário Lago (1911-2002),
Peterpan (1911-1983), Herivelto Martins (1912-1992), Aldo Cabral (1912-1994),
Wilson Batista (1913-1968), Floriano Belham (1913-1999), Marino Pinto
(1916-1965), Newton Teixeira (1916-1990), David Nasser (1917-1980), Jacob do
Bandolim (1918-1969), Miguel Gustavo (1922-1972) e Carlos Imperial (1935-1992).
O compositor miraiense passou a gravar suas próprias músicas nos anos 40
do século pretérito e, como o timbre de sua voz ficava aquém dos padrões
exigidos para os cantores da época, resolveu formar o grupo "Ataulfo Alves
e Suas Pastoras", com as vozes femininas estabelecendo um harmonioso
contraponto à sua. O conjunto vocal obteve grande sucesso. Em 1958, o renomado
músico participou do simpático filme "Meus Amores do Rio", realizado
pelo habilidoso cineasta argentino Carlos Hugo Christensen (1914-1999), um
surpreendente sucesso de bilheteria. Em 1961, realiza uma série de
apresentações pela Europa, em uma caravana organizada pelo desenvolto compositor
e advogado cearense Humberto Teixeira (1915-1979), parceiro habitual do mítico
"Rei do Baião", Luiz Gonzaga (1912-1989).
Impecável no vestir, de fino trato, voz branda, sorriso franco e lhaneza
de caráter, sempre exibindo postura sóbria e refinada, Ataulfo Alves certamente
foi o mais elegante sambista que o Brasil já conheceu. O afamado colunista
social fluminense Ibrahim Sued (1924-1995) chegou a incluí-lo em sua seleta e
disputadíssima lista dos 10 Mais Elegantes.
O majestoso compositor lamentavelmente faleceu aos cinquenta e nove anos
de idade, durante o período pós-operatório de uma úlcera no duodeno. O manso de
coração e cordato por natureza, gentil-homem por excelência e fidalgo por
vocação, Mestre Ataulfo Alves, cognominado "O General do Samba", bem
merece o venerável título de honra e glória do cancioneiro nacional.
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