Os primeiros sinais apareceram, em 2020, quando a nutricionista trabalhava como autônoma.
“Na
época, acreditava que o que estava sentido era crise de ansiedade e fui levando o consultório
até conseguir um trabalho em uma empresa em meados de 2022”, conta Juliana.
Quando
assumiu um cargo de gerente, com uma jornada de trabalho extenuante, os
sintomas, que até então oscilavam, tornaram-se frequentes.
“Comecei
a sentir um cansaço fora do normal, onde mesmo descansando o fim de semana
todo, não me recuperava”, diz ela.
“Ao
mesmo tempo, eram constantes as dores no peito, tontura, crises de choro,
confusão mental e isolamento social. Não havia um gatilho para acontecer,
simplesmente vinha, em qualquer lugar e momento.”
Ao
procurar ajuda médica, Juliana descobriu que o que acreditava ser ansiedade
era, na verdade, burnout.
Essa
síndrome ocupacional é causada por um estresse crônico na vida profissional e
se caracteriza também, além da exaustão, por um sentimento de negatividade em
relação ao trabalho e uma piora do desempenho.
“Fiquei
surpresa, fui afastada pelo médico psiquiatra do trabalho por 60 dias. E quando
voltei, resolvi pedir demissão e mudar de área", conta Juliana, que hoje
trabalha como analista de um escritório de advocacia, um ambiente de trabalho
que ela considera "mais saudável”.
Em
2023, 421 pessoas foram afastadas do trabalho por burnout — é
o maior número dos últimos dez anos no Brasil, segundo dados do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social.
O
aumento ocorreu, principalmente, durante a pandemia do coronavírus. De 178
afastamentos por burnout, em 2019, o Brasil passou para 421, em
2023, um aumento de 136%.
Em
uma década, o número de afastamentos por este motivo cresceu quase 1.000%, como
mostra o gráfico abaixo.
Para
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, três fatores ajudam a explicar este
crescimento de diagnósticos de burnout no país:
- Maior
conhecimento da população sobre transtornos e síndromes relacionados ao
trabalho, principalmente, a partir do reconhecimento da Organização
Mundial da Saúde (OMS) do burnout como uma síndrome
ocupacional;
- Maior nível
de cobrança sobre trabalhadores no ambiente organizacional, o que culmina
em pressão e estresse, desencadeadores de transtornos e síndromes;
- E confusão de
especialistas na hora de identificar se o paciente tem burnout ou
outros transtornos mentais relacionados ao trabalho.
Hoje,
estima-se que 40% das pessoas economicamente ativas sofram de burnout,
aponta Alexandrina Meleiro, médica psiquiatra e porta-voz da Associação
Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT).
"Mas
nem todos os casos são identificados", diz a especialista.
No
Brasil, as únicas estatísticas oficiais disponíveis em relação à síndrome
de burnout são contabilizadas pelo Ministério da Previdência
Social, que apenas afere os afastamentos do trabalho por mais de 15 dias.
Os
afastamentos por burnout por menos tempo não são
contabilizados nas estatísticas oficiais.
Além
disso, segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira
de Psiquiatria (ABP), atualmente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina
(CFM) estabelece que o médico é obrigado a provar que há uma relação entre o
trabalho e o esgotamento profissional.
“Assim,
pelo CFM, o médico psiquiatra somente pode afirmar que o paciente tem burnout se
visitar pessoalmente o local de serviço e fizer nexo causal”, diz Silva.
"Atendimentos
apenas em consultórios não podem fazer tal diagnóstico."
O
que explica o aumento de diagnósticos?
Bruno
Chapadeiro Ribeiro, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Psicologia,
Organizações, Saúde, Trabalho e Educação (Laposte) da Universidade Federal
Fluminense (UFF), diz que o Brasil enfrenta atualmente uma epidemia não apenas
de burnout, mas também de transtornos mentais relacionados ao
trabalho — o INSS contabiliza casos de burnout e de
transtornos mentais e comportamentais saparadamente.
“Nota-se
essa maior incidência não só clinicamente, mas também nas pesquisas científicas
que fazemos e nas perícias trabalhistas", afirma Ribeiro.
"A
judicialização sobre a questão, por exemplo, aumentou 72% na pandemia."
Dados
do Ministério da Previdência Social apontam que, no ano passado, 27
trabalhadores foram afastados por dia devido a transtornos mentais e
comportamentais relacionados ao trabalho.
Um
total de 10.028 auxílios doenças foram concedidos por este motivo.
Para
Ribeiro, o aumento de diagnósticos de burnout e de transtornos
mentais relacionados ao trabalho ajuda a explicar um segundo fenômeno que
ocorre no Brasil: o do crescimento de pedidos de demissão.
