Circulam desde listas de supostos Estados e escolas onde os ataques poderiam acontecer a datas que estariam marcadas para ataques em massa, além de perfis de supostos agressores. Esse conteúdo, que começou a surgir na última semana, tem deixado pais e mães com medo de enviar seus filhos à escola e levado crianças e adolescentes a pedir para ficar em casa.
Um ponto em comum entre os diversos boatos compartilhados é a ideia de que haveria um ataque em massa em escolas em um mesmo dia.
As polícias de diversos Estados e o Ministério da Justiça afirmam que
estão trabalhando para combater ameaças reais que foram registradas. Só em São
Paulo, a Polícia Civil diz que frustrou dezenas de possíveis atos violentos em
diversos municípios em março, com apreensão de facas, máscaras e celulares.
No entanto, muitas das ameaças compartilhadas em mensagens de
"alerta" são falsas, dizem as secretarias de segurança de São Paulo e
Espírito Santo, Estados onde ataques em escolas nos últimos anos deixaram
vítimas fatais.
E o compartilhamento desse conteúdo amplia o risco de que agressões reais aconteçam.
Muitos usuários espalham os boatos com a intenção de alertar amigos,
colegas e parentes - algo que tanto pesquisadores dedicados ao tema quanto a
polícia indicam que não deve ser feito.
A Secretaria de Segurança de São Paulo (SSP-SP) afirma que todos os
casos de ameaça são investigados e que as diretorias das unidades de ensino
estão em alerta e em contato com a Polícia Militar. A secretaria pede ainda que
o público pense duas vezes antes de compartilhar boatos não confirmados.
“É importante salientar que o consenso entre especialistas é que a divulgação de
imagens ou informações de um atentado serve para fomentar novos casos,
no que é conhecido como ‘efeito contágio’”, diz a SSP-SP.
“Da mesma forma, percebe-se que a divulgação de ameaças (muitas das
quais não passam de boatos) tem seguido o mesmo comportamento. Quanto mais se
noticia, mais casos surgem.”
Ou seja, espalhar boatos sobre ameaças de ataques que não são reais pode
ter o efeito indesejado de incentivar uma agressão verdadeira.
A advogada Ana Paula Siqueira, especialista em direito digital, ressalta
que as pessoas que espalham um conteúdo duvidoso também têm responsabilidade
por ele.
“Quem compartilha uma notícia falsa comete o mesmo crime de quem criou
aquele conteúdo”, diz ela.
“Se tem um vídeo com uma mentira, por exemplo, de que tem uma bomba em
um estádio de futebol, e isso gerar pânico, pessoas forem pisoteadas... Quem
compartilha a notícia falsa também pode ser responsabilizado por esse dano.”
Consultado pela BBC News Brasil, o WhatsApp diz as mensagens são
criptografadas e por isso a plataforma não acessa o conteúdo trocado pelos
usuários e nem faz moderação de conteúdo.
No entanto, a empresa afirma que usuários devem reportar condutas
inapropriadas por meio da opção “Denunciar”, disponível no menu do aplicativo
(Menu > Mais > Denunciar), ou enviando um email para
support@whatsapp.com.
A plataforma diz ainda que "conteúdos ilícitos também devem ser
denunciados para as autoridades policiais competentes" e que coopera
ativamente com as autoridades "fornecendo dados disponíveis em resposta às
solicitações de autoridades públicas e em conformidade com a legislação
aplicável."
O que está sendo compartilhado?
Embora a idolatria a atiradores aconteça de fato em comunidades de
adolescentes radicalizados, pesquisadores notaram neste mês, após os ataques
recentes, um aumento expressivo de novas contas e publicações que demonstram um
comportamento diferente do que vinha sendo observado em anos de monitoramento
daquelas comunidades.
Isso leva à conclusão de que não são esses adolescentes que estão por
trás do novo conteúdo.
“A gente viu um aumento de posts com um perfil totalmente diferente do
postado pelos adolescentes (radicalizados), posts que fogem muito da dinâmica
que encontramos nesses grupos”, afirma Letícia Oliveira, editora do site El
Coyote, que monitora grupos de adolescentes admiradores de autores de ataques a
escolas há 11 anos.
Oliveira é coautora do relatório sobre violência nas escolas entregue ao
governo de transição no ano passado.
Para Oliveira, os adolescentes que participam de comunidades de
admiradores de agressores não estão por trás de grande parte das supostas
ameaças circulando em boatos nesta semana.
A pesquisadora aponta que muitas das supostas ameaças que estão sendo
divulgadas em postagens alarmistas reutilizam as mesmas fotos, diversas delas
retiradas de sites como Pinterest ou do buscador Google Imagens. Uma imagem
muito compartilhada mostra um facão e outras armas brancas, outra exibe uma
foto de um revólver.
“Quando os adolescentes (radicalizados) postam imagens que não são dos
atiradores e agressores, normalmente são fanarts (desenhos
feitos por fãs) feitas por eles mesmos ou fotos de si mesmos, não fotos do
Pinterest", afirma Oliveira.
