A diarista
Maria Sônia Ribeiro da Silva, 50 anos, é uma dessas pessoas. Ainda que, a
rigor, sua participação nos pleitos anteriores não tenha sido exatamente
espontânea. “Até hoje, eu não sabia que não era obrigada a votar”, reagiu a
diarista ao ser informada, pela reportagem, que, na condição de analfabeta, não
teria sofrido sanções caso tivesse deixado de votar em eleições passadas.
Abolido em 1881, o direito dos analfabetos ao voto só foi restituído em 1985,
por meio de uma Emenda Constitucional que garantiu a
uma parcela da população que, à época, era ainda maior, o direito a ajudar a
escolher seus representantes políticos.
“Eu votava
porque achava que era o jeito. Que perderia o título de eleitor, pagaria multa,
caso não comparecesse. Até falei com meu marido que, se não fosse obrigatório,
eu não votaria mais, porque é sempre a mesma coisa, as mesmas promessas. Por
outro lado, também acho importante a gente participar, tentarmos fazer com que
o país melhore. Tanto que, agora, sabendo que não sou obrigada, acho que vou
repensar e, talvez, continuar indo votar”, destacou a diarista, explicando que
costuma se informar sobre política pelos telejornais e conversando com parentes
e amigos e na hora de votar, leva consigo uma “cola” com o número dos seus
candidatos.
De acordo
com o último censo populacional realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a taxa de analfabetismo entre a
população de 15 anos ou mais tinha caído de 13,63%, em 2000, para 9,6%,
totalizando 13.933.173 em 2010. Pelos dados disponibilizados pelo TSE, este
ano, o maior número de eleitores que se autodeclararam analfabetos no momento
do alistamento eleitoral tem entre 70 a 74 anos de idade, superando as 730 mil
pessoas.
Jovens e
Idosos
Além dos
analfabetos, há, entre os dito eleitores espontâneos, 815.063 pessoas com 16
anos de idade e outros 1.301.718 que já completaram 17 anos. Juntos, os dois
grupos somam 2.116.781 eleitores. Um número cerca de 50% superior aos 1.400.617
registrados em 2018.
Já o total
de eleitores e eleitoras com mais de 70 anos de idade aumentou de 12,02
milhões, em 2018, para 14.893.281, em 2022. Destes, 184.438 têm mais de 100
anos - dentre os quais, 45,4 mil não sabem ler ou escrever.
Favorável à
tese de que o voto deveria deixar de ser obrigatório e passar a ser facultativo
para toda a população brasileira, o cientista político Antonio Lavareda
acredita que o crescente número de pessoas votando sem ser obrigadas indicam um
“maior nível de consciência cívica” e de interesse pela política.
“As
pesquisas têm demonstrado que as pessoas vêm manifestando um inusual grau de
interesse pela política, mais especificamente pelo pleito deste ano. O que pode
ser um indicador de que a participação eleitoral pode vir a ser maior que na
eleição de 2018, quando a abstenção superou os 30 milhões de
eleitores”, disse Lavareda à Agência
Brasil.
“O
crescimento do número de eleitores com 70 anos ou mais e de jovens com 16 e 17
anos acompanha o manifesto interesse do restante da população pelo pleito deste
ano. E será muito bom para o processo democrático se a alienação eleitoral
registrada na última eleição for menor”, acrescentou o cientista político ao
pontuar que, apesar das poucas pesquisas acadêmicas sobre os eleitores
espontâneos, é possível afirmar que, confirmada a hipótese deles serem mais
interessados, tendem a ser mais “ideologizados”, tendo preferências mais
“articuladas e consolidadas”. “Com isso, quem tende a ser menos beneficiado por
estes votos são os candidatos situados mais ao centro do espectro político
ideológico”.
Professora e
pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), a também cientista política Rachel Meneguello
considera que a motivação para o voto espontâneo está associada ao interesse
pela política e à percepção da importância de que, em uma democracia representativa
como a brasileira, os cidadãos devem assumir a responsabilidade de ajudar a
escolher seus líderes políticos.
“As
pesquisas mostram que, nos últimos 20 anos, se o voto não fosse obrigatório,
não menos que 40% dos eleitores iriam votar. Ainda assim, o eleitorado entende
o ato de votar como um ato cívico que faz parte de sua vida política – a ponto
de, na redemocratização, após a ditadura militar, [o direito a] votar para
presidente em eleições diretas ter sido um dos pontos centrais das campanhas que
envolveram grande parte da população”, destacou Rachel.
De acordo
com a cientista política, as pesquisas existentes indicam que a maioria dos
eleitores que votam por vontade própria possuem maiores escolaridade e renda
média, mas também exigem campanhas públicas específicas.
“O acesso à
informação geral e à informação política é um fator central para a mobilização
política e esses grupos [no geral] têm maior acesso, contudo, dependem mais de
campanhas específicas. Neste ano, por exemplo, vimos a campanha do TSE
destinada a estimular o envolvimento dos mais jovens”, frisou Rachel, que
também espera uma menor abstenção eleitoral para este ano, mas ao contrário de
Lavareda, defende a manutenção do voto obrigatório para os demais eleitores.
“Entendo o
voto obrigatório como um dever cívico muito positivo. O eleitor deve praticar a
responsabilidade pela escolha dos representantes que votam por ele no
Congresso, assembleias ou câmaras municipais. O que pode ser aperfeiçoado
no caso brasileiro é a organização do sistema partidário, de forma que os
partidos de fato consigam organizar a informação política para os eleitores,
pois sabemos que a média do eleitoral tem dificuldades em localizar-se no
sistema de partidos e definir as escolhas de deputados federais, estaduais e
senadores em um sistema partidário fragmentado como é o sistema brasileiro”,
explicou. (Ag.Brasil)
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