Hochul
declarou que os aplicativos são responsáveis por transformar "crianças
despreocupadas em adolescentes deprimidos". Mas
ela acredita que a legislação sancionada por ela ajudará a combater esta
situação.
"Hoje,
nós salvamos nossos filhos", afirmou a governadora.
"Jovens
de todo o país estão enfrentando uma crise de saúde mental alimentada
pelos feeds viciantes das redes sociais."
A partir de
2025, as novas leis podem forçar aplicativos, como o TikTok e o Instagram, a
transportar as crianças de volta aos primórdios das redes sociais, quando o
conteúdo ainda não era definido pelas "curtidas" dos usuários e as
gigantes da tecnologia não coletavam dados sobre nossos interesses, humor,
hábitos e muito mais.
A Lei da Suspensão da Exploração de Feeds Viciantes
para Crianças (Safe, na sigla em inglês,
ou "Seguro") exige que as plataformas de redes sociais e lojas de
aplicativos busquem o consentimento dos pais para que menores de 18 anos usem
aplicativos com "feeds viciantes". Esta é uma tentativa inovadora de
regulamentar as recomendações dos algoritmos das redes sociais.
A Lei Safe
irá proibir que os aplicativos enviem notificações para crianças e adolescentes
entre 0h e 6h — criando, na prática, uma hora de dormir legal para os
aparelhos.
Ela também exige melhores
sistemas de verificação da idade, para evitar que a inscrição de crianças passe
despercebida.
A segunda
lei, chamada de Lei de Proteção de Dados das
Crianças de Nova York, limita a
coleta de informações dos usuários pelos provedores de aplicativos.
"Ao
controlar os feeds viciantes e proteger os dados pessoais das crianças, iremos
fornecer um ambiente digital mais seguro, com mais tranquilidade para os pais,
e criar um futuro mais brilhante para os jovens de toda Nova York", disse
a governadora.
As duas
leis fazem parte de uma preocupação cada vez maior com os efeitos das redes sociais sobre a saúde mental dos jovens. O
cirurgião-geral dos Estados Unidos (autoridade máxima em saúde pública do
país), Vivek Murthy, chegou recentemente a defender alertas para os aplicativos de redes sociais, similares aos avisos incluídos nas
embalagens de cigarros.
Nos Estados
Unidos e em várias outras partes do mundo, jovens enfrentam uma crise de saúde mental e
os próprios funcionários de grandes empresas de tecnologia reconheceram
os danos causados a algumas crianças.
Mas as
conclusões científicas relacionando as redes sociais a problemas de saúde mental são muito menos evidentes do que se
imagina.
Na verdade,
inúmeros estudos chegaram a demonstrar que as redes sociais podem trazer
benefícios para a saúde mental dos adolescentes.
Esta
situação levou alguns analistas da tecnologia e psicólogos infantis a chamar
recentes intervenções políticas de "pânico moral".
Os
defensores das políticas e especialistas em redes sociais também questionam
como simples intervenções legislativas, como a Lei Safe, serão colocadas em
prática.
Eles
afirmam que a legislação pode retardar os esforços tão necessários de combater
os riscos reais das redes sociais, como a divulgação de material sobre abusos sexuais infantis, violações de privacidade, discurso do ódio,
desinformação, conteúdo ilegal e perigoso — e muito mais.
Mensagens
contraditórias
Muitos
estudos que encontram relações com problemas de saúde mental se concentram no
"uso problemático" — indivíduos que usam as redes sociais
de forma descontrolada.
Esta
questão já foi associada, por exemplo, ao aumento da incidência de diversas
formas de ansiedade, além de depressão e estresse.
Alguns
estudos indicam que existe um aspecto relacionado à dosagem, com os sintomas
negativos de saúde mental aumentando proporcionalmente ao tempo passado nas
redes sociais.
Mas outros
estudos sugerem que essas associações são fracas ou que não foram encontradas evidências que relacionem a expansão das redes
sociais a problemas psicológicos generalizados.
Existem
estudos que chegam a sugerir que o uso moderado das redes sociais pode ser
benéfico em algumas circunstâncias, por ajudar a criar uma sensação de comunidade.
De fato, as
próprias orientações do cirurgião-geral
dos Estados Unidos sobre
os impactos da tecnologia sobre os jovens indicam que os seus efeitos podem ser
tanto positivos quanto negativos.
O relatório
afirma que 58% dos jovens declararam que as redes sociais fizeram com que eles
se sentissem mais aceitos, enquanto 80% elogiaram a capacidade das redes de
conectar as pessoas com a vida dos seus amigos.
E existem
até discussões para determinar se o uso problemático das redes sociais é
realmente um problema em crescimento.
Uma recente
meta-análise de 139 estudos, realizados em 32 países, concluiu que não existem
sinais de aumento do uso problemático das redes sociais nos últimos sete anos —
exceto nos países de baixa renda, onde costuma haver maior incidência de condições de saúde mental.
