Apesar da simpatia de boa parte dos empresários do
campo pela reeleição de Bolsonaro, a maioria dos abordados se sentiu
constrangida com a forma como os pedidos chegaram e fez com que esse sentimento
fosse transmitido a seus interlocutores no Palácio do Planalto. Ficaram
especialmente apreensivos com as menções a Costa Neto e Flávio. O chefe do PL
foi condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no mensalão,
primeiro grande escândalo de corrupção da era PT. E o filho do presidente é
investigado pela suspeita de se apropriar de salários de funcionários do
gabinete quando era deputado estadual.
Os queixosos não gostaram de ver esses políticos
envolvidos na arrecadação de dinheiro. A abordagem pela doação está registrada
em mensagens trocadas num grupo de WhatsApp, ao qual o Estadão teve acesso. Foi
ali que chegaram os primeiros pedidos, feitos de forma mais incisiva por Bruno
Scheid, administrador de fazenda de gado em Ji-Paraná (RO). Também atuaram o
pecuarista Adriano Caruso, de São José do Rio Preto (SP), filiado ao PL, e
Cuiabano Lima, locutor de rodeios e secretário de Turismo de Barretos (SP).
Os três não eram estranhos no grupo de WhatsApp.
Todos ali se conheciam por causa de movimentos pró-Bolsonaro desde o ano
passado. Recém-filiado ao PL, Scheid gosta de exibir sua proximidade com a
família do presidente. Nas redes sociais, posta fotos com Flávio e o vereador
do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). Em fevereiro, viajou com a comitiva no
avião presidencial de Brasília a Porto Velho (RO).
As trocas de mensagens ocorreram entre os dias 5 e
21 de fevereiro deste ano. No grupo de WhatsApp estavam pecuaristas de Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará, Tocantins, Acre, Rondônia e São Paulo.
A maioria defendeu a candidatura de Bolsonaro em 2018 e mantém o apoio.
Na abordagem pelo WhatsApp, os arrecadadores
propagaram um possível encontro de ruralistas com Bolsonaro, no início deste
mês, para tratar de assuntos do setor. A reunião estaria sendo articulada pela
Presidência. Os ruralistas dispostos a contribuir com a campanha seriam
convidados para um evento no mesmo dia em Brasília, com a presença de Costa
Neto e de Flávio.
Ex-presidente da Aprosoja-RO e um dos principais
líderes rurais de Rondônia, Valdir Masutti Júnior, o Juca Masutti, disse que
chegou a ser procurado por Scheid para discutir um encontro, sem dar detalhes.
“Ele me falou que iria falar com Bolsonaro. Perguntei: ‘Falar o quê? Você não
vai sair de Rondônia sem uma pauta do setor’. Não me procurou mais”, relatou.
“Eu dei uma cortada. Sou objetivo.”
Secretário de Agricultura de Rondônia e presidente
regional do PSL, Evandro Padovani também afirmou que Scheid não representa o
setor na Região Norte. “Essa pessoa (Scheid) administra uma fazenda de um
proprietário da Itália. Estou há 22 anos em Rondônia, e o desconheço como líder
ruralista.”
Na campanha de 2018, o agronegócio, especialmente
os médios produtores, apoiou Bolsonaro. Não houve, porém, coleta nacional de
recursos nem centralização da busca de dinheiro. Os ruralistas promoveram de
forma isolada, e regional, churrascos, carreatas e comícios. A conjuntura
política agora é outra. Bolsonaro não é mais um nome novo, encara uma corrida
dura com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e fechou alianças com a
chamada velha política. Seu comitê de campanha quer uma estrutura profissional.
O PL se prepara até para lançar um site para doações.
De uma família tradicional na criação de gado
originária de Maringá, o produtor rural João Delorenzo Neto, hoje em Mato
Grosso do Sul, confirmou que houve uma tentativa de levantar fundos para a
campanha de Bolsonaro. Mas não entrou em detalhes. Ele se disse a favor de uma
articulação, mas “se forem pessoas sérias e comprometidas”.
Já o ex-prefeito de Água Boa (MT) Maurício Tonhá,
presidente da Estância Bahia Leilões, admitiu que existe uma expectativa de
contribuição por parte de empresários do agronegócio e que pretende ajudar a
atrair futuros doadores. Negou, no entanto, ter sido procurado, agora, para
arrecadação de recursos.
“Vou pedir sem nenhuma cerimônia. ‘Fulano, você já
ajudou? Toma jeito, rapaz’. Alguns vão ficar em cima do muro, e 90% vão doar”,
disse Tonhá.
Ao Estadão, o empresário Bruno Scheid negou ter
participação ativa na organização da pré-campanha de Bolsonaro com o
agronegócio e na estratégia de arrecadação. “Não procede”, afirmou o
empresário. Ele também negou ter se filiado ao PL ou a intenção de disputar um
mandato de deputado. O próprio Scheid, porém, já havia divulgado sua filiação,
abonada por Costa Neto.
O locutor Cuiabano Lima, frequentador do Palácio do
Planalto, não respondeu aos contatos da reportagem. Lima atua como agente de
Bolsonaro no agro, além de ser garoto-propaganda de estatais, como a Caixa
Econômica Federal. Na semana passada, em cerimônia oficial da Presidência,
pediu voto pela reeleição: “Põe no 22 aí”, declarou, ao lado do presidente.
O exportador de gado vivo Adriano Caruso, de São
José do Rio Preto, também negou participar da ação de arrecadação. Ele é o
fundador do G-Agro, uma rede de grupos de WhatsApp que reúne produtores para
debater agronegócio e política. No ano passado, essa rede mobilizou doações para
o Pátria Voluntária, programa da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Um dos alvos
do grupo foi o empresário Reinaldo Zucatelli, que preside o diretório do União
Brasil em Marabá (PA). Proeminente do agronegócio e da indústria no sudeste do
Pará, ele afirmou que “nunca ajudou financeiramente, ajudou falando,
esclarecendo”.
TSE veta doações antes da oficialização da
candidatura
Ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o
advogado Henrique Neves disse que não é permitido receber doações antes da candidatura
ser autorizada pelo tribunal. “Na teoria da lei, não. Salvo em relação às
despesas para instalação de comitês de campanhas que podem ser ajustadas antes,
mas só podem ser efetivadas depois”, afirmou Neves ao analisar a regra,
genericamente.
Segundo especialistas em Direto Eleitoral, é comum
candidatos pedirem recursos antes de oficializar a candidatura, desde que
deixem acertado que a contribuição seja efetivamente feita no período
eleitoral. O TSE permite, porém, arrecadação coletiva, a partir de maio, por
meio de sites de vaquinha, que recebem doações individuais. Depois, o valor
deve ser integrado à prestação de contas. Os candidatos só recebem os recursos
se a candidatura for confirmada.
Procurados, Flávio Bolsonaro e Valdemar Costa Neto
não responderam aos questionamentos do Estadão. (JB/Ag. Estado)
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