segunda-feira, 21 de março de 2022

Como 'brasileiro menos preocupado com corrupção' pode influenciar eleições?

As pesquisas de intenção de voto sobre as eleições presidenciais indicam que a disputa deste ano deverá ser acirrada, mas com uma diferença significativa em relação aos últimos anos: o nível de preocupação da população brasileira em relação à corrupção. Após o turbilhão político causado pelas revelações da Operação Lava Jato, especialmente entre os anos de 2014 e 2018, diversos institutos mostram uma tendência de que o eleitorado já não vê mais a corrupção como o principal problema do Brasil.

Mas como isso ocorreu? E quais as consequências disso para as eleições deste ano?

Cientistas políticos e diretores de institutos de pesquisa de opinião entrevistados pela BBC News Brasil afirmam que isso aconteceu por um conjunto de fatores que incluem a "saturação" do tema junto ao público, a crise econômica e o temor em relação à saúde intensificado pela pandemia de covid-19. Eles dizem que os eleitores continuam considerando a honestidade importante na hora de escolher um candidato ou candidata, mas que o peso dado a isso na definição do voto deverá ser menor em função da emergência de outros fatores.

Corrupção: ascensão e queda

As pesquisas que indicam que a corrupção caiu no ranking dos principais problemas do eleitor são baseadas em entrevistas que fazem, basicamente, a mesma pergunta: qual é o principal problema do país? Elas visam identificar qual é a importância que os entrevistados dão para determinados temas.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que, tradicionalmente, a corrupção não figurava como a principal preocupação do brasileiro, posto que ficava com temas como saúde ou economia.

O cenário mudou, porém, com a Operação Lava Jato, quando o tema assumiu protagonismo, e voltou a cair a partir de 2018, em um período em que a operação entrou em baixa.

Os dados do Datafolha mostram esse fenômeno.

Em 2011, a corrupção estava em sexto lugar no ranking dos principais problemas do país, com apenas 3%. Na época, saúde era a líder.

Entre junho de 2013 e dezembro de 2014, o tema estava em terceiro lugar. A mudança acontece no contexto dos protestos de 2013 e das primeiras revelações da Operação Lava Jato, deflagrada no ano seguinte.

À época, as investigações revelavam esquemas de corrupção em estatais como a Petrobras e o envolvimento de agentes políticos de diversos partidos.

O tema continua a subir de importância e, em novembro de 2015, passa a ser apontado como o maior problema do país, segundo o Datafolha.

Em março de 2016, às vésperas do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), 37% dos brasileiros classificam a corrupção como a maior preocupação do país.

Até dezembro de 2018, o tema oscilou entre a primeira e segunda colocações.

A partir de então, inicia sua trajetória de queda.

Ao longo do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), o tema foi caindo no ranking até que, em dezembro de 2021, apenas 4% dos entrevistados achavam que o principal problema do Brasil era a corrupção. Saúde é o líder, com 24%.

A tendência de ascensão e queda também foi identificada pela Corporação Latinobarômetro, que monitora o ambiente político na América Latina.

De acordo com pesquisa de 2011, a corrupção estava em quarto lugar (7,1%) na lista de principais problemas do país. Em 2015, com a Lava Jato em campo, o tema assumiu a liderança do ranking, com 22,4%.

Em 2018, o tema caiu para o segundo lugar, com 15,7%. Em 2020, ano da pesquisa mais recente, o assunto voltou para a quarta colocação, com 6,1%, percentual inferior ao registrado em 2011.

A pesquisa mais recente de outro instituto de pesquisas, o Ipespe, reforça a ideia de que a corrupção não estaria no topo das preocupações do eleitorado atualmente.

Segundo o levantamento de novembro de 2021, o assunto estava em sexto lugar na lista dos temas mais importantes a serem tratados pelo próximo presidente, com apenas 5%.

Crise, covid e decepções

Mas o que poderia explicar essa queda?