O conteúdo que surgiu com esse aumento repentino de atividade online
sobre ataques nas escolas também emprega uma linguagem muito diferente da usada
pelos adolescentes, com gírias e formas de falar que lembram muito mais as
usadas por facções criminosas.
“Normalmente, a linguagem usada nesses grupos (de adolescentes) é muito
mais próxima da de um fandom (grupo de fãs) adolescente de
artistas”, afirma Oliveira.
“Os perfis de adolescentes que monitoramos pararam de usar certas hashtags a partir do momento em que elas se tornaram conhecidas de um público mais amplo.”
Pesquisadores apontam que o prestígio dos agressores em seus grupos
sociais aumenta quanto maior a divulgação obtida e o número de vítimas, mas
isso não significa que eles atuem de forma conjunta ou participem de uma
“competição” - como dão a entender os boatos que estão sendo compartilhados
agora.
“Esses adolescentes não atuam assim de forma coordenada. Se articulam
nessas comunidades, mas agem individualmente ou duplas”, afirma Oliveira.
O que dizem as autoridades?
Em uma entrevista coletiva na segunda-feira (10/4), o ministro da
Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), falou que sua pasta está
trabalhando para evitar qualquer ocorrência nas datas de supostos ataques
citadas nos boatos.
“Até la muitas pessoas vão ser presas, muitas pessoas vão ser
responsabilizadas”, afirmou o ministro.
“Muitos perfis serão derrubados, e tenho certeza de que Estados e
municípios também estarão mobilizados. E as famílias dos estudantes
também."
Na segunda-feira, o ministro se encontrou com representantes de redes
sociais para discutir o combate a comunidades online que incentivam ataques às
escolas.
A resposta de um representante do Twitter foi de que o compartilhamento
de fotos dos agressores não viola sua política de uso. A BBC News Brasil
questionou a plataforma e, pela segunda vez, recebeu uma resposta automática
com um emoji de fezes - como o Twitter tem
feito em todas as solicitações da imprensa.
O ministério divulgou depois que está preparando medidas para obrigar as
plataformas a combater esse conteúdos que façam apologia à violência, mas não
informou se o combate ao pânico gerado por boatos foi discutido na reunião com
as redes sociais. Dino também afirmou que a pasta tem múltiplas iniciativas
contra possíveis ameaças.
Em nota à reportagem, o TikTok afirma que está trabalhando
"agressivamente para identificar e remover conteúdo que possa causar
pânico ou validar farsas, incluindo a restrição de hashtags relacionadas."
"Onde encontramos ameaças iminentes de violência, trabalhamos com
as autoridades policiais, de acordo com nossas políticas de relacionamento com
as autoridades locais", pontua a plataforma.
Ainda em nota, o TikTok diz que o "conteúdo que estimula o
pânico" sobre ameaças potenciais de violências nas escolas "não tem
absolutamente nenhum lugar em nossa plataforma".
A Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, um Estado onde
houve um grave ataque no último ano, afirmou que acredita que as notícias que
se propagaram nas redes sobre possíveis ataques em escolas locais são falsas e
têm o objetivo de causar pânico.
No entanto, a pasta informou que monitora os casos e usa os setores de
inteligência para tentar identificar a origem dos boatos.
“Não há objetivamente nenhuma ameaça ou alerta concreto no momento”,
disse um porta-voz da secretaria à BBC News Brasil. “No momento em que houver,
quem irá comunicar somos nós.”
O órgão enfatizou também a importância da atuação das redes sociais
neste momento.
“Não há nenhuma razão para pânico. O que há é uma necessidade de
fortalecimento das ações do governo federal e dos estaduais. Neste momento, é
decisivo o comportamento das plataformas de tecnologia”, afirmou a pasta.
A Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, onde ocorreu o
ataque a uma creche em Blumenau, disse estar preparando um material especial
sobre os cuidados e a atenção que os pais devem ter. O documento será divulgado
em breve.
Os boatos que circulam em grupos falam também sobre supostas ameaças feitas a universidades. Em um dos casos, a mesma foto com uma ameaça de conteúdo neonazista foi compartilhada em diversos grupos como sendo uma imagem do campus de quatro universidades diferentes.
Às vezes, episódios reais de violência podem ser divulgados em grupos
como tendo sido atentados, sem que haja confirmação disso. Na segunda-feira,
por exemplo, uma estudante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) foi
ameaçada por uma mulher com uma faca.
Alunos disseram ao jornal Tribuna Online que o episódio causou pânico
entre alunos e professores. No entanto, segundo a Ufes, o caso foi um episódio
isolado que não teve a ver com a universidade ou sua comunidade.
Um dos boatos dizia que a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
teria cancelado as aulas, o que não é verdade. A Unicamp informou à BBC News
Brasil que apura possíveis ameaças à universidade, mas diz que não houve nenhum
caso concreto. Em razão disso, não suspendeu nenhuma das suas atividades.
(BBC)



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