Um problema
que costuma ser indicado é que muitos dos estudos nesta área se baseiam em
padrões de uso e humor relatados pelos próprios usuários, o que pode gerar viés
nos dados. E eles também empregam uma variedade de métodos tão ampla que
dificulta sua comparação.
Mas esta
incerteza da ciência não impediu os alertas de preocupação entre os
legisladores e os ativistas da proteção infantil. Eles defendem que é
prudente adotar um princípio preventivo e que é preciso aumentar as ações para
forçar as grandes plataformas tecnológicas a tomar medidas. E as duas leis
sancionadas por Hochul foram o passo mais recente deste processo.
"Existe
uma real sensação de urgência sobre tudo isso, que precisamos mostrar que
estamos fazendo algo neste momento para solucionar o problema", disse o
professor de Psicologia e Comunicação Científica Pete Etchells, da Universidade
Bath Spa, no Reino Unido. Ele é o autor do livro Unlocked: The Real Science of Screen Time ("Desbloqueado: a ciência real do
tempo na tela", em tradução livre).
"Mas,
só porque parece ser um problema urgente a ser resolvido, isso não significa
que a primeira solução que surgir irá realmente funcionar", diz.
Reações
contraditórias
Alguns
especialistas em segurança online são favoráveis às novas leis de Nova York.
"Embora
a legislação de Nova York seja muito mais ampla e menos concentrada nos danos
concretos do que a Lei de Segurança Online do Reino
Unido, fica
claro que a regulamentação é a única forma que irá fazer com que as grandes
empresas de tecnologia limpem seus algoritmos e impeçam as crianças de receber
recomendações de imensas quantidades de conteúdo prejudicial sobre suicídio e
automutilação", afirma Andy Burrows, consultor da Fundação Molly Rose.
A fundação
foi criada pelos pais da adolescente britânica Molly Russell, que se suicidou
em 2017, depois de observar uma série de imagens de automutilação nas redes
sociais. Um parecer histórico de um médico legista londrino em 2022
afirmou que as imagens contribuíram para a morte da criança.
Para
Burrows, as rápidas ações de Hochul devem ser observadas favoravelmente em
comparação com o Congresso americano que, segundo ele, "é muito lento para
aprovar medidas federais abrangentes".
"As
normas são muito fracas e esta legislação se destaca apenas por ser melhor do
que as inúmeras leis ruins existentes", afirma a professora de mídias
digitais Jess Maddox, da Universidade do Alabama, nos Estados Unidos. "Em
termos de Estados americanos que tentam regulamentar as redes sociais, esta é
uma das melhores tentativas que já vi."
Ela elogia
a legislação de Nova York por não impedir completamente que menores de idade
façam uso das redes sociais — algo que um projeto similar está tentando fazer na
Flórida. Há quem receie que esta medida possa levar ao analfabetismo digital,
deixando as crianças menos preparadas para o futuro
."Esta
legislação coloca o ônus sobre as plataformas de redes sociais, para que elas
façam alguma coisa", explica Maddox.
A reação
das próprias plataformas de redes sociais foi contraditória
.A
Netchoice — um órgão do setor que representa diversas empresas importantes de
tecnologia, como a Google, X, Meta e Snap — descreveu a legislação de Nova York
como repressiva e "inconstitucional".
E alertou
que as leis podem até trazer consequências inesperadas, como aumentar
potencialmente o risco de exposição das crianças a conteúdo prejudicial, por
eliminar a capacidade de fazer curadoria dos feeds e apresentar possíveis
questões de privacidade.
Mas um
porta-voz da Meta, responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, declarou
que "embora não concordemos com todos os aspectos da legislação,
manifestamos nosso apoio a Nova York por se tornar o primeiro Estado a aprovar
leis que reconhecem a responsabilidade das lojas de aplicativos".
A empresa
indica pesquisas que sugerem que a maior parte dos pais
apoia a legislação que exige que as lojas de aplicativos busquem a aprovação
dos pais e acrescenta: "Continuaremos a trabalhar junto aos legisladores
de Nova York e de outros lugares para fazer avançar esta questão."
O X,
TikTok, a Apple e a Google, empresa proprietária do YouTube, não responderam ao
pedido de comentários da BBC sobre esta questão.
As leis que
exigem o consentimento dos pais para uso de redes sociais pelos seus filhos
menores de idade também enfrentam barreiras na justiça.
Em
fevereiro, um juiz federal americano manteve o bloqueio sobre
uma lei do Estado de Ohio que exigia a permissão dos pais para que crianças com
menos de 16 anos usassem as redes sociais.
Quando a
Lei Safe for inevitavelmente analisada, o debate sobre a ciência poderá
enfraquecer ainda mais a sua viabilidade, segundo a professora de Comunicação
Digital Ysabel Gerrard, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido. Ela
estuda o movimento pela segurança online.