“Temos
atravessado um momento histórico em que mais uma vez as relações e formas de
trabalho têm sido questionadas, principalmente, por uma juventude de classe
média insatisfeita com as formas com que o trabalho se organiza”, afirma
Ribeiro.
“Nesse
sentido, assistimos a fenômenos tais com o quiet quitting ou great resignation — termo
utilizado para descrever a onda de demissões voluntárias do pós-pandemia — em
que jovens altamente escolarizados pedem demissão de seus trabalhos por não
verem mais sentido do trabalho e estarem à beira de um colapso por exaustão.”
Meleiro
avalia que isso ocorre devido a uma maior demanda por performance sobre os
trabalhadores, em um curto espaço de tempo.
“A
política econômica globalizada reduz custos com enxugamento de profissionais na
empresa, assim, quem fica acaba trabalhando mais”, explica Meleiro.
“Além
disso, com a expansão da informatização, sem o funcionário ter tempo de se
atualizar, um duplo estresse emocional e físico é gerado no trabalhador. Isso
acaba por gerar um aumento de diagnósticos de transtornos mentais relacionados
ao trabalho.”
Descrito
pela primeira vez em 1974, pelo médico psicanalista alemão-americano Herbert
Freudenberger, o termo burnout é oriundo de “burn out”,
que, em inglês, significa “queimar por completo” ou “esgotamento”.
Ficou
mais conhecido entre os trabalhadores a partir de 2022, quando a síndrome foi
incorporada à lista de classificação internacional de doenças da Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Entrou
na lista como um dos fatores que influenciam o estado de saúde de uma pessoa ou
a leva a buscar os serviços de saúde — mas que não são classificados como
doenças ou condições de saúde.
Agora,
quem é diagnosticado com burnout tem as mesmas garantias
trabalhistas e previdenciárias previstas para doenças do trabalho, como lesão
por esforço repetitivo (LER) e transtornos de ansiedade.
“Assim,
o que anteriormente era entendido com um quadro de ansiedade aguda ou crônica
relacionado ao trabalho, hoje, muitas vezes com o reconhecimento oficial da
OMS, médicos diagnosticam como burnout”, ressalta Meleiro.
"Isso
faz com que tenhamos essa impressão de mais casos."
Segundo
Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no
Brasil (Isma-BR), organização dedicada à pesquisa, prevenção e tratamento do
estresse, há um segundo fator: os diagnósticos equivocados de burnout.
“É muito comum vermos situações em que o burnout é confundido com a depressão no trabalho. Isso faz com que esse aumento de burnout também seja reflexo desse número de diagnósticos equivocados”, afirma Rossi.
Sintomas
e tratamento do 'burnout'
Rossi
explica que, para ser burnout, primeiro, os sintomas precisam estar
relacionados ao trabalho.
“Dessa
forma, um estudante ou gestante que não esteja no mercado de trabalho, por mais
que estejam exaustos ou com sintomas similares aos da síndrome, não podem
ter burnout, mas, sim, outros transtornos mentais, como a
depressão.”
A
especialista explica que, para o burnout ser diagnosticado, o
paciente precisa ter ao menos uma das três dimensões que caracterizam a
síndrome:
- Exaustão
emocional: um cansaço profissional excessivo. Ocorre quando a pessoa
percebe não tem mais a energia que seu trabalho requer.
- Despersonalização: uma
perda de sentimentos em relação a outras pessoas no trabalho, equipe ou
clientes. É uma dimensão típica do burnout que o
diferencia do estresse.
- Reduzida
realização profissional: sensação de insatisfação que a pessoa passa
a ter com ela própria e com a execução de seu trabalho, gerando
sentimentos de incompetência e baixa autoestima.
Elton
Kanomata, médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca que
essas dimensões podem ser identificadas pelo próprio paciente a partir de
sintomas físicos, cognitivos e emocionais.
“Dentre
os sintomas físicos, é comum os pacientes com burnout terem
fadiga persistente, insônia, tensão e dores musculares, cefaleia, sintomas
gastrointestinais e aumento ou perda de apetite”, explica Kanomata.
Com
relação aos problemas cognitivos, o psiquiatra ressalta a dificuldade de
concentração e raciocínio, sensação de estafa mental e lapsos de memória.
“Já
na esfera emocional, é comum o paciente ter esgotamento emocional, baixa
autoestima com relação às competências e capacidades, sentimento de fracasso,
desânimo, desmotivação, impaciência, irritabilidade, diminuição ou perda de
interesses antes prazerosas, sintomas ansiosos e fóbicos em relação ao ambiente
de trabalho ou a pessoas e elementos que remetam ao trabalho”, diz Kanomata.
O
tratamento da síndrome de burnout é feito com o apoio de
profissionais por meio de psicoterapia e medicamentos (antidepressivos e/ou
ansiolíticos).
