Morador de São Paulo, foi lá que a criança, que teve seu nome real preservado pela reportagem, conheceu o usuário que usava no chat o codinome 'Pedro Dalsch' , de 27 anos. Era, na verdade, um predador sexual de Porto Alegre que acabaria preso três anos depois.
As conversas entre os dois migraram para outras
plataformas virtuais, onde trocavam mensagens com frequência e o criminoso
fazia solicitações sexuais para o menino por meio da câmera.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Omegle e
pediu um posicionamento sobre o caso. A resposta, a seguir, diz que a
plataforma "leva a segurança dos usuários extremamente a sério" e que
faz moderação de conteúdo.
"Como esperamos que você possa entender, o
Omegle é limitado no que podemos compartilhar. Podemos, no entanto,
compartilhar a declaração abaixo com você, atribuível a um porta-voz da
Omegle."
"O Omegle leva a segurança dos usuários extremamente a sério. Embora os usuários sejam os únicos responsáveis por seu comportamento ao usar o site, nós implementamos voluntariamente serviços de moderação de conteúdo que usam ferramentas de IA e moderadores humanos contratados."
"O conteúdo sinalizado como ilegal,
inapropriado ou em violação das políticas da Omegle pode levar a uma série de
ações, incluindo denúncias às agências de aplicação da lei apropriadas. Também
trabalhamos com a aplicação da lei e organizações que trabalham para impedir a
exploração online de crianças.”
No documentário produzido pela BBC 'Estou processando o site que me deu match com meu
agressor', há diversas tentativas de entrar em contato com Leif K
Brooks, criador do site, por parte da equipe jornalística. Brooks respondeu a
um único e-mail, com palavras semelhantes às que chegaram à equipe do Brasil.
Abuso descoberto pelo pai
No caso de Rafael, o abuso foi descoberto quando o
pai acessou as redes sociais da criança por meio do computador que ambos
usavam.
A denúncia feita pelo pai chegou ao Ministério
Público do Rio Grande do Sul, estado de residência do criminoso, e que fazia
parte de um sistema de combate à pedofilia junto com a Polícia Federal.
"Como o criminoso usava um avatar e um nome
falso, precisamos fazer uma investigação minuciosa. Conseguimos identificar que
ele usava um computador ligado à internet de uma grande universidade do Rio
Grande do Sul que tinha cerca de 2600 computadores", rememora Júlio
Almeida, advogado e, na época, promotor de justiça responsável pelo setor de
investigação do Ministério Público na área de violência sexual contra a criança
em crimes de internet.
O perfil de um estudante de medicina chamou a
atenção dos investigadores: ele tinha produção acadêmica na área de sexologia,
bem como trabalhos voluntários na pediatria.
"Isoladamente, são coisas boas, mas quando se
está procurando alguém que tem desejo sexual por criança, são sinais de
alerta."
Com autorização de apreensão de equipamentos e
quebra do sigilo da privacidade nos meios digitais, Almeida e membros
investigadores do Instituto Geral de Perícia entraram na casa do suspeito e
abriram seu computador.
"Apareceram mais de seis mil imagens de
pedofilia, e com características diferentes do que normalmente se encontra, que
são de crianças do leste europeu, loiras e de olhos claros, que vem pela
deepweb. Nesse caso, havia muitos arquivos de crianças e adolescentes com nomes
brasileiros e com características latino americanas. Foi um sinal de que não
era apenas um consumidor de pornografia infantil, mas que estávamos diante de
um predador sexual."
Enquanto a investigação avançava com o intuito de
comprovar se o estudante de medicina era, como as pistas indicavam, o homem que
usava o nome de Pedro Dalsch, ele foi preso preventivamente.
O advogado e então promotor Júlio Almeida conta que, nesse meio tempo, a equipe envolvida analisou que a legislação brasileira permitia, com base naquilo que tinham apreendido, enquadrá-lo em alguns crimes.
Tratavam-se, no entanto, de delitos para os quais
eram previstas penas pequenas, entre um ano a quatro anos de reclusão. Seriam
os crimes de armazenamento de imagens de crianças e adolescentes em ato sexual
ou de nudez, ou assédio sexual.
"Uma vez que confirmado que ele era quem
trocava mensagens com a criança paulista de 10 anos de idade, sabíamos que
precisávamos buscar uma condenação mais adequada."
A busca pela primeira condenação
A legislação brasileira define como estupro de
vulnerável o ato de conjunção carnal ou libidinoso com menor de 14 anos - a lei
considera que pessoas nessa idade não têm discernimento para consentir relações
sexuais. O artigo 217-A do código penal também considera como o mesmo crime os
atos contra outras pessoas em situação de vulnerabilidade, como pessoas com
deficiência ou idosos. A pena é reclusão de oito a 15 anos.
"Encontrei uma decisão do STJ (Superior
Tribunal de Justiça) que tratava de uma situação na qual um adulto levou uma
menina com menos de 13 anos de idade a um motel. Lá, este homem praticou
masturbação vendo a criança se despir, mas sem tocá-la. O STJ considerou
estupro, entendendo que o contato físico não era mandatório para sentença,
bastava que ambos estivessem no mesmo ambiente e que a ação de um satisfaça o
desejo sexual de outro. Ali encontrei o conceito que eu precisava
atualizar", lembra Almeida.
O advogado passou a trabalhar, a partir dessa
descoberta, para aplicar a mesma tese no ambiente virtual.
"A atualização era necessária, já que hoje,
pela internet, nós conseguimos fazer comércio, trocar afeto, transmitir
documentos, entre outras coisas - e tudo isso tem validade. A conclusão lógica
é que também se pode praticar sexo por internet e, portanto, colocar um menor
em situação de vulnerabilidade. Parece uma coisa óbvia, mas ainda não existia
nenhuma condenação parecida", explica.
O promotor e sua equipe seguiram com a denúncia.
"Tivemos alguma resistência por parte de
colegas do Ministério Público, que não acreditavam totalmente na tese, mas
decidimos processar o homem pelo crime de estupro virtual, como se ele
estivesse no mesmo ambiente daquela pessoa, porque realmente estava no mesmo
ambiente daquela criança, só que no ambiente virtual. Foi uma denúncia longa,
na qual foram expostos os atos e conversas absurdas entre ele e o menino."
12 anos e 9 meses de reclusão
Após a sentença inicial, a defesa entrou com um
recurso, mas o tribunal manteve a condenação com pequena redução na pena, que
foi estipulada, por fim, em 12 anos e nove meses de reclusão.
"Foi inédito e acabou gerando a possibilidade
de outros casos acabarem com a mesma condenação, que consideramos justa, já que
o crime sexual contra criança e adolescente, ainda que não tenha o contato
físico que não deixe sequelas físicas, é um crime que deixa sequelas mentais
muito importante na vida de uma criança", reflete Almeida.
"Uma criança ou adolescente pode ser destruído
na sua integralidade, integridade física e psíquica com um crime desses.
Considero termos conseguido grande avanço ao ter essa sentença pela justiça
brasileira."
*Nome fictício, para proteger sua identidade
(Fonte: BBC)


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