Desde a sua demissão, em fevereiro do ano passado, ela conta que conseguir vagas de trabalho com carteira assinada está cada vez mais raro.
Além do alto
salário que ganhava em sua última empresa, a publicitária atribui a dificuldade
de uma recolocação ao etarismo (preconceito contra a idade) por parte das
organizações.
"Sinto que há
esse preconceito e o etarismo tanto no mercado de trabalho quanto nas redes
sociais. As pessoas acreditam que quem tem 50+ parou no tempo, mas isso não é
verdade", diz.
Ela ressalta que
nunca parou de se atualizar e aprender. "É um certo ceticismo quanto a
nossa capacidade de acompanhar ou desenvolver", opina.
A profissional já
chegou a ouvir que era muito qualificada para vaga, que seu currículo
impressionava, mas que não podiam pagar o que ela valia.
De fato, a
dificuldade para o público a partir de certa faixa etária encontrar
um trabalho é uma realidade no Brasil.
Uma pesquisa
realizada no meio do ano passado, pelas companhias Robert Half e Labora, que
atuam na área de recrutamento e inovação, mostra que cerca de 70% das empresas
contrataram muito pouco ou nenhum profissional com mais de 50 anos. Na prática,
isso representa 5% das novas contratações.
Feito com mais 258
empresas, o estudo aponta ainda que cerca de 80% dessas organizações ainda não
"estabeleceram métricas para avaliar o sucesso de suas iniciativas de
inclusão da diversidade geracional".
O desemprego nessa idade chama ainda mais
atenção, segundo os últimos números divulgados pela empresa IDados, consultoria
especializada em análise de dados e soluções para aumentar o impacto e
produtividade de empresas, organizações públicas e do terceiro setor.
De acordo com a
entidade, em 2012, o número de desempregados acima de 50 anos era de 508,9 mil
pessoas. Atualmente, eles já são aproximadamente 1,4 milhão de pessoas em busca
de oportunidade de trabalho.
Eles querem e precisam trabalhar
Com a inversão da
pirâmide etária no Brasil e prolongamento da expectativa de vida da população,
é cada vez mais comum ver pessoas mais velhas trabalhando.
E se antes havia a
ideia de que o país era formado por maioria jovem, esse cenário mudou, reforça
Maria José Tonelli, professora no departamento de Administração Geral e
Recursos Humanos na FGV-EAESP.
"As empresas
não se dão conta que a população brasileira está envelhecendo, embora os dados
sejam evidentes", diz a especialista.
Essa transição
também foi percebida em relação à aposentadoria, tanto no Brasil quanto no
exterior. "Nós tínhamos socialmente um modelo de que as pessoas chegavam
nos 50 e 60 e tinham que se aposentar, mas isso não é mais factível",
destaca Tonelli.
Sibele concorda e
ressalta que, mesmo tendo quase 60 anos, ainda precisa trabalhar e não pensa em
se aposentar por enquanto. Com dificuldade em arranjar alguma vaga CLT — o
regime celetista —, ela segue trabalhando como freelancer.
No entanto, até
para vagas temporárias, a designer afirma que encontra uma certa resistência de
quem contrata, mesmo que seja de forma velada.
"A gente passa
uma vida se desenvolvendo para encontrar pessoas que nos julgam incapazes ou
inferiores, por conta da idade. É triste e desafiador ao mesmo tempo",
diz.
A aposentada Maria
Aparecida de Oliveira tem 63 anos e afirma que está mais difícil encontrar
trabalho na área financeira, posição que atuou por anos, até se aposentar pela
iniciativa privada.
"Quero
aumentar a minha renda e estou procurando trabalho há mais ou menos seis
meses", diz.
Mesmo não sofrendo
um preconceito direto pela idade, ela diz que, atualmente, só se depara com
vagas de trabalho para atuar como atendente de telemarketing ou demonstradora
de produtos de supermercado.
Segundo a
professora da FGV, para que pessoas mais velhas voltem para o mercado de
trabalho e ainda atuem na área de formação, é necessário desmistificar os
estereótipos que essa população sofre. "É preciso vencer esse marcador
social que é a idade", afirma.
Preconceito inconsciente
Embora seja contra
a lei colocar um limitador de idade em anúncios de contratações de trabalho, as
empresas podem fazer isso de forma indireta.
Assim como a
sociedade, muitas companhias podem reproduzir etarismo de forma inconsciente
nos processos seletivos, segundo os especialistas.
Para mudar esse
cenário, é necessário criar políticas eficientes, desde as primeiras etapas da
entrevista.
"Quando
olhamos para as empresas, temos que ter um olhar da prática empresarial. A
empresa tem políticas concretas sobre esse assunto ou é algo que só fica no dia
a dia", indaga Miriam Rodrigues , professora do Centro de Ciências Sociais
e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
Eliminar um
candidato simplesmente pela idade deve ser algo impensável e uma prática
condenável nas organizações, segundo Rodrigues.
"Qualquer
aspecto que seja discriminatório, a gente já coloca um carimbo. Competência não
tem carimbo de validade", diz a professora do Mackenzie.
Outro aspecto que
precisa ser levado em consideração na hora das contratações, é, de fato, a
qualificação daquele profissional e não a idade.
Quando questionado
se sabe mexer com tecnologia, por exemplo, qual o tipo de ferramenta o
contratante quer que o candidato saiba para determinada função de trabalho.
"As
tecnologias mudam com uma velocidade absurda. Pressupor que ele não está
atualizado apenas pela idade dele é um preconceito imenso", diz.
Em alguns casos, a
maneira mais fácil de avaliar uma pessoa para determinado cargo é por meio de
testes práticos, que realmente permitam ao profissional demonstrar seu
conhecimento.
