“A política de drogas é instrumento de extermínio da juventude negra. Porque são jovens e são negras. São mulheres que nem sequer tiveram a oportunidade de acessar a universidade”, enfatiza.
Para a pesquisadora, a forma como está
estabelecido o combate aos mercados ilícitos de drogas é uma maneira de
perseguir populações sem oportunidades. “Se as mulheres negras que estão
encarceradas compõem o mesmo perfil de mulheres negras fora do sistema
prisional que estão desempregadas, que são mães com mais de um, dois ou três
filhos, que exercem função muitas vezes de subemprego – de empregada doméstica,
de babá, de faxineira ou de vendedoras ambulantes – elas já estão em um lugar de
vulnerabilidade”, aponta.
Perseguição
a negras e periféricas
Essas mulheres são atingidas ainda, segundo
Dina, pela forma como as ações que têm como pretexto o enfrentamento ao tráfico
de drogas são direcionadas a determinadas comunidades.
“As mulheres que são acusadas de tráfico com penas muito severas sobre os seus corpos, não exerciam nenhuma função de gerência no microtráfico de drogas. Muitas estavam no varejo ou exerciam um lugar de aproximação ao que se chama de tráfico. Porque elas já moram em comunidades criminalizadas como lugar de produção do tráfico”, acrescenta.
Como marco nesse processo, a pesquisadora destaca a promulgação da lei de drogas de 2006, que estabeleceu penas mais duras às pessoas acusadas de tráfico. Essa mudança, na visão de Dina, faz parte de um recrudescimento da repressão a nível global que aconteceu a partir da década de 1990.
“Desde que a lei foi promulgada, a gente vê um alarmante crescimento de mulheres encarceradas sob a justificativa que são perigosas traficantes de drogas”, diz. “De 2000 a 2016, se a gente for fazer esse recorte, foi um crescimento de 525% - encarceramento de mulheres.”, acrescenta.
O fato dessas prisões atingirem, na grande maioria, pessoas negras, é, na avaliação da pesquisadora, um reflexo do racismo que descende do regime escravocrata brasileiro, que vigorou legalmente até 1888. “Se existe uma perseguição histórica contra negros e indígenas no Brasil, a gente tem que enxergar e compreender o sistema de justiça criminal como um dos braços mais expressivos do Estado de extermínio dessa população.”
Sem
condenação e sem estudo
Dados do Sistema de Informações do
Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Sisdepen) apontam
que, em junho de 2022, estavam nas prisões brasileiras 45,5 mil mulheres.
Dessas, pelo menos 29%, cerca de 13,2 mil, não tinham condenação.
As informações relativas ao perfil racial e a
escolaridade só abrangem 33,3 mil das encarceradas. Nessa amostragem, o número
de analfabetas, que totalizam 675, supera daquelas que tem curso superior
(661). Há ainda 1,5 mil que são alfabetizadas, mas não frequentaram o ensino
regular e 13,8 mil que não concluíram o ensino fundamental.
Dina alerta que é preciso ter cuidado ao
fazer análises a partir das informações fornecidos pelo Poder Público, que tem
sido, segundo ela, um dos principais violadores de direitos dessas populações.
“A gente não pode confiar nos dados que o Estado produz sobre as suas próprias
violações”, afirma.
Por isso, em seus trabalhos, ela tem optado
por ouvir diretamente as pessoas afetadas. “Existem outros dados que devem
também ser considerados que são as narrativas que se produzem dentro do sistema
prisional, a narrativa das mulheres”, ressalta. Essas escutas embasaram o
espetáculo de Dança Rés, montado pela Corpórea Companhia de Corpos em 2017.
Indulto
e desencarceramento
A socióloga e cofundadora da Iniciativa Negra
por uma Nova Política de Drogas, Nathália Oliveira, defende que seja feita uma
inflexão na forma como o Estado brasileiro lida com a questão das drogas.
“A gente pode ter neste ano um bom indulto de
mulheres. Muitas dessas mulheres são presas por baixas quantidades, são vítimas
do tráfico de drogas, não necessariamente apenas agentes de violência, como é
colocado pela mídia”, diz ao defender que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva promova uma anistia a mulheres presas por acusações de tráfico a partir
do indulto presidencial. É costume que na época de Natal o presidente conceda
perdão a grupos de pessoas condenadas.
Esse gesto poderia, na opinião de Nathália,
ser um indicativo de mudança na atual política de drogas. “Nós precisamos
desenvolver uma relação pacífica com a indústria que envolve a produção,
circulação e consumo de substâncias em geral. Uma relação racional do ponto de
vista da nossa sociedade. Isso é fundamental. Não faz sentido a gente ficar
investindo o nosso orçamento público em uma agenda de morte em vez de investir
em uma agenda de garantia de direitos”, ressalta.
A secretaria Nacional de Políticas sobre
Drogas, Martha Machado, diz que o Ministério da Justiça não deve atuar pela
mudança na atual legislação sobre o tema. “Essas decisões devem ser resolvidas
ou pelo STF [Supremo Tribunal Federal] ou pelo legislativo”, diz. O ministério
promoveu em março um seminário sobre os impactos da política de drogas na
população feminina e lançou um edital, com inscrições até 21 de abril, para
apoiar grupos que trabalham com essas pessoas.
Segundo Marta, a secretaria tem feito ações
para reduzir o número de mulheres presas acusadas de tráfico. “A gente já tem
uma lei que não penaliza o usuário. A gente entende que tem muito o que fazer
para evitar os vieses de aplicação dessa lei. Trabalhar junto às audiências de
custódia. Existe uma experiência exitosa no CNJ [Conselho Nacional de Justiça]
de fomentar as audiências de custódia, de melhorar a qualidade, de trabalhar na
porta de entrada do sistema de justiça criminal, auxiliando o juiz”, diz.
As audiências de custódia são o momento em
que as pessoas presas em flagrante são ouvidas por um juiz para averiguar a
legalidade ou necessidade daquela pessoa ser mantida privada de liberdade.
Nessa ocasião, o magistrado pode optar por liberar o acusado ou determinar
medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, em substituição à
prisão.
“Então, a gente tem como modelo de ter uma
rede psicossocial de profissionais – psicólogos, assistentes sociais, pessoas
ligadas ao sistema de saúde que, por exemplo, atendem essa pessoa antes do
encaminhamento ao juiz e conseguem fazer um laudo que ajude o juiz. O laudo
pode mostrar mais claramente se a pessoa é usuária ou traficante. Nessa
separação a gente acha que isso é muito importante”, acrescenta a secretaria.
Dina Alves defende a adoção de uma agenda
ampla de desencarceramento e de reconhecimento dos erros cometidos pela
política instituída até aqui. “Um dos primeiros passos é reconhecer essa
memória escravocrata, que é póstuma na memória e na existência das
instituições. Reconhecer a formação política, com perspectiva racial para a
sociedade. Mas, principalmente, eu acho que o cárcere precisa ser aberto na
sociedade. A gente precisa falar sobre a desmilitarização da polícia como
agenda urgente. E também políticas de desencareramento. Que as políticas de
desencarceramento sejam efetivas.” (JB/Ag. Brasil)

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