Nas
sessões que julgaram um recurso extraordinário sobre a posse de pequenas
quantidades de maconha, o STF determinou que se uma pessoa for flagrada usando
a droga, a maconha será confiscada e o usuário levado à delegacia. O delegado
não deverá determinar a prisão em flagrante ou instaurar inquérito, mas
registrar o fato como infração administrativa e liberar a pessoa, após
notificá-la de que deverá comparecer em juízo para ser ouvida e, eventualmente,
receber sanção de caráter não-penal.
A droga
apreendida deverá ser examinada por peritos em laboratório para, por exemplo, identificar
a substância e mensurar o volume. Segundo Marcos Secco, faltam definições
quanto à obrigação de fazer a pesagem do entorpecente em balança certificada.
Além de regras pontuais, o perito imagina que será necessário preparar os
laboratórios e os técnicos para nova rotina. "No caso de plantas
[confiscadas pela polícia], teríamos que aumentar o serviço de botânica dentro
dos institutos de criminalística", diz o perito.
Advertências
Quem
cometer a infração administrativa por porte de maconha poderá ser advertido
sobre os efeitos da droga ou ter de frequentar curso a respeito. Contudo, o
defensor público Bruno Shimizu, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM), aponta lacuna nesse encaminhamento.
De
acordo com ele, não há na Lei das Drogas (Lei nº 11.343/2006) um procedimento
específico para a apuração de infração administrativa. "O STF entendeu
que, enquanto não houver regulamentação desse procedimento, a imposição dessas
sanções continua a se dar em um processo judicial". Em sua decisão, o
Supremo aponta que as regras definidas pela corte valem enquanto o Congresso
Nacional não criar uma nova lei sobre o assunto.
O STF
também determina que o governo crie programas educativos sobre os riscos do uso
de drogas e forneça tratamento à saúde para dependentes. Essas iniciativas
devem envolver diferentes órgãos de Estado. Na articulação de grande parte
dessas políticas públicas estará a Secretaria Nacional de Políticas sobre
Drogas e Gestão de Ativos (Senad), do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Para a
advogada Lívia Casseres, coordenadora-geral de projetos especiais sobre drogas
e justiça racial da Senad, a decisão do Supremo pode diminuir o estigma sobre
as pessoas que consomem drogas e possibilita alcançar essas pessoas "com
políticas de verdade preventivas, de promoção da saúde e do cuidado".
Segundo ela, além dos órgãos públicos, a elaboração dessas políticas envolverá
a sociedade civil por meio do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas
(Conad).
"Há
vários pontos da decisão [do STF] que ainda [a Senad] não tem total clareza,
por conta de ainda não ter sido publicado o acórdão da decisão. Tem muitas
complexidades que vão precisar ser pensadas, acho que por todos os poderes do
Estado", diz a coordenadora.
Ela
assinala que algumas definições técnicas não estão estabelecidas, e "vão
precisar ser discutidas, amadurecidas, primeiro a partir da compreensão do
conteúdo total do acórdão, de tudo que foi decidido pelo Supremo." O envio
do acórdão deverá ocorrer somente em agosto, após o recesso judiciário. Por
ora, o STF encaminhou à Senad e outros órgãos apenas a ata com o resumo dos
debates e a resolução.
Até
mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é comandado pelo próprio
presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, aguarda o acórdão da Suprema
Corte para tratar de novas políticas judiciárias que deverão ser implementadas
após a decisão, como a realização de mutirões carcerários para revisar a ordem
de prisão de pessoas flagradas com menos de 40 gramas de maconha.
Impacto
relativo
Além de
lacunas quanto a procedimentos técnicos e indefinições para formulação de novas
políticas públicas, há dúvidas e divergências sobre os efeitos da decisão. O
advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, um centro de pesquisa
não-governamental sobre a Justiça, teme que o impacto da decisão do STF seja
muito pequeno e que a resolução "muda algo para que tudo permaneça como
está."
Para
ele, a decisão do Supremo mantém a pressuposição de que o caso é de tráfico, e
não de uso recreativo, no testemunho do policial, ancorado em provas como o
volume de droga apreendida e, eventualmente, a posse de embalagens, balanças ou
registros de venda.
"O
tráfico não pode ser presumido. A finalidade mercantil tem que ser provada e
tem que ser uma prova corroborada externamente para além do testemunho policial
e das provas ancoradas", aponta o advogado. "O que realmente poderia
mudar é qualificar a investigação criminal, chegar de fato a quem é traficante,
a quem ganha dinheiro com isso, afinal, se for um negócio bilionário, não é
possível que só prenda os miseráveis negros".
O
advogado Gabriel de Carvalho Sampaio, diretor de litigância e incidência da ONG
Conectas Direitos, admite que "é preciso avançar muito mais", mas
diverge de Maronna e aponta que a decisão do STF tem efeito importante que
parece simbólico, mas que tem muitos desdobramentos na realidade, que é o fato
da Suprema Corte reconhecer as injustiças feitas pelo Judiciário e pela polícia
na aplicação da lei de drogas.
"A
resolução do Supremo passa a constituir uma ferramenta importante no cotidiano,
ou seja, não bastará mais a apreensão com a quantidade, uma mera declaração
subjetiva da polícia para que o enquadramento seja de tráfico. As pessoas
usuárias têm, a partir de agora, uma declaração do Supremo Tribunal Federal de
que elas não praticam o crime ao consumir a droga, no caso, a maconha",
avalia. (JB/Ag. Brasil)
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