Segundo
especialistas, os primeiros efeitos são sentidos pelo paciente, entre um e três
meses após o início do tratamento.
“Por
isso, o tratamento deve ser individualizado e estruturado após uma avaliação
detalhada da saúde física e mental de um profissional da saúde”, diz Elton
Kanomata, do Albert Einstein.
Antônio
Geraldo da Silva, da ABP, também ressalta quem tão importante quanto a terapia
e o uso de medicamentos, é a mudança no estilo de vida do paciente.
“Praticar
esportes, desenvolver estratégias para gerenciar o estresse, ter uma boa
qualidade de sono, realizar atividades de lazer e ter tempo de qualidade com
familiares e amigos é muito importante neste processo”, pontua Silva.
O
especialista ressalta que, quando não tratado, o burnout pode
levar ao desencadeamento de outros transtornos mentais.
‘Muitos
achavam que era frescura’
Além
dos sintomas físicos, cognitivos e emocionais, é comum que pessoas com burnout enfrentem
durante o tratamento o preconceito contra síndromes e transtornos mentais — a
chamada psicofobia.
A
pedagoga Kátia Aparecida Mantovani Corrêa, de 45 anos, diz que, quando sentiu
os primeiros sintomas de burnout, foi comum enfrentar comentários
de pessoas ao seu redor dizendo que ela queria chamar atenção.
“Era
difícil para muita gente entender que a Kátia proativa, polivalente sempre
pronta e disposta para agir em qualquer situação, de repente deu pane. Muitos
achavam que era frescura e que eu queria chamar a atenção”, diz a pedagoga.
O
diagnóstico veio em 2023. Acostumada a trabalhar sem parar, no início, ela
achou que os sintomas que sentia há cerca de um ano eram devido ao cansaço e
estresse diário. Mas, nas férias, percebeu que aquilo não era normal.
“Lembro
que não conseguia desligar meus pensamentos, mesmo de férias. Minha cabeça
estava a milhão. Foi quando resolvi procurar ajuda”, conta Kátia.
Trabalhando
desde os 12 anos de idade, ela diz que, em um primeiro momento, não admitiu
ter burnout.
“Levei
quase um ano para esse processo de autoconhecimento, aceitação e renovação.
Hoje, levo a vida mais tranquila e mais concentrada. Digo que aprendi a
importância de dizermos não.”
Outro
problema comum são empresas que lidam negativamente com um diagnóstico de burnout,
pontuam especialistas.
Isso
faz com que muitos trabalhadores procurem ajuda especializada tardiamente,
quando os sintomas estão mais graves ou desencadeando outros transtornos
mentais, como a depressão.
O
gerente de projetos Lucca Zanini, de 26 anos, diz que, quando foi afastado do
trabalho pela primeira vez por não estar bem mentalmente, sua preocupação só
aumentou.
"Sabia
que a empresa não veria isso com bons olhos e meu maior medo era de ser
demitido assim que eu voltasse”, diz Lucca.
Temor
que se confirmou. Ao voltar ao trabalho, ele conta que os colegas passaram a
tratá-lo de forma diferente. “Não demorou para eu ser desligado.”
A
demissão fez Lucca procurar ajuda especializada. Hoje, em um novo emprego, ele
diz que a vida é outra.
Atualmente,
além dos medicamentos e atividades físicas semanais, Lucca diz que separa um
tempo somente para família e outro para o trabalho.
“Aprendi
a falar não. Não aceito mais atividades que excedam minha capacidade de
trabalho. Foco em minhas responsabilidades pessoais e dou a devida importância
ao que vale a pena.”
Alexandrina
Meleiro, da ANAMT, ressalta que, se for comprovado que a empresa ajudou a
desencadear o burnout, pode ser responsabilizada judicialmente.
“O
grande desafio é comprovar isso. Algumas empresas já são penalizadas por
causarem burnout no funcionário, principalmente na Europa, mas
ainda é muito difícil estabelecer o nexo causal”, ressalta Meleiro.
No
Brasil, em 2022, uma operadora de turismo foi condenada pela Justiça do
trabalho a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais a uma profissional
que teve burnout.
De
acordo com os autos, a profissional afirmou que se sentia sobrecarregada com o
volume excessivo de atividades e pelas cobranças insistentes por parte dos
chefes a qualquer momento, o que foi comprovado por meio de mensagens.
Para
Bruno Ribeiro, da UFF, é necessário um maior engajamento das empresas
brasileiras para prevenir o burnout.
“A
prevenção envolve mudanças na cultura da organização do trabalho,
estabelecimento de restrições à exploração do desempenho individual, diminuição
da intensidade de trabalho, diminuição da competitividade e busca de metas
coletivas que incluam o bem-estar de cada um.”
(Fonte:
BBC)
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