Alguns podem dizer que uma possível resposta seria dizer que, talvez, o brasileiro se preocupa menos com corrupção porque o país ficou menos corrupto. Acadêmicos que estudam o assunto, porém, afirmam que é praticamente impossível aferir o quão um país é corrupto com precisão.

"Esse tipo de pesquisa é muito difícil de fazer porque a corrupção acontece de forma velada. Não é possível mensurar toda a corrupção de um país de uma forma sistemática", afirma a cientista política e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Nara Pavão.

Além disso, a pesquisa mais conhecida sobre percepção de corrupção no mundo, que é realizada pela organização não-governamental Transparência Internacional, mostra que a posição do Brasil no ranking piorou entre 2014, ano de deflagração da Lava Jato, e 2021.

A pesquisa é feita a partir de entrevistas com empresários e agentes públicos que respondem sobre como eles percebem o ambiente de um país em relação à corrupção.

Em 2014, o Brasil estava na 69ª posição de um total de 174 países. Em 2021, o Brasil está em 96º entre 180 nações. Os primeiros colocados no ranking dos países percebidos como mais íntegros são: Nova Zelândia, Dinamarca e Finlândia.

Nara Pavão diz que a queda da corrupção no ranking de preocupações do Brasil é uma "volta ao normal".

Ela afirma que, historicamente, o tema nunca esteve entre as principais preocupações manifestadas pelos brasileiros, exceto durante o auge das investigações da Operação Lava Jato.

"A gente voltou à normalidade. Hoje, o peso dado à corrupção é muito parecido com o peso que a gente atribuía antes da Operação Lava Jato", afirma.

Segundo ela, a principal causa para essa queda seria a "saturação" do tema junto ao público, uma espécie de efeito colateral das investigações.

Protesto contra corrupção no Congresso Nacional em 2017

"Os temas eleitorais se saturam porque eles não são estáticos ao longo do tempo, com exceção da economia. A gente passou muito tempo preocupado com a corrupção por causa da Lava Jato e passamos por um momento de demonização da política que fez com que os eleitores não conseguissem mais usar o tema da corrupção como critério de escolha. Basicamente, (corrupção) virou um tema inútil para a gente conseguir diferenciar os políticos", explica.

Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, a queda da corrupção no ranking é resultado de dois fatores: desgaste da Operação Lava Jato e o agravamento da crise econômica.

"O brasileiro tem uma decepção com os resultados da Operação Lava Jato por dois motivos principais. O primeiro é um conjunto de revelações daquilo que hoje no Brasil se chama de Vaza Jato, que levaram à anulação de diversos processos - inclusive alguns contra o ex-presidente Lula. O segundo é a ideia de que o país não melhorou ao longo desse processo. Pelo contrário, a economia brasileira está estagnada", disse.

Vaza Jato é como ficaram conhecidas as revelações feitas inicialmente pelo portal The Intercept Brasil que mostraram o conteúdo de conversas mantidas entre procuradores da Operação Lava Jato e o então juiz do caso, o agora ex-ministro da Justiça e pré-candidato à Presidência da República, Sergio Moro.

O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, por sua vez, diz que os principais motivos para que a corrupção não figurasse mais entre as principais preocupações do brasileiro são a crise econômica e os efeitos da pandemia de covid-19.

"Os eleitores passaram a se preocupar mais com a saúde e com as consequências da pandemia que são o desemprego e a inflação. Não é que o brasileiro tenha deixado de prestar atenção na corrupção, mas o agravamento de outros temas fez com que o brasileiro ficasse mais pragmático", explica.

Os dados mostram que mais de 656 mil pessoas morreram no Brasil vítimas da covid-19. Na economia, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2021 em 10,06%, maior valor desde 2015. Ainda na esfera econômica, o desemprego medido em janeiro medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 11,2%, atingindo 12 milhões de pessoas. O PIB de 2021 cresceu 4,5%, mas a expectativa para este ano é de 0,49%.