"Ela é
baseada na premissa de que a 'dependência' das redes sociais é um fenômeno
comprovado, mas não é", explica ela.
"Por
mais que haja consenso de que as plataformas, pelo seu próprio projeto e pelo
seu interesse em obter lucros, são criadas para serem agradáveis para os
seus usuários e reter sua atenção, ainda se discute se elas devem ser
classificadas como [objeto de] 'dependência'."
Mas Gerrard
é da opinião de que a segunda lei, de Proteção dos Dados das Crianças de Nova
York, é mais forte.
"Eu me
preocupo há muito tempo com a perda de controle das crianças — bem, de todos
nós — sobre os nossos dados e o desconhecimento que todos nós temos de até onde
isso vai", afirma ela.
Gerrard
acredita que a lei exigirá que as plataformas expliquem onde estão usando os
dados coletados, o que representaria uma mudança radical.
"Concordo
totalmente com os princípios por trás desta lei, mas vou observar com interesse
como ela vai evoluir, já que ela exigiria que as plataformas fizessem algo que
ainda não conseguiram."
O
representante da governadora Hochul, Sam Spokony, recusou-se a comentar ao ser
questionado para responder às críticas.
Dificuldades de execução
Existem
também temores de que uma abordagem errada na regulamentação das plataformas de
redes sociais possa trazer consequências de longo prazo.
Jess Maddox
elogia as leis por serem melhores do que algumas tentativas realizadas por
outros Estados. Mas "é aqui que encerro o elogio, pois elas parecem, em
grande parte, inexequíveis", segundo ela.
A
professora destaca que é difícil interromper "feeds viciantes" em um
único Estado. Ela compara a questão com as leis de verificação de idade online,
que proibiram eficientemente o acesso a websites pornográficos em diferentes
Estados americanos.
Uma
preocupação é a dificuldade de verificar se os feeds das redes sociais passarão
a ser menos viciantes depois que a lei entrar em vigor. Isso, por si só, irá
dificultar sua execução.
"Se
elas não puderem ser postas em prática, poderemos ver as empresas de redes
sociais indicando esta experiência como prova de que elas não podem, ou não
devem, ser regulamentadas", explica Maddox.
Outra
dificuldade são as muitas abordagens diferentes, adotadas por diversos Estados,
para regulamentar o uso das redes sociais pelas crianças.
As redes
sociais transcendem frequentemente as fronteiras estaduais e internacionais.
E muitos legisladores importantes reconhecem a dificuldade de
implementação de diferentes restrições locais.
Esta
diferença de leis locais já deu espaço para que as empresas de redes sociais
questionassem a legislação na Justiça, em Estados americanos como Ohio,
Califórnia e Arkansas.
Maddox
receia que, se forem criadas às pressas, essas leis possam trazer mais
prejuízos do que benefícios na proteção das crianças online, em comparação com
as leis que receberam tempo adequado para análise.
"No
curto prazo, poderemos ter feito alguma coisa", destaca ela. "Mas, no
longo prazo, provavelmente nada irá acontecer."
Ela não é a
única a ter este mesmo receio. Gerrard afirma que sua preocupação "é que
as pessoas no poder estejam perdendo tempo precioso em algo que é
inexequível".
Mas os
críticos da nova legislação têm uma alternativa melhor?
"Claramente,
a longo prazo, será muito melhor para todos os envolvidos — e acho que isso
também inclui as empresas de tecnologia — ter uma única abordagem federal bem
desenvolvida do que uma colcha de retalhos de 50 Estados tomando medidas
separadas", explica Andy Burrows.
Os
especialistas defendem que seria preferível uma abordagem unificada, baseada
nas evidências científicas, e que sirva de padrão global. E a indústria da
tecnologia parece estar de acordo com esta proposta.
O mundo
nascente da regulamentação da inteligência artificial oferece modelos que
também poderão ser adotados para as redes sociais.
Legisladores
estão lutando, por exemplo, para estabelecer auditorias públicas de algoritmos.
O objetivo é forçar as empresas a abrir seus sistemas de IA para especialistas
externos. Mas esta é uma decisão que ainda pode exigir um consenso global.
O Reino
Unido, por exemplo, pede aos produtores de modelos de IA que apresentem seus
produtos para análise pelo seu órgão supervisor de IA, mas diversas empresas
afirmaram que não irão atender ao pedido porque a jurisdição é relativamente
pequena.
Enquanto
isso, Estados americanos individuais estão levando adiante suas tentativas de
proteger as crianças contra o que elas poderão observar e sentir durante o uso
das redes sociais – e também enfrentam a reação das grandes empresas de
tecnologia.
O que
parece estar claro é que a guerra sobre o futuro das redes sociais está apenas
começando.
(Fonte: BBC)
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