Mulheres 50+ sofrem mais para conseguir emprego
A questão de gênero também é um forte
indicativo quando falamos de desemprego entre pessoas acima dos 50 anos. No
caso das mulheres, a dificuldade para uma recolocação
se inicia até antes dessa idade.
"As mulheres
começam a perceber o envelhecimento delas na força de trabalho aos 40 anos de
idade", afirma Tonelli.
Há, ainda, uma
cobrança excessiva em relação à aparência da mulher que, muitas vezes, não
ocorre da mesma forma com os homens. Esse estigma social, segundo Tonelli, se
reflete constantemente no mercado de trabalho.
"Se a mulher
deixa o cabelo branco é vista como desleixada. Mas os homens que ficam com
cabelo branco não são vistos com preconceito. Neles, isso significa
experiência."
Ainda de acordo com
o estudo da Robert Half e Labora, os profissionais desta faixa etária, que
ainda atuam no mercado, são em sua maioria brancos e homens.
O levantamento
também apontou que das 258 empresas que participaram da pesquisa, 36,47%
afirmou que tem menos de 5% de mulheres 50+ no quadro de funcionários. Já 9%
das empresas que responderam não tinham nenhuma mulher 50+.
De acordo com
especialistas, esses efeitos são ainda mais intensos no caso de mulheres
pretas, que também precisam lidar com questões misóginas e racistas.
"A hora que a
gente pega todas as interseccionalidades, uma mulher preta 50+, tem mais
desafios ainda para combater todos os ismos", destaca Andrea Tenuta, head
de novos negócios da Maturi, empresa que atua na capacitação de pessoas com
mais de 50 anos.
Ela ainda
acrescenta que incentivar a educação e o letramento sobre o assunto não tem a
ver só com o combate ao etarismo, mas, também, com as interseccionalidades.
A problemática se
estende também à população LGBTQIAP+, que sofre com preconceitos diários e tem
uma baixa expectativa de vida no Brasil.
"Os grupos de
diversidade, os grupos sub-representados no mercado de trabalho, sofrem mais
quando tem aí essa sobreposição dessas identidades", diz Tenuta.
Sete meses para conseguir uma vaga
Em dezembro do ano
passado, a executiva de relacionamento com o cliente, Selma Dias, de 56 anos,
conseguiu se recolocar em sua área.
Mas o processo foi
bem difícil, segundo ela. Foram muitas entrevistas, currículos enviados, rede
de networking acionada, mas demorou sete meses até conseguir voltar ao mercado
de trabalho.
"Nunca me
disseram diretamente sobre a idade, porém,os feedbacks indiretos eram
muitos", diz.
Para Selma, o principal
entrave durante o tempo em que ficou desempregada foi, justamente, conseguir
uma entrevista.
Uma vez, durante
uma entrevista de emprego, chegou a ser questionada por dois jovens se sabia o
que era tecnologia. "Naquele momento, encerrei a entrevista.Só mostra o
despreparo até para entrevistas de empregos de pessoas 50+", diz,
indignada.
Mesmo tendo 25 anos
de experiência em liderança no atendimento ao cliente e trabalhando em locais
conceituados, encontrar empresas que eram abertas à diversidade, foi muito
custoso.
Sempre que chegava
ao final de um processo seletivo, com o gestor da vaga, Selma não era aprovada,
e não recebia um retorno claro.
Na visão dela, a
recusa ocorria pelo fato de que alguns líderes se sentiam ameaçados por ter uma
pessoa mais experiente, e não levavam em consideração a ideia de ter um
profissional que agregasse valor.
"Minha
percepção, durante essa fase de transição, é que o preconceito ocorre mais
pelos líderes requisitantes das vagas, do que pela área de RH", diz.
Hoje, trabalhando
há quase três meses em uma nova companhia, ela conta que tem esperança de que o
olhar para o profissional 50+ mude.
"Atualmente,
estou trabalhando em uma empresa de serviços que se diferencia por realmente
ser aberta à diversidade e por perceber que esse é um benefício inigualável
para todos", ressalta.
Como resolver o problema?
Para aumentar a
inserção desses profissionais no mercado de trabalho, é preciso pensar em
ferramentas individuais, práticas organizacionais e na atuação do governo nesse
processo.
"Estamos
falando de sociedade. A população japonesa é envelhecida e o governo investiu
na capacitação tecnológica dos mais velhos", destaca Tonelli.
Em relação às
empresas, o ideal é avançar de modo geral na capacitação do profissional, dando
um olhar diferenciado para aquele indivíduo mais velho.
Além disso, mudar a
forma de como aquele candidato pode ser aproveitado para determinada função, é
extremamente importante.
"Vamos
precisar conviver com novas formas de trabalho e posições que privilegiam os
diferenciais que a idade traz", diz Sérgio Serapião, co-fundador e CEO da
Labora.
Ele explica que em
setores de varejo, é muito difícil aproveitar uma pessoa 50+ em posições que a
deixem muito tempo em pé. O ideal é que seja uma posição positiva para que
possa extrair o melhor daquele candidato.
Para Serapião, é
necessário ainda que as empresas mudem suas dinâmicas para conseguirem se
tornar mais plurais. Pensar em mudanças significativas faz toda a diferença,
segundo ele.
"O mais
importante é o formato de trabalho. É fundamental pensar em jornadas curtas,
que tenham um equilíbrio entre o trabalho e a saúde", afirma.
Por último, é
preciso ter ações individuais. O profissional precisa estudar, buscar avanços e
seguir na busca por emprego.
O ideal é fazer
isso da maneira tradicional, e também procurar ajuda de empresas especializadas
nesse tipo de recolocação de pessoas mais velhas.
(Fonte: BBC)
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