Já o cientista político Antônio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe, afirma que o principal motivo para a mudança de prioridades teria sido a percepção de que o combate à corrupção não melhorou o quadro econômico.

"A crise econômica continua e os problemas já não são mais debitados na conta das administrações petistas ou aos fatos investigados pela Lava Jato. A população começou a se perguntar até que ponto a corrupção, sozinha, explica as dificuldades econômicas de um país como o Brasil", diz.

Relativização da corrupção

Mas se as pesquisas indicam que a corrupção não está entre as principais preocupações do brasileiro neste ano, isso significa que os eleitores vão deixar de avaliar o currículo dos candidatos neste quesito?

Antônio Lavareda, Nara Pavão e Mauro Paulino dizem que não. Lavareda, por exemplo, afirma que, segundo dados do Ipespe, honestidade é o principal atributo procurado pelos eleitores em um candidato ou candidata.

Eles afirmam, no entanto, que a escolha dos seus candidatos vai passar pela avaliação de outros critérios.

Citando a invasão russa na Ucrânia, Lavareda sugere uma analogia.

"Na Ucrânia, há problemas de vários tipos como corrupção e educação. Mas se você chegar lá hoje e perguntar para um ucraniano qual é o principal problema do país ele vai dizer, logicamente, que é a invasão russa. O brasileiro está às voltas com ausência de crescimento, desemprego elevado e inflação. Num cenário desses, como esperar que ele não veja a economia como um problema maior que a corrupção?", diz.

Novo normal

E em meio a esse contexto, quais das principais pré-candidaturas à presidência poderiam ser mais ou menos prejudicadas ou beneficiadas?

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que aquelas candidaturas que ainda se focarem na bandeira do combate à corrupção, como a de Sergio Moro, enfrentarão mais dificuldades para decolar.

Isso ocorre porque o percentual da população para quem a bandeira da corrupção é definidora de voto tem se mostrado reduzida.

"As pesquisas incluindo Sergio Moro em dezembro mostraram que esse discurso (anticorrupção) não faz com que ele se destaque como opção de terceira via. Para conquistar o eleitor e ter viabilidade eleitoral, os candidatos precisam dar uma resposta a essas questões mais urgentes", afirmou Mauro Paulino, do Datafolha, referindo-se a temas como desemprego e inflação.

"Se a corrupção continuasse a capitanear o ranking das preocupações nacionais, Sergio Moro estaria liderando as pesquisas, mas não é isso que acontece", explica Antônio Lavareda.

Nara Pavão, por sua vez, acredita que a mudança no ambiente eleitoral favorece aqueles candidatos que, eventualmente, tenham ou tiveram seus nomes ligados a denúncias de corrupção como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foi alvo da Lava Jato, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), cujos filhos são investigados pela suposta prática de "rachadinha".

"Os estudos mostram que há um cálculo estratégico feito pelo eleitor que faz com que ele faça outras considerações além da corrupção. Então, mesmo que a saliência (proeminência) da corrupção seja alta, a gente vê que quem é petista e gosta do PT vai relevar as acusações de corrupção que pesavam sobre o partido da mesma forma que quem gosta de Bolsonaro vai relativizar as suspeitas de corrupção contra ele", diz.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil disseram acreditar que é difícil que o tema da corrupção seja "reativado" como principal tema das eleições de 2022.

"Acho muito difícil isso acontecer nestas eleições porque o tema está extremamente saturado", afirma Nara Pavão.

Antônio Lavareda afirma que não há "condições objetivas" para que o assunto volte a ter, até outubro deste ano, a relevância que teve nas eleições passadas.

"É impossível fazer isso porque as condições concretas e objetivas que havia em 2014, 2016 e 2020 não existem mais. Naquele momento, tínhamos uma operação Lava Jato em curso e muito prestigiada no noticiário. Não vejo como reativar isso nestas eleições", afirma. (BBC)

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